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O Conama errou

OESP, Notas e Informações, p. A3
08 de Mar de 2006

O Conama errou

O preço do desrespeito às regras mínimas de proteção ambiental é ônus cada vez mais pesado que vai sendo suportado por sucessivas gerações, em termos de deterioração da qualidade de vida. Mas quando se "institucionaliza" esse desrespeito, por meio da "regularização" do que é irregular, adotando a costumeira política da legalização do "fato consumado", sob o argumento dos "prejuízos sociais" que causaria a reversão de determinadas situações ao devido enquadramento nas normas legais, o que se está é potencializando o desprezo à lei, a usurpação do patrimônio coletivo, a degradação ambiental e, em última instância, a adoção da lei das selvas.
Existem no Brasil as Áreas de Preservação Permanente (APPs), de conservação obrigatória, definidas a partir de critérios topográficos, hidrográficos e biológicos, que implicam proteção automática, independentemente de políticas específicas. Exemplos disso são as áreas de nascente ou olho d'água (fundamentais para a qualidade e o abastecimento de água), os manguezais (áreas de reprodução de vida marinha e proteção costeira), as restingas (áreas de influência das marés), as escarpas e bordas de chapadas (áreas de risco, vulneráveis à erosão), os topos de morros e montanhas (onde a vegetação é de importância fundamental para impedir deslizamentos e garantir a retenção da água), as encostas (com declive superior a 45 graus), as margens de rios, cursos d'água, lagos e represas (importantes para evitar assoreamento e contaminação da água), etc. A preservação dos mananciais é indispensável ao abastecimento de água potável para milhões de pessoas - para evitar os pesados custos da água captada a longas distâncias das cidades - assim como a preservação de encostas previne as grandes tragédias causadas pelos deslizamentos, durante as fortes chuvas.
Com o correr do tempo e o velho hábito de "regularizar", via anistia ou "alvará de conservação", as construções irregulares nas cidades, nas praias, junto aos rios, lagos e represas, chegou-se a ocupações "irreversíveis", predatórias do meio ambiente e da qualidade de vida, e acima de tudo estimuladoras permanentes da impunidade. É como naquele animado samba interpretado pela cantora Beth Carvalho, que diz: "Se o Brás é tesoureiro a gente acerta no final/ Se Deus é brasileiro a vida é um grande carnaval." É claro que o "otimismo" desses versos se aplica a muitos campos da vida nacional, notadamente a projetos megalômanos de governantes, em época eleitoral...
Mas isso são outros quinhentos. Importa aqui considerar, no campo do meio ambiente, o custo do estímulo à não obediência às leis - no que o tolerante "tesoureiro Brás" pode virar um grande inimigo de nossas futuras gerações.
Estas considerações nos vêm a propósito da aprovação, há dias, pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), depois de muita negociação, de resolução que regulamenta a ocupação e a utilização das APPs. Os pontos mais polêmicos incluem a legalização de atividades de mineração - considerando que grande parte das atividades de mineração do País é desenvolvida dentro de áreas de preservação, como beiras de rios e topos de morros - e a regularização fundiária de ocupações urbanas de baixa renda, em áreas que deveriam permanecer intocadas. Seria o caso das favelas erguidas à beira de represas e sobre morros. Como sempre, a "boa intenção" é apenas regularizar as atividades e ocupações consolidadas, sem abrir brechas para a degradação de novas áreas - como diz o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, Cláudio Langoni, esclarecendo: "Nosso papel foi disciplinar a situação de casos excepcionais, nos quais pode haver supressão da vegetação ou ocupação de áreas de preservação permanente." A lista de exceções inclui uma série de atividades que já são praticadas (ilegalmente) dentro das APPs, mas cuja ocupação não pode ser mais revertida, ou que trazem algum "benefício social".
São esses conceitos de "irreversibilidade" da situação ilegal e de "benefício social" que derive do desrespeito à lei que devem ser repudiados pela sociedade brasileira. E a questão inicial que inspira o tema é esta: como desestimular o desrespeito à lei, se este tem sido tão proveitoso aos que o praticam?

OESP, Notas e Informações, 08/03/2006, p. A3

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