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Novo programa quer superar erros passados

FSP, Cotidiano, p.C4
25 de Jul de 2004

Novo programa quer superar erros passados
Foco em obras e praticamente nenhum trabalho de conscientização, educação ou mesmo de interação com a comunidade local. Ligações de esgoto feitas, mas não conectadas, via rede, com as estações de tratamento. Diminuição abrupta dos investimentos e da presença do poder público depois do fim do projeto. Falta de sintonia com demais iniciativas governamentais nas áreas atendidas.
Foram esses os pecados do Programa Guarapiranga, dos quais o Programa Mananciais terá de fugir se quiser ter o efeito esperado, diz Ricardo Araújo, coordenador-executivo do primeiro e coordenador pela Sabesp do segundo.
"O Guarapiranga foi um ensaio, com boa compreensão, mas só um ensaio", admite. A "estréia" do Programa Mananciais ainda é incerta, mas a previsão é que o financiamento da primeira fase saia no segundo semestre de 2005.
Serão US$ 342 milhões (R$ 1 bilhão) do Banco Mundial para ações nos seis primeiros anos, prioritariamente nas bacias das represas Guarapiranga e Billings.
A idéia é que o projeto tenha ao todo 18 anos, mas Araújo é o primeiro a dizer que há condições para que seja um sucesso de público e crítica. "Precisamos mudar nosso padrão de atuação nas áreas de mananciais, nosso relacionamento com as pessoas. Precisamos inovar", sustenta.
Dessa vez, há uma previsão de verba para convênios com ONGs tendo em vista projetos de educação ambiental, além do plano de integrar as ações de saneamento e preservação com as sociais, de geração de renda, saúde e culturais.
Enquanto as medidas estruturais previstas para os mananciais mais degradados não diferem muito do modelo do Programa Guarapiranga (urbanização de favelas e loteamentos), as regiões dos sistemas Cantareira e Alto Tietê, ainda numa condição melhor, poderão ter uma política de tolerância zero, diz Araújo.
"Nossa diretriz básica é melhorar a qualidade da água bruta [antes do tratamento], para postergar maiores investimentos nesse setor", diz. "Com o Guarapiranga só conseguimos manter a situação [da qualidade da água] numa estabilidade precária", completa.
Debates
Ainda neste semestre, um primeiro desenho do Programa Mananciais deve começar a ser discutido em audiências públicas, outra inovação em relação ao seu antecessor. A intenção é envolver todos os setores da sociedade, incluindo ONGs e a universidade.
"As pessoas costumam colocar muito peso sobre o poder público, mas esquecem que o problema é de todos", afirma Araújo.
Apesar das críticas e das autocríticas, o Programa Guarapiranga tem defensores que apontam ganhos importantes da iniciativa.
Araújo é um deles. "O programa criou um consenso em diversas esferas dos poderes públicos municipal e estadual sobre como atuar na questão das ocupações de mananciais. Mostrou que é preciso investimento e atenção permanentes nessas áreas, melhorou as condições de habitação de mais de 15 mil famílias , ajudou a conhecer melhor as condições da represa e melhorou o tratamento de água", enumera.
"Se não tivesse havido o Guarapiranga, é possível que já tivéssemos que estar recorrendo ao tratamento avançado da água", diz José Carlos Leitão, da Sabesp.
"Os investimentos do programa podem não ter sido suficientes, mas, antes dele, por causa da proliferação de algas, achava-se que se perderia a represa Guarapiranga, o que não ocorreu, diz Ana Lucia Ancona, da Prefeitura de São Paulo. "Estamos em 2004 e o custo de tratamento, embora alto, continua administrável", afirma.
Os argumentos convencem a todos. "O aumento contínuo nos gastos com tratamento mostra a falência do modelo do Programa Guarapiranga. Hoje ainda é possível comprar lotes irregulares na beira da represa por R$ 70, e os vetores de indução de ocupação, como o Rodoanel, continuam a ser implantados pelo poder público", afirma Mário Mantovani, da Fundação SOS Mata Atlântica.
Desconfiança une pobres e ricos
Ofélia Amaral, 47, mora em Moema, bairro nobre da zona sul de São Paulo. É empresária, tem dois filhos. Judite dos Anjos Silva, 28, mora numa favela no Jardim São Luís, extremo sul da cidade. Está desempregada há quase um ano, tem uma filha. Em comum ambas só têm a água da represa Guarapiranga e a desconfiança.
"É freqüente ter um cheiro muito forte, não sei bem de quê, mas até quando abro o chuveiro eu sinto. E me deixa enjoada. Não tenho coragem de beber", resume Amaral. "Eu vejo como os córregos aqui perto são sujos. Será que eles conseguem mesmo limpar isso? Não custa prevenir", diz Silva.
Custar, custa. O medo de beber a água da torneira, o que, segundo a Sabesp, é seguro, alimenta um mercado que vai dos filtros aos galões de água mineral , passando por purificadores e até uma assinatura, nos moldes da TV a cabo, para ter uma "água melhor".
Amaral conta gastar mais de R$ 20 por mês em garrafões de água mineral. Usa para beber e cozinhar. Silva tem um filtro tradicional, de pia, metade de barro, metade de plástico. Custou "uns R$ 20", há mais ou menos dois anos.
Isso tudo é dinheiro jogado fora, diz Teia Magalhães, 57, que confia cegamente na qualidade da água tratada pela Sabesp. "Me criei e criei minhas duas filhas com água da torneira." A opinião favorável não deve ser desprezada, afinal Magalhães é ambientalista e coordenadora-executiva da ONG Água e Vida.

FSP, 25/07/2004, p.C4

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