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O Tietê não é um rio azul

JT, Especial, p. A14
27 de Mar de 2005

O Tietê não é um rio azul
Essa cor, pelos padrões da Fundação SOS Mata Atlântica, significa qualidade da água ótima. O verde indica qualidade boa. O Tietê e sua bacia, na Grande São Paulo, não alcançam nenhuma das duas cores. Rios e córregos da bacia são monitorados por milhares de voluntários

Valdir Sanches

O Tietê que corta a Grande São Paulo não é um rio azul. Nem ao menos verde. Essas são cores do padrão usado por técnicos da Fundação SOS Mata Atlântica para avaliar a qualidade das águas do rio. Por esses padrões, o Tietê e sua bacia são amarelo, vermelho e preto.
Preto é péssimo. Vermelho, ruim. Amarelo, aceitável. Verde, bom. Azul, ótimo. As cabeceiras do rio têm 3% de preto, 47% de vermelho, 50% de aceitável. Como se viu, nada de verde e azul.
Conclusões como essa são possíveis desde que a fundação começou a monitorar os rios e córregos da Bacia do Alto Tietê (trecho que corta a Grande São Paulo, a caminho do interior). Em 28 cidades desta área, grupos de voluntários analisam a água da bacia mensalmente.
O monitoramento de córregos e rios é feito por 300 grupos, que reúnem 7.500 pessoas. Os números incluem grupos que atuam em treze municípios do Médio Tietê, no interior.
Numa viela do Parque Vitória, na Zona Norte, está um dos grupos paulistanos, o Ecos do Vitória. A sede é um baú de caminhão, desativado. De lá saíram, na terça-feira cedo, a ecóloga Elaine Silva e seu colega Omar Youssef Mansur. O rapaz é de outro grupo, o Planeta Verde. Foi dar uma força.
Pegaram a mochila azul onde está tudo o que precisam. Desceram a viela, depois uma escada, depois uma escadaria que leva a uma pequena ponte sobre o Córrego Mazzei. O córrego deságua no Rio Tremembé, que morre no Cabuçu de Cima, que cai no Tietê.
Um dos itens que os dois jovens foram avaliar ficou imediatamente claro. O impresso que iriam preencher, o guia de avaliação de qualidade da água, dá nota 1, 2, ou 3 para cada item analisado. No item cheiro, 1 é fétido; 2, (cheiro) fraco, de mofo ou capim; 3, nenhum. Eles assinalaram o 1.
O córrego até é simpático, mesmo com as caixas usadas de pizza, sacos vazios de cimento, pets de refrigerantes, plásticos, madeira - o lixo à vista na água. Elaine e Omar sentam no chão, em cima da pontezinha, e abrem a mochila. Sob a ponte, a boca de um cano, de uns 40 centímetros, despeja continuamente água servida.
A primeira coisa que os dois pegam é um frasco vazio. Com ele coletam a água do córrego, que servirá para os testes. Pequenas quantidades são passadas para frascos menores, as cubetas. Da mochila, são apanhadas pastilhas de reagentes, a serem colocadas nas cubetas. Elas farão a água mudar de cor. A cor é comparada com as que estão em cartões que fazem parte do kit de análises.
Por exemplo, coliformes fecais. A presença dessas bactérias indica a existência de fezes humanas, ou de animais, na água. O cartão sobre esse item tem duas cores. Vermelho, negativo; amarelo, positivo. Se o líquido com o reagente fica amarelo, o que tem acontecido, o resultado é positivo. Há dessas bactérias na água.
Ao final dos testes, a guia preenchida por Elaine e Omar continha uma boa avaliação do córrego. Suas águas mostravam presença média de oxigênio, necessário à vida do rio. Boa situação com relação a nitrato, mas ruim quanto a fosfatos (ambos revelam a presença de esgotos). No total, são catorze itens, que avaliam até a presença ou não de peixes.
A soma dos pontos atribuídos a cada item deu 26. A faixa de 21 a 26 pontos corresponde a ruim. Vermelho. Por um ponto não se situou entre 27 a 35 pontos, aceitável. Amarelo.
A pontezinha está bem cuidada, com as grades pintadas. A escadaria que leva à ela corta uma área com muito verde. Isto tudo deve-se ao trabalho voluntário de Francisco Luz da Silva, 75 anos, bancário aposentado, com casa próxima ao córrego. Ele é também um guardião das águas.
"Esse povo joga lixo, colchão e até sofá no córrego", reclama. "É um povo que não tem estilo." Francisco diz que não dá mole aos sem-estilo. Repreende, procura conscientizar. Mas é difícil. "Quando o córrego fica com muito lixo, ligo para a Prefeitura."
O Ecos da Vitória, o grupo onde a ecóloga Elaine atua, foi fundado há cinco anos por uma militante da causa ecológica, Romilda Hadad. Começou cuidando do lixo. O terreno onde está o baú de caminhão-sede é usado para a coleta seletiva. Mas não ficou só nisso. "Nós fomos de porta em porta para falar de educação ambiental", diz Elaine.
Não foi fácil. Muitas pessoas aceitavam os argumentos, nem que fosse pensando nas baratas que poderiam vir do córrego. Outras, eram radicais. "Queriam canalizar o córrego, dizendo que é esgoto." Explicava-se, então, que as nascentes são limpas, o problema são os esgotos, o lixo que vem depois...
Os moradores colaboram. O terreno onde está o Ecos da Vitória foi cedido pelo dono.

