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Nova politica florestal na Amazonia

O Globo, Opiniao, p. 7
Autor: CAPOBIANCO, João Paulo Ribeiro.; AZEVEDO, Tasso Rezende de
19 de Ago de 2004

Nova política florestal na Amazônia

João Paulo R. Capobianco e Tasso Rezende de Azevedo

O Brasil possui a maior reserva de florestas tropicais e subtropicais do planeta, abrigando uma infinidade de animais, plantas e recursos genéticos, além de imensa quantidade de madeiras. No país, mais da metade dessas florestas está em terras públicas, pertencentes à União, a estados e municípios (na Amazônia, chegam a 75%). Parte desses estoques está em unidades de conservação e terras indígenas, mas a maioria se constitui de terras devolutas, sem regulamentação, tornando-se alvo de grilagem, ocupação ilegal, desmatamento e queimadas, trazendo sérios problemas ambientais, sociais e econômicos.
Para enfrentar e começar a mudar essa realidade e promover o manejo adequado das florestas, está em preparação pela Casa Civil da Presidência da República para envio ao Congresso Nacional o anteprojeto de lei sobre Gestão de Florestas Públicas. O anteprojeto tem como objetivo definir mecanismos de gestão das florestas localizadas em áreas de domínio público no Brasil.
A Constituição brasileira estabelece o papel do Estado como regulador e não protagonista da atividade econômica. Com exceção de alguns setores estratégicos e específicos como petróleo, o poder público não pode ser o gestor direto das atividades de produção. Como não existe regulamentação para a gestão das florestas públicas, o Brasil tem se apoiado no processo histórico, que se repete desde a época colonial, de privatizar as terras públicas, passando o bem público ao privado a partir de emissão de títulos e documentos de posse.
Em uma região como a amazônica, onde cerca de 47% das terras são públicas, esta lógica tem alimentado o processo de grilagem que se utiliza da violência para expulsar populações locais e do desmatamento como forma de gerar o fato consumado que justifique a posterior regularização fundiária na ótica da privatização.
Neste contexto, o governo federal resolveu enfrentar o desafio de propor uma alternativa que permita o acesso controlado e sob rígidos critérios ambientais, sociais e econômicos a áreas florestais, sem a perda do domínio público.
O anteprojeto em discussão é uma entre as 148 medidas que o governo federal está implementando no âmbito do Plano de Controle e Prevenção ao Desmatamento na Amazônia, elaborado por quatorze ministérios sob a coordenação da Casa Civil, e estabelece três formas de gestão das florestas públicas.
A primeira é a criação e a implementação de unidades de conservação de uso sustentável como as florestas nacionais. A segunda é a destinação para uso comunitário de forma não onerosa através da criação de assentamentos florestais, quilombolas e expansão das reservas extrativistas. A terceira modalidade prevista é a concessão para manejo florestal a ser realizada por concorrência pública com pagamento pelo uso da floresta.
Para a sua operacionalização o anteprojeto prevê que será realizado um plano anual de outorga com ampla consulta pública que definirá as áreas passíveis de concessão. Serão excluídas desta possibilidade as áreas de interesse para criação de unidades de conservação, as de interesse social, as de difícil acesso e as que apresentem limitantes naturais. Para cada lote passível de concessão será feito um edital de licitação que também passará por consulta pública. As concessões poderão ser para produção de madeira, produtos não madeireiros (óleos, resinas e frutos) além de serviços como turismo.
É fundamental destacar que o manejo florestal que está sendo preconizado nestas áreas implica, no caso de produção de madeira, a extração de 5 a 6 árvores por hectare (ou seja, menos de 3% dos indivíduos) a cada 30 anos. Portanto, algo totalmente diferente dos sistemas de corte raso de queima praticados na Amazônia e que têm contribuído para a expansão exorbitante das áreas desmatadas.
Estamos convictos de que o estabelecimento desse marco regulatório é essencial para assegurar o controle e a soberania sobre o nosso patrimônio florestal público e contribuirá de forma decisiva para o desenvolvimento sustentável da Amazônia, gerando benefícios socioeconômicos para a população que lá reside e receitas significativas e permanentes para o país.

João Paulo R. Capobianco é secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente. Tasso Rezende de Azevedo é diretor de Florestas do Ministério do Meio Ambiente

O Globo, 19/08/2004, Opinião, p. 7

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