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Nomes das cidades têm três tipos de origem

JCNET jcnet.com.br
02 de Jul de 2017

Para entender a origem e o significado dos nomes das cidades paulistas é preciso levar em conta três elementos essenciais: a influência indígena, a relação entre poder público e igreja católica, desde a formação do Brasil e a identificação do doador das terras, ou fundador da vila que, no tempo, foi emancipada. No livro "O significado dos nomes dos 645 municípios paulistas, lançado em 2004, o jornalista e artista plástico Enio Squeff, em coautoria com Helder Perri Ferreira, pesquisou o processo de nomeação das cidades no Estado de São Paulo e os significados.

Em recente exposição em Campos do Jordão, coordenada pelo Museu da Língua Portuguesa, painéis em aquarela de Enio Squeff faziam alusão aos nomes. No trabalho, o jornalista sustenta que 1/3 dos nomes têm influência indígena, pouco mais de 40 levam na identificação a pessoa de alguma personalidade histórica e 59 trazem nomes de santos da Igreja Católica. O restante, em menor quantidade, é formado pelo doador da terra que, regra geral, também foi o 'desbravador' que atuou no processo de fundação, do povoado até a emancipação político-administrativa.

Ao tratar dos topônimos, ou seja a origem do nome de um lugar geográfico, os três elementos sempre são levados em conta por memorialistas e historiadores. Os levantamentos levam em conta, ainda, como se deu a formação dos povoados, a incidência de vetores específicos de ocupação para cada localidade - por exemplo a relação direta entre topônimos e a etnia indígena prevalente no local, a relação existente entre nomes e a instalação da ferrovia no Interior - e os movimentos de exploração e de ocupação de acordo com a época (ciclo do ouro pelos Bandeirantes, criação de paróquias, etc).

De qualquer forma, a grande influência das línguas indígenas, a fé católica - onde santos de devoção viram nomes de cidades - e os personagens e as homenagens formam o tripé elementar dos nomes das cidades paulistas.

Mas, apesar dos estudos, ainda restam cidades onde não é consenso o significado que a relaciona com a origem. Também há controvérsias. E resistem nominações que ainda são consideradas como não explicadas, como Taubaté (SP), exemplifica o jornalista Enio Squeff.

Parte do conteúdo controverso é admitido pelo processo natural de consolidação da língua ao longo da formação das vilas brasileiras. É muito comum nos topônimos a existência de nomes formados a partir da aglomeração de vocábulos. Nem sempre a grafia determinada para os nomes traduz o que falava a língua da etnia indígena do então povoado.

A confusão entre o fonema e o real significado da palavra falada pela etnia indígena de cada canto e a influência do repertório linguístico da colônia geraram, na forma escrita, palavras que juntaram letras e sílabas com resultado diferente da fala.

Desta forma, como o modo oral de se comunicar pelas inúmeras etnias deu-se, fundamentalmente, por tradição oral, a "tradução" ou apreensão pela língua portuguesa, em vários casos, não foi coerente.

Ou seja, a mistura no tempo e no espaço no território brasileiro gerou 'misturas'. Por isso existem lacunas até hoje na identificação de significados. Além disso, existem termos que não foram catalogados por dicionários. E outros se perderam.

Mas, afinal, você sabe a origem e o significado do nome de sua cidade?

NOMES CARREGAM MARCA DA OCUPAÇÃO

A origem dos nomes dos municípios paulistas, livro assinado por Enio Squeff e Helder Perri Ferreira lançado em 2004, vai além do mapeamento das denominações dos 645 municípios. Mais de 13 anos depois, Enio recorda que a pesquisa guarda todas as dificuldades próprias da natureza da interpretação de palavras cuja grafia sofre a intervenção do colonizador. "Usamos muito das informações fornecidas pelas próprias prefeituras. Afinal, a memória local tem de ser resguardada por seus cidadãos, em cada povoado", defende. De qualquer modo, a forma de ocupação é o vetor que determina a relação com os nomes.

