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Nas usinas do Rio Madeira, 80 cm de discórdia

O Globo, Economia, p. 35
11 de Set de 2016

Nas usinas do Rio Madeira, 80 cm de discórdia
Mudança bilionária no reservatório de Santo Antônio coloca em lados opostos moradores e empresa
"É um acúmulo de puxadinhos, sobrepondo uma série de riscos" João Dutra Coordenador do Movimento por Atingidos por Barragens

DANILO FARIELLO
danilo.fariello@bsb.oglobo.com.br

Uma faixa exposta no mês passado em Jaci-Paraná, distrito a cerca de 90 quilômetros de Porto Velho, Rondônia, resume as divergências entre os moradores e a Hidrelétrica de Santo Antônio: "A população de Jaci-Paraná é contra o aumento do reservatório sem antes resolver os problemas atuais". No centro da polêmica, está uma proposta de aumento da profundidade da usina, no Rio Madeira, em 80 centímetros (cm), uma alteração que pode parecer pequena, mas que inclui investimento bilionário e a possibilidade de elevar o potencial de geração de energia de Santo Antônio em 19%.
Um protesto impediu a realização de audiência pública para tratar da mudança na profundidade do reservatório. O evento havia sido marcado em razão de um parecer do Ibama de julho, que indicou que a mudança requer uma série de providências antes de ser confirmada pelo órgão ambiental. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) já deu aval a um investimento de R$ 2 bilhões executado pela Santo Antônio Energia (SAE) - o montante equivale a 10% do valor total da usina, de R$ 19,8 bilhões - para instalar seis novas turbinas a fim de aumentar a geração de energia.
CHINESES QUEREM FATIA DA USINA
O pedido de mudança da profundidade do reservatório de 70,5 metros para 71,3 metros foi feito em 2011 para aumentar a receita da usina. Na época do leilão, a previsão era que a profundidade fosse de 70 metros, mas uma primeira mudança já foi aprovada em 2007.
Com a nova proposta de mudança, o ganho de potência da usina será de 417,6 MW, ou 19% da potência de atual. O investimento extra valorizará a usina, que tem atraído interessados em assumir partes dos atuais sócios.
Duas empresas chinesas apresentaram propostas recentes para adquirir parte da usina, cujos sócios são Furnas, Odebrecht Energia, Caixa FIP Amazônia Energia, Andrade Gutierrez e Cemig. Segundo fontes a par do assunto, há ao menos uma outra companhia disputando parte de Santo Antônio, embora as negociações ainda tenham de amadurecer. A gestora canadense Brookfield é apontada como outra interessada.
PROBLEMAS AMBIENTAIS
A mudança de 80 centímetros no projeto elevará a área alagada em 16,9%, afetando propriedades rurais e urbanas e unidades de conservação. Moradores da região de Jaci-Paraná e Porto Velho e organizações não governamentais reclamam que o empreendedor ainda não teria arcado com todas as responsabilidades previstas no licenciamento ambiental original da usina, de 2011, e já quer elevar seu impacto socioambiental.
Segundo João Dutra, coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em Rondônia, o impacto da ampliação é quase o mesmo que o da construção de uma nova hidrelétrica dentro da atual. Ele conta que o aumento da vazão da usina poderá prejudicar a cidade de Porto Velho e que, atualmente, já se vê contaminação de lençol freático, entre outros prejuízos à região, que não teriam sido saneados até agora, com 99,98% da obra completa.
- É um acúmulo de puxadinhos, sobrepondo uma série de riscos, como ocorreu em Mariana (MG) - disse Dutra.
A indisposição local com a proposta é tamanha que tumultos inviabilizaram duas audiências públicas na região para discussão do aumento da profundidade do lago. Uma terceira reunião ocorreria, mas foi cancelada por falta de segurança.
- Em nenhum momento se cogitou emitir nova licença sem ser resolvida a questão anterior, que está sendo avaliada - disse Rose Hofmann, diretora de Licenciamento do Ibama.
Ela reconheceu, porém, que a população local teme que as audiências sejam só uma burocracia para se emitir o novo licenciamento. Rose avalia outras formas de ouvir a população.
JIRAU É OUTRO OPOSITOR
A SAE assegura que cumpriu integralmente os seus compromissos de mitigação e compensação definidos no processo original de licenciamento, mas reconhece que a remoção total dos atingidos pela barragem ampliada ocorrerá só em outubro:
"Considerando a baixa vazão do Rio Madeira neste momento e nos próximos meses, mesmo com a elevação, os referidos imóveis só serão efetivamente atingidos em janeiro."
A SAE ainda tem no pedido de aumento da profundidade outro opositor: a Usina Hidrelétrica de Jirau, que fica antes de Santo Antônio no curso do rio. Se a SAE aprofundar seu lago, a capacidade de geração de energia de Jirau cai. O MAB Rondônia teme que, neste cenário, Jirau, controlada pela Energia Sustentável do Brasil (ESBR), peça uma elevação de sua profundidade para compensar a perda, multiplicando o impacto socioambiental na região.
Não é só Santo Antônio que se vê às voltas com questões ambientais. No fim do mês passado, o Ministério Público Federal em Rondônia promoveu ação civil pública contra Ibama, ESBR e BNDES para que seja invalidada a licença de operação de Jirau. Os procuradores alegam que não foi cumprida previsão no licenciamento de pagamento imediato a 53 famílias de pescadores na área atingida pela hidrelétrica do Rio Madeira. A ESBR disse que ainda não havia sido notificada da decisão e que desenvolve 34 programas socioambientais na região, incluindo apoio à atividade pesqueira.

O Globo, 11/09/2016, Economia, p. 35

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