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O emergente turismo na terra do guaraná

OESP, Viagem, p. V4-V6
24 de Fev de 2004

O emergente turismo na terra do guaraná
A lenda indígena da Iara - metade mulher, metade peixe - simboliza o encantamento que se experimenta em Presidente Figueiredo e Maués, dois pólos repletos de atrativos

Priscila Néri

De pele morena, cabelos negros e olhos castanhos, Iara - metade mulher, metade peixe - é a mãe das águas da Amazônia. Majestosa, ninguém resiste a seus encantos. Segundo a lenda indígena, o fascínio que ela exerce sobre os homens é tão grande que os deixa hipnotizados e impotentes. Para chegar até a deusa, muitos pescadores atiram-se nos rios para banhar-se e nunca mais voltam. Iara não deixa.
Viajando pelos rios amazonenses, fica fácil entender o encanto. As águas - ora escuras, ora claras, ora barrentas - parecem capazes de cicatrizar qualquer ferida, curar qualquer dor. A força é tamanha que, para as famílias que moram nas comunidades ribeirinhas, tudo começa e termina no rio. É lá que se encontra um refúgio do sol quente, o lazer das tardes de domingo, o peixe para alimentar os filhos.
Quem deseja mergulhar no universo de Iara encontra muitas opções turísticas à disposição. A cidade de Presidente Figueiredo, por exemplo, localizada a 110 quilômetros de Manaus, tem mais de 90 cachoeiras catalogadas. Isso sem contar as grutas e corredeiras. O município, que é quase do tamanho da Holanda, tem se transformado num dos maiores e mais atraentes pólos de ecoturismo do Estado.
A lista de atrações inclui torneios de pesca esportiva, a famosa Festa do Cupuaçu e muitos locais adequados para confraternizar com a natureza.
Presidente Figueiredo tem uma das coleções mais ricas de flora e fauna do País.
Beleza intocada[/INTERTITULO] - Maués, conhecida como a terra do guaraná, a 276 quilômetros de Manaus, não fica atrás. Durante o verão, estação que ali se conta de agosto a dezembro, na época de vazante dos rios, a cidade é brindada com praias paradisíacas que se perdem em meio a 40 mil quilômetros quadrados de uma beleza natural praticamente intocada.
A cidade vive do guaraná - fonte de renda da maior parte das famílias. Entre as safras, os moradores se viram como podem: pescam e plantam arroz, feijão e milho para garantir a sobrevivência. Por causa do esforço para desenvolver o turismo, o município recebeu no ano passado o Selo de Prata do Programa Nacional de Municipalização do Turismo do Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur).
Estrutura[/INTERTITULO] - Com uma infra-estrutura ainda incipiente, Maués é ideal para os turistas que não se preocupam com luxo. Já Presidente Figueiredo, onde muitos manauenses mantêm casas de campo, conta com uma organização um pouco mais avançada, porém não luxuosa.
Ainda assim, a palavra de ordem é natureza, o que nem sempre combina muito com sofisticação. O mais indicado mesmo é aproveitar a vista, o ar puro e a chance de conhecer melhor o berço de tanta vida. Deixe Iara te levar, mas, cuidado... pode ser que você não volte mais.

O destino favorito da aventura tem gosto de cupuaçu
A fruta inspira um sem-fim de sabores na cidade com vocação para esportes radicais

Terra das cachoeiras, do cupuaçu e de uma flora e fauna de causar inveja. Presidente Figueiredo, a 110 quilômetros de Manaus, é um dos maiores pólos de ecoturismo do Estado e destino preferido dos amazonenses à procura de aventura. São mais de 90 cachoeiras - contando só as que já foram catalogadas - distribuídas em 25.421 quilômetros quadrados de floresta.
Nas corredeiras, o turista pode se aventurar em esportes como rafting, rappel, bóia-cross, tirolesa... E há para todos os gostos: na Corredeira do Urubuí (km 107 da BR-174), o visitante dispõe de quadras de esporte, piscinas, restaurantes e opções de hospedagem. Na Cachoeira de Iracema (km 115 da BR-174), há grutas, cavernas e trilhas e uma infra-estrutura que permite que o turista passe o dia inteiro no local.
Quem prefere modalidades mais calmas pode se dedicar à observação da natureza e tentar encontrar o galo-da-serra, uma das aves raras mais cobiçadas que dão o ar da graça por lá. Por causa de sua diversidade, Presidente Figueiredo tem entrado na mira dos traficantes de animais em extinção. No ano passado, um alemão foi preso tentando levar oito aranhas do município para a Suíça. Acredita-se que o destino eram os grandes laboratórios farmacêuticos, que estudam os poderes do veneno dessas espécies nativas da Amazônia.
Amantes da pesca também têm muitas opções. O lago artificial da Usina Hidrelétrica Balbina é ideal para pescar tucunarés e piranhas-pretas (consideradas as mais saborosas) durante todo o ano. No fim de agosto, ocorre o famoso Torneio da Pesca do Tucunaré, uma festa que chega a atrair até 20 mil pessoas em dois dias de competição.
Agora, se você gosta mesmo de saborear as frutas locais, prepare-se para enjoar do cupuaçu, se é que isso é possível. Presidente Figueiredo é um dos maiores produtores da fruta no País. Tanto que a maior festa turística da cidade é a Festa do Cupuaçu, que ocorre no início de abril. Em três dias, 150 mil turistas visitam o município para se deliciar com doces, licores, balas, geléias, bombons e até com caipirinhas de cupuaçu.
Depois de tudo isso, pare por um momento e preste atenção no espaço que há na cidade. Presidente Figueiredo é um município com 16 vezes o tamanho da cidade de São Paulo, mas apenas 0,125% da população. Ou seja, uma das menores densidades demográficas do País, apesar de ter crescido 16% em termos de população nos últimos anos. Conta-se 0,49 habitante por quilômetro quadrado, em comparação com 6.521,74 habitantes por quilômetro quadrado em São Paulo! É um vazio de encher os olhos.
Presidente Figueiredo tem uma rede de sete hotéis e 22 pousadas, num total de 1.600 leitos. O preço das diárias pode variar entre R$ 25,00 e R$ 120,00.
Para mais informações, (0--92) 9151-8915 e (0--92) 9146-6625. (P.N.)

