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O terror biologico

CB, Opiniao, p.23
Autor: SANTAYANA, Mauro
22 de Jan de 2004

O terror biológico
Mauro SantayanaJornalista

No mesmo momento em que era aprovado, terça-feira, o relatório do deputado Aldo Rebelo — modificando, para pior, o projeto de Lei de Biossegurança enviado pelo governo à Câmara dos Deputados —, em Washington o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos divulgava estudo em que alerta contra o perigo dos transgênicos.   O relatório, redigido com todos os cuidados políticos, explicáveis em um documento que contraria poderosos interesses econômicos, conclui que não há provas de que o processo de transposição de genes, tanto nos vegetais como nos animais, possa ser realizado com segurança, de modo a evitar terrível desequilíbrio biológico no planeta.   Nenhum método usado até agora, a fim de controlar e isolar do resto da natureza as experiências e o cultivo de plantas modificadas, bem como a criação de animais alterados geneticamente, é seguro. Ao escapar para o meio ambiente — dizem os especialistas —as células modificadas tendem a dispersar-se, a impor-se sobre a vida natural e a promover perigosa alteração em um processo que se desenvolve há milhões e milhões de anos. Enfim, como já alertaram tantas pessoas de bom senso, trata-se de arrepiadora ameaça.   O relatório trata, sobretudo, de organismos geneticamente modificados que se encontram no mercado, como grãos destinados ao uso industrial e peixes para o consumo humano, como o salmão. Os genes do salmão são alterados a fim de que ele possa crescer muito mais, e rapidamente. Ao desenvolver-se assim, ele adquire qualidades que superam as dos peixes normais, tanto na disputa de alimentos, como na disputa de fêmeas. Resultado: ao ganhar os rios e oceanos, eles acabarão por eliminar os salmões naturais e promover a extinção de outras espécies.   No caso das plantas, diz o relatório, o perigo é idêntico. Pela polinização e outros vetores, as espécies geneticamente modificadas alterarão o comportamento e o desenvolvimento dos insetos, além de, em certos casos, robustecer algumas ervas daninhas, tornando difícil o seu combate e ainda mais difícil a produção de alimentos no futuro. O estudo cita especificamente o caso do milho, modificado a fim de produzir medicamentos e agentes químicos industriais, cujo pólen pode contaminar o milho destinado à alimentação humana. É também de se prever, no caso da dispersão do pólen do milho, a alteração de todas as gramíneas.   O relatório norte-americano, divulgado ontem pelo New York Times, conclui que não há provas concretas (foolproof) de que os genes alterados possam ser bioconfinados. Se não há provas concretas, estamos nós brasileiros, que temos a maior biodiversidade do mundo, caminhando como cegos à beira do precipício.   Vemos, agora, como são procedentes os avisos de importantes cientistas, no Brasil e no mundo. A nota oficial da Embrapa a esse respeito, já divulgada, é um documento que antecipa a posição dos especialistas norte-americanos — e que o governo brasileiro não levou a sério. Preferiu ouvir alguns cientistas apressados, os produtores de soja e atender ao ministro da Agricultura, que parece interessado apenas na próxima safra. Conclui-se também que a ministra Marina Silva — que moderou sua posição a fim de não criar atritos maiores no governo — estava no caminho certo. E, sobretudo, que Requião tem razão ao lutar para que o Paraná, pelo menos o Paraná, fique livre do terror biológico.   No discurso que pronunciou terça-feira no Congresso dos Estados Unidos, o presidente Bush dá uma indicação do tamanho dos interesses econômicos que se encontram em jogo. Ao falar no desemprego, o presidente revela o crescimento de vagas no setor da biotecnologia. Muito de nosso crescimento de empregos — disse —será em campos de alta especialização, como os da medicina e da biotecnologia. Assim nós podemos responder ajudando mais americanos a ganhar habilidade para encontrar bons empregos em nossa nova economia.   O governador Roberto Requião recebeu do presidente da República, em recente almoço, a garantia de que não será permitido o plantio de transgênicos no Paraná. É um bom avanço, mas o interesse nacional exige que todo o Brasil fique livre dos transgênicos, até que se encontre um método seguro de confinar biologicamente as modificações feitas. A Embrapa tem condições de realizar, com todas as cautelas, as pesquisas sobre o assunto, a fim de que não fiquemos à margem da tecnologia, mesmo para impedir a sua aplicação, se for o caso. Esperamos que, pressurosos como temos sido em ouvir o que dizem os norte-americanos, os ouçamos também agora, e tratemos de reexaminar o assunto, antes que o erro se transforme em fato consumado.   Ainda há tempo para que o Poder Executivo e o Congresso repensem, seriamente, a questão. E para que os cidadãos conscientes deles exijam mais prudência. Afinal, não podemos ter a presunção de que somos capazes de refazer, sem perigo, em uma geração, o que a natureza vem construindo desde que da argila úmida surgiu a primeira célula viva.

CB, 22/01/2004, p. 23

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