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10 de Out de 2024
Obra em rodovia na Amazônia indispõe ambientalistas com Marina Silva e governo Lula
TRF-1 derrubou liminar que suspendia asfaltamento do trecho central da BR-319
Lucas Altino
10/10/2024
A decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região de derrubar a liminar que suspendia o asfaltamento do trecho central da BR-319, na Amazônia, na segunda-feira, foi mais um passo a distanciar ambientalistas do governo Lula e da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Apesar de Marina já ter se manifestado contra a obra, o Ibama enviou à Justiça um parecer a favor do asfaltamento, temido por ONGs e pesquisadores como um gatilho para mais desmatamento nas margens da rodovia, que liga Manaus a Porto Velho.
indígenas e contra o desmatamento. O órgão ambiental também lembrou que a licença prévia ainda vai ser sucedida por outras, de instalação e de operação, antes de as obras começarem.
O posicionamento contrasta com declarações da ministra, que por diversas vezes defendeu mais estudos sobe impactos da obra. Em 2023, durante depoimento na CPI das ONGs, Marina foi mais direta na oposição ao asfaltamento.
- Ambientalmente e economicamente, não se faz uma estrada de 400 quilômetros no meio de floresta virgem apenas para passear de carro, se não estiver associada a um projeto produtivo - declarou.
Pesquisador da USP e da Universidade Federal do Amazonas, Lucas Ferrante concorda com o que Marina disse na CPI. E por isso aumentou o tom das críticas ao governo.
- O que vemos é o governo Lula tocando a política ambiental como no governo anterior e a ministra Marina Silva como basicamente um enfeite. Fala uma coisa, mas o governo faz outra coisa. Não temos uma ministra ativa de fato em cobrar o que precisa ser cobrado internamente - analisou Lucas Ferrante, que coordena o monitoramento do desmate nessa região.
Coordenadora do Observatório do Clima (que vai recorrer da derrubada da liminar), Suely Araújo disse não ver contradição entre o discurso de Marina, que manteria a "preocupação com um olhar mais abrangente, regionalizado, sobre os impactos desse empreendimento", e o recurso do Ibama. Mas reprovou o apoio à licença prévia.
- A ministra provavelmente não interfere diretamente nas manifestações que o Ibama coloca no processo judicial. Não é esperado que faça isso - ponderou a pesquisadora, antes de lamentar: - Infelizmente o Ibama defendeu a regularidade da licença do governo Bolsonaro. Nem dá para dizer que existe uma divisão interna deflagrada.
O Ibama argumentou na Justiça que um relatório atestou como a criação de unidades de conservação no entorno da rodovia é "um forte instrumento de prevenção e controle do desmatamento". Desde 2006, foram criadas mais de 20, algumas no chamado Trecho do Meio, que receberá o asfalto. Mas o argumento não convenceu Araújo.
- Como vão consolidar essas unidades? Os recursos previstos estão longe de ser suficientes - questiona. - Sem garantia de governança na região, essa obra gerará a explosão do desmatamento.
A ação judicial do Observatório do Clima sustenta que não houve consulta aos povos indígenas para a obra, como previsto em lei. Mas o Ibama informou que a Funai fez quatro reuniões com os povos Mura, Apurinã e Parintintin, que deram, segundo o agravo, anuência à licença prévia. E que uma exigência do instituto para o asfaltamento é a aquisição de uma área para os povos indígenas Munduruku e Mura.
No entanto, Ferrante afirma que as audiências públicas sobre a obra foram feitas na pandemia, sem indígenas, e "centenas de estudos" que mostram a inviabilidade da rodovia foram ignorados. Os estudos mostram o risco até do aumento da circulação de doenças.
Procurado, o Ibama informou que aguarda a apresentação do requerimento da licença de instalação pelo empreendedor para análise e, em seguida, dará andamento ao processo de autorização das obras.
Inaugurada na ditadura
Com 918 quilômetros, a BR-319 foi inaugurada em 1976, na ditadura militar. Em 1988, os 405 quilômetros do trecho do meio e os 72 quilômetros de outro lote foram tomados pela floresta. Somente os trechos das duas pontas, em Porto Velho e Manaus, continuaram asfaltados.
No governo de Dilma Roussef, a possibilidade de reasfaltamento voltou à pauta. A partir daí, o desmatamento disparou na região e alcançou o ápice entre 2020 e 2022, quando o governo Bolsonaro estabeleceu a obra como uma prioridade. A licença prévia questionada na Justiça saiu em julho de 2022.
A obra foi defendida pelo presidente Luiz inácio Lula da Silva em visita ao Amazonas, no mês passado, para verificar os efeitos da seca. O presidente anunciou o asfaltamento de 52 quilômetros da rodovia, que seria uma alternativa de transporte com a dificuldade de navegação pela redução do nível dos rios. Mas, para Ferrante, o efeito seria inócuo.
- Mesmo com a seca, o transporte fluvial não foi suspenso. As comunidades mais afetadas ficam nas calhas dos rios. Elas não são atendidas pela BR-319. Além disso, o transporte de mercadorias por terra é três vezes mais caro do que pelos rios - critica. - O trecho do meio não conecta municípios. Ali é basicamente floresta e terra indígena.
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