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O futuro das nações indígenas, aos olhos dos "curumins"

Campo Grande News-Campo Grande-MS
Autor: Aline dos Santos
19 de Abr de 2006

Crianças indígenas em aldeia urbana de Campo Grande: sonho de um futuro menos problemático.

Kalivono. Futuro é palavra essencial para os índios terenas que vivem nas aldeias urbanas de Campo Grande. Para muitos, ter um filho na escola é plantar a semente de um destino melhor. O intuito é que as crianças trilhem caminhos que lhes garantam melhores condições do que as ofertadas hoje pelos pais, que em sua maioria trabalha em serviços pontuais, o popular bico, ou em fazendas.
"Muitos deixaram as aldeias em Aquidauana e Miranda em busca de estudo para os filhos", conta Itamar Jorge Pereira, professor de língua e cultura terena na escola Tumuni Kalivono (Criança do Futuro), localizada na aldeia urbana Marçal de Souza.
Na escola, onde dos 405 alunos cerca de 40% são indígenas, dia do Índio, é dia de festa.
Em polvorosa, elas ensaiam as apresentações que vão marcar a data. Ativos, os pequenos correm de um lado para outro, muitos caracterizados com o figurino que remete a elementos indígenas.
Entre eles, poucos se lembram de como viviam na aldeia, mas são unânimes em apontar a cidade como muito melhor. Edicléia Lemes, de 9 anos, recorda que na aldeia, em Miranda, não tinha energia elétrica, nem rádio; a diversão era brincar com outras crianças.
A menina, enfeitada com um colar e uma pulseira feitos por ela, conta que mora com a avó, pai, mãe e duas irmãs. Edicléia pretende ser professora.
O futuro como professora "de todas as matérias" é o desejo de diversas meninas - Sâmara, Sanir, Claudicéia, Claudinéia - tanto na aldeia urbana Marçal de Souza quanto no Jardim Noroeste, onde desde 2002 residem um grupo com 80 famílias indígenas. Valquiria Candelária, de 10 anos, recorda que na aldeia Cachoeirinho, também em Miranda, a principal diversão era subir em pés de árvores. Apesar de acreditar ter mais recursos aqui, ela diz que voltaria à aldeia para dar aulas.
"Crianças são cheias de sonhos; elas são a nossa esperança", assinala Martinho Antônio, da associação de moradores Futura Geração Terena, no Jardim Noroeste.

Televisão ou Komokókuti? - A partir da próxima quarta-feira este é o desafio que se impõe ao professor Itamar: verter para a língua terena palavras como televisão e celular, que não existem na língua oficial, mas constam no dia a dia dos alunos.
As aulas pretendem resgatar a língua terena, que as crianças não dominam. "A língua materna é o que nos une. É o único elemento que nos resta, pois, ao longo do tempo perdemos 95% da nossa cultura" salienta o professor.
Nas aldeias urbanas, é mantida a estrutura das aldeias campestres, com o cacique ocupando o posto de autoridade máxima. A intenção é manter nas crianças o apreço por ser índio. "Fortalecer as tradições é uma forma deles não deixarem suas raízes. E se considerar índio pelo resto da vida", reitera Itamar.
Ele destaca que a frase "Posso ser o que você é, sem deixar de se o que sou", estampada em um banner no pátio da escola sintetiza o sentimento que os adultos procuram passar às crianças.

Fuga - Ieda Marque de Carvalho, que pesquisa sobre os índios terenas, explica que a vinda dos índios de municípios vizinhos para Campo Grande está relacionada ao fato das aldeias não terem espaço suficiente para todos. "Nas terras indígenas, a densidade populacional é alta. E ao perceber que a área existente não dá mais condições para o sustento da família, muitos rumam para as cidades". Segundo Ieda, pesquisa realizada em 1999 e 2000 apontou que 10% da população dos bairros de Campo Grande é composta por indígenas.
A chegada à cidade acontece de forma gradual, em geral, um parente que veio primeiro recepciona os demais.
A pesquisadora lembra dos esforços para que os índios ocupassem de forma definitiva a aldeia Marçal de Souza. "A área pertencia à Funai e seria para construção da casa de Saúde, um ponto de referência para aqueles que necessitassem de atendimento médico. Porém, como a obra nuca começava, o terreno foi ocupado pelos indígenas. Eles sofreram perseguições e até ataques durante a madrugada", rememora.
Entretanto, só quando a área passou para a esfera municipal, as 135 moradias receberam obras de infra-estrutura como energia elétrica, água e saneamento básico.
No Estado, as aldeias terenas são predominantes nos municípios de Aquidauana, Anastácio, Miranda e Nioaque.

Quando o tempo não ajuda - Se para os terenas, o passar do tempo pode trazer mudanças significativas, para os guarani-caiuás a situação piorou nos últimos 28 anos. A constatação é do historiador Antônio Brand, do Núcleo de Estudo e pesquisa dos Povos Indígenas da UCDB (Universidade Católica Dom Bosco), que desde 1978 acompanha a história desta etnia na região Sul do Estado.

Ele enfatiza que o problema de fundo é a terra. "A simples devolução de terras não resolve todo o problema, mas sem a devolução não há como resolver as dificuldades enfrentadas pelos guaranis. Como dar fim à desnutrição, se não há terra para plantar", questiona.
Brand ressalta que por motivos políticos, o governo prefere investir em cestas básicas e programas assistenciais a buscar soluções mais efetivas. "Gasta-se muito dinheiro para não fazer o que deve ser feito", pondera, em alusão aos recursos dependidos em medidas paliativas.
Como exemplo, o historiador cita a CPI da Desnutrição, realizada pela Assembléia Legislativa. "Se propuseram a investigar as causa da desnutrição, mas não enfrentaram o tema, passando ao largo do maior problema: a falta de terra".

Ano passado, o assassinato de dois índios e neste ano, o assassinato de dois policiais em um acampamento indígena, são fortes indicativos do quão conturbado e convulsivo é o relacionamento entre índios e fazendeiros, ambos em disputa pela posse da terra.

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