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Nova corrida do ouro

O Globo, Amanhã, p. 26-27
09 de Out de 2012

Nova corrida do ouro

Cleide Carvalho
cleide.carvalho@sp.oglobo.com.br
Amelia Gonzalez
amelia@oglobo.com.br

No extremo Norte da Amazônia Legal, Roraima vive um período de euforia. Desde que o serviço geológico dos Estados Unidos apontou o Brasil como a nova fronteira global de terras raras e o Serviço Geológico do Brasil retomou as pesquisas minerais no estado, não se fala de outra coisa: Roraima abriga o conjunto de 17 elementos químicos considerados o "ouro do século XXI", usados pela indústria de alta tecnologia em produtos que vão de tablets a celulares.
- As três maiores jazidas no mundo estão nas áreas das serras Surucucu e Repartimento, em Roraima, e no Morro dos Seis Lagos, em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas.
São 3,5 bilhões de toneladas de minérios - entusiasma-se o deputado Édio Lopes (PMDB/RR).
Mas há um porém. Boa parte destas e dezenas de outras jazidas minerais do estado estão em terras indígenas (TIs), que ocupam 46,37% da área de Roraima. Pela Constituição de 1988, os índios detém o usufruto exclusivo das "riquezas do solo, dos rios e dos lagos" existentes nas terras tradicionalmente ocupadas, a não ser quando houver interesse público da União. A Constituição de 1988 atribuiu ao Congresso a competência de autorizar a exploração mineral e o uso de recursos hídricos em terras indígenas. No total, são 505 demarcadas, onde moram 517,4 mil índios e 78,9 mil não índios. Com 106,7 milhões de hectares, representam 12,5% do território brasileiro.
O assunto ficou em banho-maria por 24 anos. Cabe agora a Édio Lopes colocar o caldeirão para ferver. Relator da Comissão Especial formada para analisar a exploração de terras indígenas, ele finalizou o substitutivo ao Projeto de Lei 1610/96, do senador Romero Jucá (PSDB-RR). Publicado no site do deputado, o texto será apresentado na Comissão logo após o primeiro turno das eleições municipais. Se for aprovado, segue diretamente ao Senado, sem necessidade de votação na Câmara dos Deputados.
O substitutivo prevê, além da extração de metais, diamantes e gemas, também retirada de areia, rochas e até cascalhos, inclusive de dentro dos rios. Inclui ainda material para saibros e moirões, o que pode significar madeira. Rochas e minerais "in natura", pedras decorativas, destinados a artesanatos ou a apenas a "coleções" também entram na lista de permissões.
O texto diz que os índios serão ouvidos, mas o "sim" ou "não" deles não terá caráter decisivo. Quem vai decidir será uma Comissão Deliberativa na qual o Congresso Nacional terá quatro dos nove postos (dois deputados e dois senadores). O governo federal fica com três votos - da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Um representante do Conselho de Segurança Nacional será ouvido "quando for o caso" e, se manifestar interesse, o Ministério Público Federal também poderá participar.
- Não serão todos os índios que serão ouvidos, apenas as comunidades atingidas. Os índios tukanos e yanomamis são exploradores há muito tempo. Há intensa exploração de ouro de aluvião. É ouro, ouro mesmo, e eles dizem que retiram cinco quilos por mês. Como não podem vender no Brasil, vendem na Colômbia - denuncia o deputado.
Para Paulino Montejo, assessor da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Adib), o substitutivo é "uma jogada" para facilitar a extração mineral em terras indígenas sem preencher os critérios necessários e restringe os direitos dos povos indígenas.
- O movimento indígena não terá acesso a essa comissão. Estamos analisando e vamos nos posicionar oficialmente - diz ele.
Presidente da Comissão da qual Edio Lopes é relator, o deputado Padre Ton afirmou num discurso na Câmara que, sem regulamentação, grupos que atuam à margem da lei cooptam índios, extraem riquezas e as levam para o exterior sem contrapartida aos brasileiros, revelando a lacuna na fiscalização das terras indígenas.
- Fizemos uma audiência pública com mais de 400 líderes indígenas da região e ninguém levantou a mão contra. Vamos discutir com quem mora na floresta, não com quem vive sob holofotes da mídia - ressalta o deputado.
Os números do Censo mostram que negociar por comunidade torna a tarefa muito mais fácil. Quase 60% das TIs abrigam comunidades pequenas, de, no máximo, 500 pessoas, incluindo aí as crianças. Apenas 8,4% das terras indígenas têm mais de 3 mil índios.
Os dados do IBGE mostram que 33,4% dos indígenas com 15 anos ou mais, moradores de áreas rurais, são analfabetos e 65,7% não têm qualquer rendimento.
Em troca das lavras, os índios receberão uma taxa pela área ocupada pela mineração, uma espécie de aluguel cujo valor mínimo foi previsto em R$ 300 por hectare, e terão direito a royalties equivalentes a 2% do faturamento bruto da área minerada. As comunidades indígenas, porém, só poderão administrar e usar de imediato 20% dos recursos. O restante terá de ser aplicado: 50% em fundos de investimento de médio e longo prazos e 30% serão destinados à constituição de fundo de investimentos de longo prazo, a ser utilizado apenas após a exaustão das jazidas minerais, e cuja administração será compartilhada pela Funai e representantes das comunidades indígenas afetadas.
As obras de infraestrutura necessárias à mineração, como estradas, moradias, linhas de comunicação, captação de água, energia elétrica e condutos de ventilação poderão ser feitas desde a fase de pesquisa. Também é permitido o bota-fora do material desmontado e dos refugos do engenho dentro das TIs, sem especificar como serão administrados.
Sobre a possibilidade de o Ibama negar o licenciamento ambiental para proteger a biodiversidade da área, Lopes afirma que a extração mineral causa tão baixo impacto ambiental que "não vale a pena essa discussão".
E completa:
- Mesmo que todos sejam contrários, é o Congresso que vai decidir.
De acordo com o substitutivo, os 9.876 pedidos de pesquisa em terras indígenas acumulados no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) irão para o lixo e os projetos de mineração terão de ser aprovados um a um pelos parlamentares.
- A indústria de mineração não faz a mínima intenção de entrar nas terras indígenas.
Quem quer é garimpeiro. Há risco de ter problema e nenhuma grande empresa quer colocar sua marca. Ninguém sabe o que tem dentro.
Só os ambientalistas é que acham que está cheio de minérios - diz Elmer Prata Salomão, da Associação Brasileira de Pesquisa Mineral (ABPM).
Lopes diz que os waimiri-atroari têm mineração de cassiterita na sua porta e que o minério escoa por dentro da Terra Indígena.
Para que o transporte aconteça, afirma, eles recebem R$ 164 mil por mês da mineradora e têm, assim, uma renda. Segundo denúncia do indigenista Egydio Schwade, os waimiri-atroari foram dizimados durante a construção da BR-174, que liga Manaus a Boa Vista, nos anos 70. Contrários à abertura da estrada, mais de 2 mil teriam sumido. A Comissão Nacional da Verdade investigará a história.

O Globo, 09/10/2012, Amanhã, p. 26-27

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