Jornalista, pesquisador nato, Enio pavimenta que a grafia leva em conta a etimologia de cada palavra. Mas a pulverização de etnias, a relação com o homem branco em cada tempo histórico e os conteúdos peculiares de cada ocupação (a ferrovia na região Noroeste, por exemplo, como marco) e a característica da palavra falada indígena - que tem como elemento essencial a aglutinação de letras, sílabas, vocábulos), criaram "mutações" nos nomes. "No caso dos paulistas, a trajetória dos Bandeirantes fizeram total diferença por onde eles passaram. Mas os Bandeirantes também aceitaram nomes sugeridos ou vindos do contato com índios em muitos casos. Ou seja, cada nome da antiga vila, ou do município, sofre uma influência. E a ocupação determina essa situação. A relação com a forma do avanço da colonização, a influência do período da República para muitos lugares, da ferrovia em outros", complementa.

E, como toda pesquisa dessa natureza, cada mergulho em uma palavra poderia significar encruzilhadas na descoberta, ou não, dos significados. Até hoje há inconsistências para a denominação de Taubaté. E tem inúmeros exemplos. Eu levantei que para Chavantes há uma tese que liga a uma chave e que a fala originária seria algo como Chaviantes. Mas o Helder Perri, coautor do livro comigo, aventou que isso vinha de uma etnia com um vocábulo separado do outro que levaria a outra coisa.

NO TEMPO

Controvérsias a parte, positivas ou falsas polêmicas em outra porção, o jornalista Enio Squeff compreende a existência de variáveis. "A etnia guarani e tupi percorre a história em quase toda a América Latina. E em cada lugar isso traz um ingrediente diferente. Existem críticos de denominações por não levarem em conta o elemento que levou a nome no tempo em que ele ocorreu. Em vários nomes essa relação não existe mais hoje, mas existiu", comenta.

O 'i' serve como exemplo para falar das variáveis, aponta Squeff. "I é rio. Mas tem nome que tem o 'i' como sufixo e em outros é prefixo 'i'. Iperó é rio profundo (peró). Mas em Jacareí é porque na região havia jacaré no tempo da denominação. Mas hoje não existe mais há muito tempo. Não sou tupinólogo, mas ficou claro que é preciso levar em conta a questão da etnia, da língua, e da característica específica da ocupação daquele lugar", reforça.

NO RITO DO TRILHO

O arquiteto Nilson Ghirardello aponta, em extenso estudo que originou publicação junto à Unesp Bauru, a correlação entre ocupação e o desbravamento do sertão pelas ferrovias.

Sob outro aspecto, ele lembra que "o nome original das cidades também tinha ligação com acidentes geográficos unidos ao nome de um santo ou santa. Eram os patrimônios religiosos".

O jornalista Luiz Paulo Césari complementa que as cidades que foram cortadas pelo ramal ferroviário também tiveram de mudar de nome por causa da sequência alfabética utilizada. "A partir de Piratininga isso aconteceu aqui em nossa região. Existiam apenas pequenas vilas ao longo do trecho de centenas de quilômetros. E a chegada da rodovia gerava a mudança dos nomes, por ordem alfabética. O Distrito de Mirante virou Cabrália, depois acrescido de Paulista para diferenciar de nome igual em outro Estado. São José das Antas é hoje Duartina", lembra. Garça, Gália e inúmeras outras seguiram o mesmo processo.

VARIAÇÃO SEM LIMITES

Perguntado sobre Bauru, Squeff lançou: "Bauru é seguramente cesto de frutas". Porém, confirmada a tese de múltiplas variáveis no universo da pesquisa de topônimos, outras versões foram publicadas. Em publicação a respeito, o jornalista Correia das Neves lembrou que João Mendes de Almeida apontou Bauru como "corruptela de 'mbai-yúrú', com gargantas e redemoinhos (cachoeiras). Já o frei Francisco dos Prazeres dá ao vocábulo a tradução de cesto de frutas, sendo ýbá (fruta) e urú (cesta).

Ismael Marinho Falcão, engenheiro da ferrovia que fez Bauru crescer, a partir de 1905, escreveu sobre suas andanças pelo sertão da região Noroeste e o contato com os índios. Da pesquisa do vocábulo que ouviu dos índios e os estudos que ele, Marinho, fez, levantou: "Ubá é uma planta herbácea, também chamada como brava, utilizada na confecção de cestos. E uru é uma ave rasteira da família das galináceas. Ambos, a planta e a ave, eram abundantes em todo o vale do rio Bauru e cercanias. Os índios referiam-se a ubauru". A ave usaria, na visão de Marinho, a planta como esconderijo ao inimigo.

