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Norte-Sul sai atrás de carga para fazer ferrovia render

FSP, Mercado, p. A24-A25
01 de Out de 2017

Norte-Sul sai atrás de carga para fazer ferrovia render

ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
ENVIADA ESPECIAL A PORTO NACIONAL (TO) E SÃO LUÍS (MA)

O cenário é de primeiro mundo. Na tela da sala refrigerada surge a imagem de dois vagões. Um clique, e comportas se abrem para despejar 100 toneladas de grão em cada um deles. Em sete minutos.
Sem manobras ou montagem, a composição de 80 vagões fica pronta para partir em 6 horas -um trabalho que antes levava cinco dias.
Locomotivas novas com potência de 4.400 cavalos (quatro vezes a de uma Ferrari na Fórmula 1) percorrem linhas de bitola larga (1,6 m entre a parte interna dos trilhos, o que permite levar até 30% mais carga) e chegam em três dias ao porto final.
No trecho hoje em operação da ferrovia Norte-Sul, quase nada lembra os 30 anos de fraude em licitações, superfaturamento, atrasos, desperdício e abandono.
A falta de planejamento, no entanto, ainda faz com que a via, considerada a espinha dorsal do transporte de cargas no Brasil, não funcione como deveria. Mas, agora, por excesso de capacidade.
Com estrutura pronta para até 9 milhões de toneladas por ano, ela tem conseguido explorar cerca da metade desse potencial: não há vias que levem a soja e o milho das principais regiões produtoras até a linha férrea.
Além do investimento subutilizado da VLI, o país como um todo perde receitas.
Sem conseguir exportar pelos portos do norte do país, o Mato Grosso (líder no país com 30% dos grãos colhidos) precisa mandar a produção para o Sul e o Sudeste, a um custo muito mais alto.
Com base nos últimos dados disponíveis de origem/destino das exportações (de 2015), o especialista Luiz Antonio Fayet, consultor da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), estima que Mato Grosso gasta com transporte até US$ 40 a mais por tonelada de soja que vende a US$ 400.
Por ano, a diferença supera US$ 1,2 bilhão, e a tendência é de alta: dentre os três líderes globais (Brasil, Estados Unidos e Argentina), só os brasileiros ainda têm como ampliar fronteiras agrícolas.
Atual líder na soja e vice-líder no milho, o país pode fazer isso sem desmatar, segundo Gustavo Spadotti Castro, analista do Grupo de Inteligência Territorial Estratégica (Gite), da Embrapa. São três possibilidades simultâneas: elevar a produtividade com tecnologia, tirar mais safras por ano e ocupar áreas hoje degradadas por pastagens.
Nesse terceiro item, dar vazão à ferrovia Norte Sul é fundamental: cortar o custo de transporte torna viável ocupar áreas menos férteis do Centro Oeste brasileiro.
Em Tocantins, principal área de influência da ferrovia, há cerca de 5.000 km² de pastagens degradadas (pouco menos que a área do Distrito Federal) que poderiam ser usadas para o plantio.
Nos cálculos de Spadotti, resolver o gargalo logístico elevaria em 35% a produtividade do agronegócio brasileiro. "É o dobro do que seria obtido se fossem implementadas todas as tecnologias já desenvolvidas pela Embrapa e ainda não usadas."
A pedido do governo, o Gite desenhou as rotas economicamente mais eficientes para escoar a produção agrícola nacional nas chamadas "bacias logísticas", que funcionam como se fossem bacias hidrográficas.
Também elencou oito obras prioritárias para desviar para o norte o volume de produção que deveria estar sendo exportado por lá. Dentre elas está a BR-080, vista como fundamental para fazer chegar grãos do leste do Mato Grosso até a Norte-Sul.
