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O Sivam de Chavez

CB, Mundo, p.12
06 de Dez de 2004

O Sivam de Chávez
Em segredo, governo venezuelano instala nas fronteiras um sistema de radares inspirado na rede de vigilância brasileira. Meta é criar com países vizinhos um cinturão de defesa amazônica
Claudio Dantas
Da equipe do Correio
Um novo e ambicioso plano do governo de Hugo Chávez se esconde em meio à densa floresta amazônica, sob a camuflagem de um inofensivo sistema para controle do regime de chuvas e incêndios florestais, o Venehmet. Por trás da sigla existe outro nome, que designa uma ampla rede de radares conectados via satélite com centenas de antenas para transmissão de dados e bases de monitoramento — uma malha de olhos e ouvidos dispostos estrategicamente ao longo da fronteira venezuelana, na divisa com Brasil e Colômbia. O Sistema de Vigilância Orinoco e Amazônia (Sivoram) nasce inspirado no Sivam brasileiro, com pretensões a marcar o início da integração para a defesa regional.
A preocupação da Venezuela com sua soberania é antiga, mas foi a escalada dos conflitos entre grupos armados além da fronteira colombiana que levou as autoridades a reagir. As falhas na segurança regional também têm contribuído para o aumento da mineração ilegal e do contrabando de armas e drogas que escoam impunenemente ao longo do rio Orinoco. Cerca de 23 brasileiros foram presos este ano (leia mais nesta página) na região de Porto Ayacucho, acusados de extração de ouro do Parque Nacional de Yatacama, uma área de reserva protegida.
As consultas sigilosas com o governo brasileiro começaram há pouco mais de um ano, segundo revelou com exclusividade ao Correio a ministra venezuelana do Meio Ambiente, Ana Elisa Osorio Granado. Ele afirmou que o programa de controle meteorológico está sendo adaptado para ser compatível com o Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), e deve entrar em fase de testes no ano que vem. A operação começaria em 2006.
É uma aliança estratégica com o Brasil e os sistemas de proteção e vigilância Sipam e Sivam. Queremos compatibilizar esses sistemas, e vamos usar como base o Venehmet. Já temos os radares instalados e estamos comprando a antena satélite, anunciou. Segundo um alto funcionário do governo venezuelano, só as instalações físicas do sistema (radares, antenas...) custarão US$ 150 milhões. Para a integração tecnológica, foi assinado em setembro um contrato de US$ 1 milhão com a Atech Tecnologias Críticas, a empresa que desenvolveu o software do Sivam.
Consultado pela reportagem, o diretor de Marketing da Atech, Zareh Balekjian, disse desconhecer o Sivoram. Mas Elisa Osorio é franca. Contratamos a Atech para tornar nossa tecnologia compatível com a brasileira e compartilhar informações estratégicas, afirmou. O sistema é capaz de monitorar em tempo real qualquer invasão do espaço aéreo venezuelano, assim como incêndios florestais, desflorestamento e até atividades de mineração ilegal. Colocaremos os dados a serviço das Forças Armadas, do Ministério de Agricultura e da Terra, do Planejamento e outras instâncias do governo. Todos estarão reunidos em um conselho executivo, explicou.
Fazendo negócios
Para o Brasil, a integração com países vizinhos, como a Venezuela, pode render bons dividendos a longo prazo. Tudo depende do cardápio tecnológico, como explica o coronel Paullo Esteves, porta-voz do Sivam. É um bom negócio para esses países, pois nós fizemos o maior investimento, cerca de R$ 1,4 bilhão. Para o governo venezuelano, por exemplo, o custo é menor, já que a menor extensão do território exige menos infra-estrutura tecnológica, compara.
Na fila dos interessados em integrar esse cinturão de defesa já estão Peru e Colômbia. Eles estão se conscientizando de que a problemática da Amazônia é uma só, mesmo que 73% dela esteja no Brasil, afirma Esteves, hábil em criar metáforas para vender o projeto de segurança amazônica. É como se vivêssemos todos em um mesmo edifício cheio de baratas. É preciso detetizar todo o prédio, e não apenas o meu apartamento, comenta.
A possibilidade de lucrar com a segurança regional, e ainda assegurar a própria proteção, também desperta as ambições venezuelanas. A proposta inicial envolvia um acordo entre México, Brasil e Venezuela. Queremos oferecer o serviço a outros países da América Latina, comenta Elisa Osorio. Ela ressalta que o projeto recebe apoio da Corporação Andina de Fomento (CAF). Os equipamentos são alemães, e mais avançados que os norte-americanos usados no Sivam.
Pressão política
A criação de um sistema de controle do território, e principalmente das fronteiras amazônicas, responde a uma necessidade regional. Leva em conta o aspecto da segurança territorial, o combate ao tráfico de armas e drogas e a conservação da biodiversidade da Amazônia transnacional — área de mais de 7 milhões de km², que inclui o imenso potencial de sua bacia hidrográfica.
Há dois anos, o Departamento de Estado norte-americano convocou uma reunião com autoridades regionais para debater a vigilância da Amazônia. Os EUA propuseram então criar uma instância para a proteção da Amazônia. Brasil e Venezuela rejeitaram a proposta, lembra a ministra venezuelana. Dissemos: Não, obrigado. Somos soberanos e auto-suficientes para proteger nosso território e nossos recursos naturais, conta Ana Elisa Osorio. Como observa o diretor da Organização do Tratado de Cooperação da Amazônia (OTCA), Marcos Afonso Pontes de Souza, o sucesso da integração tecnológica parte do âmbito de uma cooperação política.
Segundo ele, caminhamos para a realização do projeto da Amazônia continental, o que nos permite avançar no zoneamento das riquezas biológicas e culturais das diversas populações indígenas, defender o território e zelar pela soberania regional.

O número
O custo
US$ 150 milhões
Valor a ser pago pelas instalações físicas do sistema (radares, antenas...)

Diplomacia debate mineração ilegal
Uma reunião de alto nível entre autoridades do Brasil e da Venezuela discutirá as formas de combater a mineração ilegal e o contrabando na fronteira entre os dois países. O encontro, segundo fontes do Ministério das Relações Exteriores brasileiro está marcado para os próximos dias 8 e 9, quarta e quinta-feira, e tratará também da delicada situação dos 23 brasileiros presos em território venezuelano. Eles são acusados de extrair ilegalmente ouro do Parque Nacional de Yatacama.
Desgaste
O caso vem gerando desgaste diplomático e, há duas semanas, autoridades da embaixada brasileira em Caracas fizeram um sobrevôo pela região para conhecer de perto o problema. O governo venezuelano estima em 600 a 800 o número de brasileiros que trabalham ilegamente em garimpos no país. Para atacar diretamente a questão, o Brasil vai abrir um Consulado de carreira em Puerto Ayacucho, cidade onde os cidadãos brasileiros permanecem detidos.
Julgamento
Do grupo, dez foram condenados. Mas depois de gestões dos advogados — que alegaram falhas no processo — a sentença foi anulada. Eles aguardam uma nova data para o julgamento. Outros 13 permanecem esperando o desenrolar do processo. Familiares dos brasileiros encarcerados reclamam das péssimas condições de prisão e geralmente funcionários da embaixada levam comida e remédios aos detidos. No Brasil, está em estudo a ida de uma missão parlamentar conjunta de deputados federais e estaduais à região. A viagem ainda está sem data definida. (CD)

O número
Garimpo ilegal 800 Número de brasileiros que, segundo o governo venezuelano, trabalham ilegalmente com mineração na fronteira entre Brasil e Venezuela

CB, 06/12/2004, p. 12

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