Existem outros escritos com outras versões, fato comum na abordagem do nome das cidades, apontam os tupinólogos. A "polêmica" é nula quando o nome é do próprio doador das terras, ou fundador, ou em homenagens, como Bernardino de Campos, por exemplo.

EXEMPLOS SE REPETEM

A partir do exemplo de Avaré, o jornalista Gesiel Júnior demonstra que o desconhecimento sobre origem e significado afunda à medida da falta de noção básica sobre a língua indígena.

"Muitos dos que vivem na Estância Turística de Avaré ainda desconhecem a origem e os sentidos dessa palavra oriunda da família linguística tupi-guarani. A propósito, das 5.570 cidades brasileiras, 1770 (32%) possuem nomes de procedência indígena. Importa é a busca por conhecer, mediante persistente pesquisa, a origem dos topônimos da nossa cultura nativa", sugere.

A expressão grafada como Avaré, Abaré, Baré e até Abaruna, segundo variação fonética, é derivada do tupi awa'ré, menciona. Significa "pessoa amiga de roupa preta", neste caso, o padre que traja batina escura, continua Geisel.

Mas "gente diferente" é outra interpretação dada por linguistas, conceito que também serve aos missionários jesuítas, a quem coube a catequese dos aborígenes.

FORA DO CONJUNTO

Nos estudos do pesquisador José Leandro Franzolin, a expressão Avaré ou sua variante Abaré pode ser entendida como "fora do conjunto" e se aplica especialmente ao rio, cuja nascente brotou além dos limites da Serra de Botucatu, enquanto os outros, caso do Rio Pardo, nascem na cordilheira.

Abaré, aliás, é o nome de pequeno município da Bahia, banhado pelo Rio São Francisco, na divisa com Pernambuco. Também lá, no começo do século XIX, os nativos chamavam de abaré (homem de batina) aos padres que passavam em missão pelo agreste.

AGLUTINAÇÃO

Para o público leigo a gigantesca distância da compreensão dos troncos linguísticos, do tupi guarani e de inúmeras variantes, dificultam ainda mais a compreensão do significado dos nomes dos municípios. O memorialista João Figueiroa, de Botucatu (SP), é um dos muitos pesquisadores que ressalva esse entendimento como primordial para justificar a dificuldade na interpretação fiel dos nomes dados às cidades.

Tendo como exemplo sua cidade, Figueiroa, autor do livro recém lançado "A boca do sertão", lança: "Temos do tupi o topônimo 'Ybytucatu' na origem do nome Botucatu. A questão é que é preciso saber que a língua tupi trabalha por aglutinação. E esse mecanismo da língua agrega novos conceitos ao termo inicial. Sem levar isso em conta é um mergulho no escuro".

Prosseguindo, ele pontua que 'yby' está relacionado a terra. "Mas isso já é uma conjunção de dois vocábulos. Porque 'y' tinha muito uso sozinho. Já 'tu' referia-se a tombo, mas no sentido de batida do vento sobre a terra. E 'catu' é que diz respeito a vento. Tudo aglutinado leva a bons ares, significado aceito aqui pra Botucatu. Mas é um bom exemplo de como é preciso pensar cada parte da palavra hoje em sua origem de uso, pelo índio, observar como isso foi 'traduzido' pelo colonizador ou ocupante da terra nessa região e observar a aglutinação", amplia Figueiroa. É interpretação a partir de fonemas que foram juntados.

Esse princípio de aglutinação permeou a definição para o nome não só de boa parte dos municípios, o que significa a identificação de um terço dos nomes das cidades paulistas, como de praças e, inclusive, expressões que ainda permanecem no uso do caipira, do homem do campo genuíno. A tradição oral, predominante na língua falada indígena, exerceu influência sobre a escrita. Em muitas localidades houve mistura entre o que os portugueses ouviam ou conseguiam interpretar no contato com os índios e a forma própria como o próprio colonizador "traduzia" o vocábulo, com a pitada do lusitano na mistura.

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