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O berçário da floresta

Veja, Sustentabilidade, p. 110-111
13 de Abr de 2011

O berçário da floresta
O mais completo inventário já feito das sementes de plantas da Amazônia revela formas e texturas que reproduzem a imensa biodiversidade da região

Ricardo Westin

A biodiversidade da Amazônia é tão impressionante que tudo nela se conta aos milhares. A região tem 30% de todas as espécies vegetais conhecidas. Apenas de plantas com flores estima-se que haja 120 000 espécies. Dessas, as pesquisas conseguiram registrar e descrever, até hoje, apenas 40 000. Os botânicos, além de estudar as plantas em si, costumam também catalogar suas sementes, que, por si só, constituem um mundo à parte de formatos, cores, tamanhos e texturas. As sementes das plantas com flores da Amazônia acabam de ganhar o mais amplo inventário já feito a seu respeito, o livro Seeds of Amazonian Plants (Sementesde Plantas Amazônicas), publicado pela editora da Universidade Princeton. O livro, por enquanto disponível apenas em inglês, cataloga 750 espécies de famílias variadas de plantas, todas acompanhadas de fotografias que formam um belíssimo mosaico. Algumas das sementes são de plantas conhecidas por terem aplicações econômicas, como o açaí e o jacarandá. A maioria, porém, é conhecida apenas dos especialistas da flora amazônica e nem tem nome popular. Para elaborar a obra, ao longo de uma década o botânico peruano Fernando Cornejo e seu colega americano John Janovec, ambos do Instituto de Investigações Botânicas do Texas, fizeram uma dúzia de incursões pelas matas do Peru, na fronteira com o Brasil e a Bolívia, à procura de árvores, arbustos, cipós, orquídeas e vitórias-régias.

O livro de Cornejo e Janovec evidencia como, ao longo das eras, no continuo processo de evolução, as plantas foram dotadas de estratégias engenhosas para perpetuar suas espécies. Essas estratégias estão presentes, em grande parte, nas características anatômicas de suas sementes. Algumas ganharam uma película externa quase transparente e prolongada como um par de asas. Outras desenvolveram apêndices folhosos arranjados como as hélices de um helicóptero. As estruturas aerodinâmicas dessas sementes permitem que o vento as carregue para longe. Caso caíssem aos pés da planta-mãe, guiadas apenas pela força da gravidade, perderiama competição por espaço, luz, nutrientes e água. Há muitas outras estratégias, conforme mostram as fotografias do livro.

O guia descreve sementes escondidas dentro de tufos de pelo, sementes com a porosidade e a leveza das rolhas de cortiça, sementes rodeadas de pequenos espinhosque se agarram à pelagem de onças e macacos, sementes de um vermelho tão intenso que dão a impressão de serem frutas minúsculas. Todas essas formas têm uma função correspondente. Os tufos de algodão e a textura de rolha permitem que as sementes caiam nos rios e, sem afundar, sejam carregadas pela correnteza e depois germinem nas margens. Nas andanças floresta adentro, as onças e os macacos com a pelagem impregnada de sementes semelhantes a espinhos as soltam pelas trilhas. Os pássaros que foram iludidos e comeram as falsas frutas eliminam as sementes pelo sistema digestivo em outras partes da selva.

"Embora nossa compilação de sementes seja ampla, ainda há um mundo a ser descoberto", disse o autor John Janovec a VEJA. "Nosso livro contém uma pequena parte de uma coleção ampla e, em sua maioria, desconhecida", ele completa. Até os anos 80, várias expedições científicas estrangeiras, principalmente americanas, se embrenhavam pela Amazônia brasileira com o fi m de identificar a flora local. "Depois, surgiu o medo da biopirataria, uma verdadeira bioparanoia, e o Brasil dificultou demais a coleta de espécimes e a pesquisa", afirma Evandro Ferreira, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). "Os estrangeiros perderam o interesse de investir dinheiro em explorações e pesquisa na Amazônia brasileira", ele conclui. Dos anos 90 em diante, poucas espécies foram estudadas e catalogadas. No Brasil, os botânicos só conseguem verbas para pesquisas se a expedição buscar plantas que possam ser exploradas comercialmente - transformáveis em remédios ou alimentos, por exemplo. Isso é um erro. Inventários de plantas de grandes florestas são valiosos para campos tão distintos quanto a engenharia florestal, na recuperação de areas desmatadas, e a zoologia, na identificação do cardápio dos animais.

Veja, 13/04/2011, Sustentabilidade, p. 110-111

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