Lixo, esgoto. O berço do córrego
O Iijima nasce em Ferraz de Vasconcelos, Grande São Paulo, entre um lixão e um loteamento clandestino. Suas águas sempre estão ruins ou péssimas
O córrego Iijima nasce puro, num restinho de Mata Atlântica, em Ferraz de Vasconcelos, Grande São Paulo. A mata está espremida entre as casas de um loteamento clandestino e um depósito de lixo ilegal. A coleta da amostra de água é feita a menos de um quilômetro da nascente. O resultado habitual é vermelho. Ruim. Muitas vezes muda para o preto. Péssimo.
Isso não desanima a brigada do SOS Mata Atlântica na cidade: a empregada doméstica Fátima Aranda e seu irmão, o artesão Jaime. Eles, duas sobrinhas gêmeas e um amigo monitoram o Iijima e outros dois córregos locais.
E não ficam só nisso. Há pneus velhos a dez metros da nascente do Iijima. Vêm lá de cima, de uma avenida eleita a predileta dos que jogam lixo na região. Os irmãos Aranda conseguiram que a prefeitura, a pedido da Polícia Florestal, cavasse valas em um dos lados da avenida.
Isso para impedir que caminhões entrassem no terreno, cheio de mato, que desce para a margem direita do córrego. Os caminhões entravam lá para descarregar lixo. Com as valetas, o lixo continuou sendo jogado na margem da avenida, mas em menor quantidade.
Mas Fátima e Jaime estão sofrendo revezes. O lixo está enchendo as valetas. E, alguém, para não perder tempo, tapou um trecho de valetas, com terra. O que possibilitou aos caminhões voltar a entrar no terreno.
Isso acontece na margem direita do córrego. Na esquerda, estão as casas do loteamento que nasceu clandestino e acabou regularizado. O esgoto que sai das casas tinge a água limpa vinda da nascente. "É o encontro das águas", diz Jaime.
Quando chega na pontezinha estropiada, de tábuas, que Fátima e Jaime usam para colher a amostra, o córrego já leva o jeito do Tietê. Águas turvas, cheiro ruim. Quando chove, melhora um pouco. Com mais água, menos poluição. Nesses dias, pode chegar ao amarelo. Aceitável.
Jaime e a irmã fazem movimentos para tentar conscientizar a área cortada pelo Iijima. Perto do ponto onde colhem as amostras do rio, havia uma área cheia de lixo. "Conseguimos fazer com que os moradores respeitassem o lugar", diz Jaime. "Agora há grama, está virando uma pracinha."
O artesão construiu, no quintal de sua casa, uma cabana, que sobe para uma grande árvore. Nada a ver com Tarzan. O telhado é de pets de refrigerante e papelão de embalagem de leite, reciclados. A cabana ecológica também serve de atração para os propósitos dos irmãos.
A tática de conseguir apoio para a causa, em todo caso, é o corpo-a-corpo. "Conhecemos muita gente, conversamos e tratamos de sensibilizá-los", diz Jaime.

JT, 27/03/2005, Especial, p. A14

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