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O futuro da saúde indígena no Brasil

Jornal do Brasil on line - http://jbonline.terra.com.br/leiajb/noticias/2009/04/01/pais/o_futuro_da_saude_indigena_no_brasil.asp
Autor: Paulo Daniel Moraes - Médico Sanitarista
01 de Abr de 2009

O anúncio da criação da Secretaria Especial de Atenção à Saúde Indígena pelo Ministério da Saúde no final de 2008 foi uma grande vitória do movimento indígena. A criação desta Secretaria vem sendo discutida há anos e esta conquista é resultado de mobilizações por todo o país que exigiram mudanças urgentes na gestão da saúde indígena.

O grupo de trabalho responsável pela elaboração da proposta de reforma na saúde indígena reúne técnicos do Ministério da Saúde e da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), profissionais de saúde e representantes indígenas de diversas regiões do país. A mudança do órgão responsável pela gestão do subsistema acendeu uma série de perguntas no seio do movimento indígena em todo o país. Será a tão esperada luz no fim do túnel, ou é apenas mais um trem que se aproxima em sentido contrário?

A primeira questão levantada pelo Fórum dos Presidentes de Conselhos Distritais de Saúde Indígena (CONDISI) é a necessidade de transformação imediata dos Distritos Sanitários Indígenas (DSEIs) em unidades gestoras, com autonomia administrativo-financeira e fundos distritais de saúde, recebendo os recursos diretamente do governo federal mediante a apresentação de planos de trabalho aprovados nos Conselhos Distritais de Saúde. Esta é a melhor forma para afastar o risco da municipalização que ronda a saúde indígena e que já está presente em boa parte dos distritos sanitários indígenas do país.

A Funasa ao longo dos quase dez anos de gestão da saúde indígena nunca tomou medidas efetivas para promover a autonomia dos distritos. Nos últimos anos se agravaram os problemas básicos de gestão, com a centralização progressiva das decisões no nível central do órgão, levando à insuficiência de medicamentos e materiais médicos na maioria dos distritos e ao sucateamento da infra-estrutura dos postos de saúde e dos equipamentos utilizados na área, como veículos, radiofonias, microscópios, balanças, etc. Enquanto isto, multiplicavam-se pelo país as denúncias de uso político e os escândalos de corrupção nas diversas instâncias do órgão.

A caótica gestão da saúde indígena contribuiu para a estratégia de penalização dos convênios pela Funasa, transformando-os em "bode expiatório" e inviabilizando sua continuidade, devido à sobrecarga de auditorias e investigações que provocaram o atraso nos repasses e a paralisação das atividades na área. Esta situação atingiu as organizações e parceiros do movimento indígena que ajudaram a construir os distritos sanitários desde a sua criação, e foi agravada pela existência dos "falsos convênios" denunciados pelo Ministério Público do Trabalho, surgidos após a edição da Portaria 70 com a única finalidade de intermediar recursos humanos para a Funasa.

A política de recursos humanos dos distritos foi atingida em cheio pela crise, com a precarização da situação trabalhista, provocando enorme rotatividade e desestímulo entre os profissionais envolvidos. O Programa de Formação Profissional de Agentes Indígenas de Saúde (AIS) está paralisado em quase todo o país, e não há apoio para as iniciativas de formação de profissionais indígenas nas áreas técnicas de laboratório e de enfermagem, entre outras. Falta também uma política de contratação dos AIS que assegure a regularização de seus direitos trabalhistas, uma vez que o pagamento de bolsas de trabalho é considerado ilegal pelos órgãos de controle.

A conquista da autonomia administrativa e financeira é a condição fundamental para o funcionamento adequado dos Distritos Sanitários Indígenas e passa, necessariamente, pela democratização do sistema. Para isto, é preciso assegurar a atuação independente dos conselhos de saúde e o protagonismo indígena com vistas ao controle social e à gestão participativa. A escolha dos responsáveis nos níveis centrais e nos distritos deve passar pelo crivo do compromisso com os povos indígenas, afastando as usuais ingerências políticas e burocráticas.

A Constituição Federal e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) asseguram o direito de participação indígena em todas as políticas que lhes digam respeito. Neste contexto, a criação da Secretaria Especial de
Atenção à Saúde Indígena reacende a esperança de que no fim deste longo túnel se encontre o nascimento de um novo dia para a saúde dos povos indígenas no Brasil.

Paulo Daniel Moraes é coordenador do Setor de Saúde do Conselho Indígena de Roraima (CIR) e integra a Pastoral Indigenista da Diocese de Roraima

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