Nos domínios dos 'papagaios curiosos'
Tribo que ganhou essa denominação habita a área desde meados do século 18

MAUÉS - O sol ainda não se pôs e Valdenete Gomes dos Santos, grávida de oito meses, aproveita para dar banho nos filhos na Praia da Ponta de Maresias.
São três crianças sorridentes, de pele morena e cabelo liso, que se divertem brincando nas águas do Rio Maués-Açu - as mesmas exploradas por seus ancestrais, os índios saterê-mawé, em meados do século 18. De vez em quando, um casal de botos surge no horizonte, como que para apreciar a paisagem. É um fim de tarde de novembro em Maués. Os rios estão baixos e todos os anos as praias nascem e renascem da terra no período da vazante, de julho a fevereiro.
Maués, em tupi, significa papagaio curioso, falante e inteligente. O nome surgiu numa alusão às características dos saterê-mawé, que vivem até hoje na Reserva do Marau. Foram os saterê-mawé que descobriram a fruta que resume a identidade de Maués: o guaraná.
Já no século 18, os índios usavam a língua do peixe pirarucu (que depois de seca serve de lixa) para raspar o bastão do guaraná e extrair o pó. O refrigerante que conhecemos hoje só surgiu em 1921, quando nasceu a fórmula do Guaraná Champagne Antarctica. Desde então, a bebida é fabricada com as sementes de Maués.
No berço mundial do guaraná é possível experimentar xarope, bala, suco e até - quem diria - um viagra natural feito com a fruta. O "kit tesão", como é chamado por lá, leva guaraná em pó, mirantã e catuaba... satisfação garantida, segundo os nativos. Com essa dose extra de energia, sobrará disposição para visitar as atrações turísticas da cidade. Vale a pena fazer um passeio de barco ou lancha para chegar até as praias mais distantes, quase todas intocadas pelo homem. A Praia de Juliana, por exemplo, já foi cenário de um ensaio de moda com a top Fernanda Tavares para uma campanha publicitária do Guaraná Antarctica.
Festas[/INTERTITULO] - Além disso, há cachoeiras (visite a do Salto) e grutas, como a do Amana, conhecida como a Casa de Pedra. A programação cultural conta com festas regionais como o Carnaval Popular, em fevereiro, o Festival de Verão, em setembro, e a Festa do Guaraná, em novembro, que chega a receber 10 mil turistas. No dia-a-dia, os americanos são forte presença no município. Muitos deles vêm atraídos pela beleza do Lago Grande, onde mais de 200 espécies diferentes de pássaros exóticos já foram detectadas.
Maués conta com uma área de 40 mil quilômetros quadrados - quase o tamanho da Bélgica - e tem 40 mil habitantes espalhados em 120 comunidades. A cidade foi fundada em 1833 e fica na região leste do Estado do Amazonas, entre as calhas dos Rios Madeira e Tapajós. A temperatura média, durante todo ano, é de 29 graus, mas pode chegar a 35 graus.
Há seis opções de hospedagem, com diárias de R$ 15,00 a R$ 80,00. Saindo de Manaus, é possível chegar a Maués por dois caminhos: avião ou barco. O primeiro custa cerca de R$ 400,00 e leva 45 minutos, com vôos diários saindo da capital amazonense. O segundo sai por R$ 50,00 (para quem levar a própria rede) a R$ 150,00 (se preferir alugar uma cabine para duas pessoas) e demora de 18 a 20 horas, incluindo alimentação.
O percurso, de barco, sai pelo Rio Negro, passa pelo Encontro das Águas, desemboca no Rio Amazonas e segue pelo Paraná do Ramos, Paraná do Urariá até chegar no Maués-Açu. (P.N.)
De um amor impossível, nasce a semente da paz
Romance acaba em tragédia, mas os 'olhos negros' da índia brotam da sepultura
Diz a lenda que Cereçaporanga, uma linda índia saterê-mawé de olhos negros, se apaixonou por um guerreiro mundurucu, da tribo rival. Cientes de que seu amor jamais seria aceito pelos pajés, os amantes resolvem fugir para longe.
Os chefes das duas tribos descobrem e saem atrás dos jovens.
Durante a perseguição, começa a cair uma tempestade e Cereçaporanga e o guerreiro mundurucu - escondidos sob uma árvore no meio da floresta - são atingidos por um raio e morrem na hora. Quando os pajés chegam ao local, os saterê dão início ao ritual de enterro para dar o último adeus à jovem dos olhos negros.
A tribo mundurucu carrega o corpo de seu guerreiro e planeja uma grande batalha. No meio da luta, os pajés pressentem que algo estranho está acontecendo e voltam ao túmulo onde Cereçaporanga fora sepultada. Ao chegar lá, eles encontraram uma fruta vermelha que, ao brotar, trazia de volta os lindos olhos negros da jovem índia. Era o guaraná, que trouxe a paz e matou a fome de toda tribo saterê.
A história é encenada todos os anos, num palco montado na praia, durante o Festival do Guaraná, que ocorre em novembro. (P.N.)

OESP, 24/02/2004, Viagem, p. V4-V6

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