Faltam cerca de 200 km de estrada (mais ou menos como ir de São Paulo a Ilha Bela, no litoral norte), entre as cidades de Ribeirão Cascalheira (MT) e Luiz Alves (GO), e uma ponte sobre o rio Araguaia para que a estrada chegue ao trecho central da ferrovia, cujas linhas férreas estão prontas (o leilão é previsto para fevereiro ).
A construção é uma das prioridades do movimento Pró Logística, que reúne várias associações de produtores e é presidida pela Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja).
Hoje, essa produção vai até São Simão (GO) e de lá ao porto de Santos, ou segue até Araguari (MG) onde embarca num trem para Vitória (ES) e de lá vai a Santos. A nova rota reduziria o custo em 30%, diz o presidente da Aprosoja, Endrigo Dalcin.
Mas a rodovia ainda não tem as licenças ambiental e indígena e não há estimativa de prazo nem de custo. Ainda assim, é a opção mais viável para otimizar a Norte Sul no médio prazo.
A Fico, ferrovia projetada para fazer a conexão da Norte Sul com Lucas do Rio Verde (no centro da produção mato-grossense), não ficaria pronta em menos de 15 anos.
Mesmo a priorização dessas oito obras pode não ser suficiente, alerta Spadotti: "O Brasil tem atingido projeções muito antes do que esperavam as mais otimistas das expectativas", diz.
Nas estimativas da Embrapa, resolvidos os gargalos de acesso, outro já terá se formado: os portos precisarão se preparar para aumentar sua capacidade em cerca de 15 milhões de toneladas, para dar vazão ao volume de exportações.
Enquanto isso, a VLI procura alternativas próprias para "suar os ativos" que ligam Porto Nacional (TO) ao porto de Itaqui, em São Luís (MA) e consumiram R$ 1,7 bilhão em investimentos e, desde 2014, escoaram 11,7 milhões de toneladas de grãos.
"A infraestrutura chegou primeiro, e agora é preciso fomentar a carga", diz Fabiano Lorenzi, diretor comercial e de novos negócios da companhia.
Um eixo foi a travessia de caminhões por balsa em Caseara, que começou a funcionar em abril deste ano.
Viagens que levavam 20 horas passaram a levar duas, e cerca de 1.200 bi-trens já pegaram a barcaça para chegar à ferrovia, elevando em até 7% o volume recebido do leste e nordeste do Mato Grosso e do sul do Pará.
A empresa também faz "road shows" para atrair produtores até as proximidades da ferrovia. Um exemplo é a cooperativa Frísia (ex-Batavo), que em maio do ano passado decidiu abrir sua primeira unidade fora do Paraná, em Paraíso de Tocantins.
A expansão era necessária, diz Emerson Moura, superintendente da Frísia, porque não havia mais terrenos suficientes para absorver as novas gerações de cooperados. Três fatores embasaram a escolha por Tocantins: a logística (a presença da ferrovia e a posição central no país), o valor da terra (mais baixo que em outras regiões produtoras) e a fraca tradição cooperativista (que garantia boa oportunidade de negócios).
Desde então, mais de 30 cooperados se instalaram na região, ocupando 18 mil hectares e produzindo 54 mil toneladas de grãos.
O plano era chegar a 50 mil hectares em cinco anos, mas as expectativas foram superadas e a Frísia já decidiu duplicar sua unidade de armazenamento.
O agronegócio representa hoje 54% da receita da VLI, que planeja completar em 2019 seu plano de investimentos de R$ 9 bilhões. No eixo Norte-Sul, os grãos representam 70% do volume transportado.

