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No vácuo político, coube à sociedade civil pressionar EUA contra acordo com Bolsonaro

FSP - https://www1.folha.uol.com.br/colunas/mathias-alencastro
Autor: ALENCASTRO, Mathias
18 de Abr de 2021

No vácuo político, coube à sociedade civil pressionar EUA contra acordo com Bolsonaro
Novos movimentos entendem estar diante de inovação organizacional que se instalará a longo prazo

Mathias Alencastro
Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e doutor em ciência política pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
18/04/2021

O desejo da administração Biden em fechar um acordo com o governo brasileiro na Cúpula do Clima não deve ser subestimado. O presidente americano quer mostrar que sua capacidade de atingir resultados rapidamente não se limita à política doméstica. John Kerry, que ambiciona entrar na história como o primeiro diplomata do clima da humanidade, quer colher troféus. O embaixador americano em Brasília, Todd Chapman, faz de tudo para não desiludir Bolsonaro, com quem partilhou inúmeros churrascos.

Todos esses atores, começando por Kerry, ex-secretário de Estado dos EUA durante a gestão de Barack Obama, parecem pouco impressionados com a mistura de incompetência e truculência que caracteriza o governo brasileiro. Para quem negociou anos com iranianos e norte-coreanos, os embates com Ricardo Salles trazem de volta memórias do parquinho infantil.
Os Estados Unidos também não precisam se preocupar com a oposição dos grandes partidos brasileiros. Quase todos optaram pelo silêncio, por duas razões lamentáveis: o temor de serem apresentados como sabotadores dos interesses econômicos nacionais e a incapacidade crônica de incorporarem a nova geopolítica do clima em sua agenda programática.

Coube à sociedade civil brasileira a missão de pressionar os Estados Unidos contra um acordo com um governo que todos consideram irresponsável e perigoso. Ela foi muito além das ações de alta visibilidade, como os vídeos endossados por estrelas de Hollywood e as campanhas nas redes sociais. Movimentos sociais e ativistas também se envolveram numa intensa articulação nos corredores de Washington.
O próprio Kerry constatou essa demonstração de força ao citar a sociedade civil, junto com os povos indígenas, na sua mensagem ao governo Bolsonaro antes da cimeira.

Obrigada a se reinventar diante do declínio dos sindicatos e das formações partidárias, a sociedade civil viu na mobilização em torno da defesa da Amazônia uma oportunidade para ampliar a sua atuação internacional. Liderada por uma geração mais cosmopolita e presente nas redes sociais, encontrou em Washington interlocutores engajados. Visivelmente, a administração Biden trocou os tecnocratas sisudos de Obama por uma tropa de jovens hiperpolitizados.
Independentemente do resultado final, a dinâmica das últimas semanas mostra que a sociedade civil terá um papel central nos próximos embates internacionais de Bolsonaro. Em junho, ela vai pautar os debates sobre a lei que veta a importação de produtos ligados ao desmatamento no Parlamento Europeu e, em novembro, estará onipresente na COP26 para contestar a narrativa oficial do governo brasileiro.

Indomáveis, esses novos movimentos parecem avessos à recuperação política. Eles entendem que não estão diante de um arranjo emergencial, mas de uma inovação organizacional que vai se instalar a longo prazo. A cooperação transnacional da Amazônia emancipou-se da administração federal, num momento em que ela assume preponderância global. Estimulada pela resistência ao bolsonarismo, uma revolução está eclodindo na política ambiental brasileira.

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