Novos portos são pouco para alta dos embarques

ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
ENVIADA ESPECIAL A PORTO NACIONAL (TO) E SÃO LUÍS (MA)

Mesmo com novos portos e recordes sucessivos de embarque na região mais ao norte do país, o Brasil pode levar até 20 anos para atender à demanda por terminais de exportação, afirma o consultor Luiz Antonio Fayet.
Em 2014, o deficit de capacidade de embarque foi de 64 milhões de toneladas: 800 mil navios graneleiros carregados, o equivalente ao volume de soja que o Brasil já mandou para fora de janeiro a agosto deste ano.
A estrutura cresceu desde então, mas zerar o gargalo passado já não é suficiente. A demanda por grãos cresce de 3 milhões a 5 milhões por ano, quantidade que precisa ser incluída nas projeções.
Nos cálculos da Embrapa, se forem concluídas até 2025 as oito obras prioritárias para otimizar a saída de grãos, haverá um deficit de capacidade de embarque de cerca de 15 milhões de toneladas na região norte, que inclui os portos de Itacoatiara/Manaus (MA), Santarém e Belém/Barcarena (PA), Santana (AP) e São Luís (MA).
O problema só não é maior, diz ele, porque aumentar a capacidade de exportação dos portos é mais fácil que otimizar o escoamento das zonas produtoras até lá.
"Para o porto, se há demanda, o retorno é garantido e o investimento é muito mais fácil", afirma o analista da Embrapa Gustavo Spadotti.
Em São Luís, onde desemboca o corredor ferroviário de 1.300 km operado pela VLI, a companhia tem duas opreações, o TPSL (Terminal Portuário São Luís), na área privada da Vale, e um berço (área em que o navio atraca) na área pública do Tegram.
O sistema precisa ficar todo conectado para que possa aproveitar imediatamente novas oportunidades de demanda, diz o diretor de novos negócios, Fabiano Lorenzi.
Em 2016, foram 3 milhões de toneladas de grãos embarcadas. Neste ano, antes do final da safra, a ferrovia já despejou em Itaqui 3,8 milhões de toneladas de soja e 550 mil toneladas de milho, cuja safra está só começando.
A VLI, formada em 2014 por Vale (30%), Mitsui (20%), FI-FGTS (16%) e Brookfield (20%), consegue embarcar em seus terminais entre 4,5 milhões e 5 milhões toneladas de grãos por mês -o equivalente a 16 navios cheios.
No Tegram como um todo, o embarque de grãos já bateu 5 milhões de toneladas em junho, relata Ted Lago, presidente da Emap, empresa pública maranhense que administra o porto de Itaqui.
O ano deve fechar com recorde de 7 milhões e a capacidade do terminal deve dobrar para 14 milhões de toneladas em 2019, quando estiver concluída a fase 2.
Em 2021, um novo acesso ferroviário deverá receber 20 milhões de toneladas, com novos terminais para celulose, fertilizantes e para o embarque de contêineres.
O movimento acontece também de fora para dentro do país. De São Luís as mesmas ferrovias e estradas que trazem soja levam combustível para sete Estados do Nordeste e do Centro Oeste.
Os planos são aproveitar as rotas de volta com fertilizantes, impulsionados pela expansão da área plantada.
Os balanços da Emap registram lucros anuais de R$ 43 milhões em 2016. Neste ano, no acumulado até agosto, a margem Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) foi 43%, um dado que mostra alta capacidade de investimento com recursos próprios.
A estratégia da empresa pública é aproveitar os recursos trazidos pela exportação de grãos para sofisticar a cadeia de produção de alimentos no Maranhão, atraindo frigoríficos, abatedouros e indústrias de alimentos.
Segundo Ted Lago, o objetivo é desenvolver o Estado como grande produtor de proteína. "Se fôssemos olhar só para o retorno do acionista, provavelmente não investiríamos em um terminal refrigerado para contêineres. Mas para uma empresa pública isso faz sentido."
O fluxo de milho e soja (que alimentam os animais) e a estrutura do porto já atraíram para o Estado produtores de frango, suínos e lácteos, como os grupos Piracanjuba, Frango Americano, Notaro (Frango Natto), Ceará Alimentos e Agronor.
O próximo passo será a produção de camarão, segundo o secretário de Agricultura, Márcio Honaiser.
O Estado, que tem 70% de sua costa propícia à criação do crustáceo, vai receber um projeto do grupo Bomar que usa menos animais por área, o que leva a menos doenças, custo mais baixo e produtos mais competitivos.
Segundo Honaiser, o porto de Itaqui deve começar a exportar carne processada vindo de Goiás e Tocantins, o que pode servir de estímulo para a bovinocultura e a indústria de carne também em território maranhense.
O Estado tem o segundo rebanho nordestino, mas os bois são apenas criados no Maranhão e depois enviados para o Pará para a engorda. A meta é verticalizar: criar, engordar, abater e industrializar. E exportar por Itaqui.
Mais difícil deve ser desenvolver a cadeia de fruticultura, um dos calcanhares de Aquiles do Maranhão. Na visita a São Luís, a Folha ouviu de uma dezena de pessoas, de taxistas a executivos, a frustração com o fato de que o Estado "importa" vegetais de vizinhos muito mais secos, como o Rio Grande no Norte.
Regularização fundiária e recuperação da infraestrutura, porém, ainda devem atrasar o dia em que o Maranhão vai colher as próprias frutas que plantar, segundo o secretário da Agricultura.
Mas o presidente da Emap já faz cálculos para esse dia. "A carga mais valiosa que embarca em Itaqui hoje o cobre: a tonelada custa US$ 4.700. Sabe quanto custa uma tonelada de castanha de caju? US$ 5.000", diz Ted Lago, imaginando o dia em que embarcará contêineres do produto.

FSP, 01/10/2017, Mercado, p. A24-A25

http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/10/1922998-norte-sul-tenta-fa…

http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/10/1923074-saida-de-graos-pel…

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