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Munduruku decidem como deverão ser consultados sobre hidrelétricas e outras obras

MPF/PA- http://www.prpa.mpf.mp.br
18 de Dez de 2014

Os indígenas Munduruku concluíram o documento que estabelece como o governo brasileiro deverá consultá-los sobre o projeto da usina hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, no oeste do Pará, e sobre qualquer tipo de obra que impacte suas vidas e seus territórios. Entre várias determinações, o Protocolo de Consulta define que os Munduruku não aceitarão a presença de homens armados durante a consulta e não aceitarão ser removidos de seus territórios.

A consulta prévia, livre e informada está prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), assinada pelo Brasil. No caso da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, projetada para o oeste do Pará, uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) também obriga o governo brasileiro a consultar os indígenas.

O Protocolo de Consulta foi aprovado em assembleia extraordinária do povo Munduruku realizada neste último final de semana, 13 e 14 de dezembro, na aldeia Sai Cinza, na Terra Indígena de mesmo nome, em Jacareacanga, oeste do Pará. Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), participaram do evento cerca de 600 indígenas representantes de todas as aldeias da região. Uma das lideranças indígenas que coordenou o encontro, Ademir Kaba Munduruku, informou que, desse total de participantes, 102 são caciques Munduruku.

O documento aprovado vinha sendo discutido desde setembro em oficinas nas aldeias Waro Apompu e Praia do Mangue. A elaboração do protocolo contou com a assessoria do Ministério Público Federal (MPF) no Pará e do Projeto Convenção 169.

Decisões - Os Munduruku decidiram que a consulta prévia, livre e informada a eles que o governo federal está obrigado a fazer só ocorrerá depois do avanço no procedimento de demarcação da Terra Iindígena Sawré Muybu (também localizada no oeste paraense), com a publicação do Relatório Circunstanciado de Identificação que delimita a área de ocupação tradicional Munduruku.

Para os Munduruku, a realização da demarcação é uma prova necessária de que o governo respeita os direitos indígenas e portanto está qualificado para consultá-los sobre uma megaobra que pode afetar radicalmente as opções de sobrevivência física e cultural dos índios.

No protocolo, os Munduruku exigem que o governo cumpra os deveres de proteger os indígenas isolados e de garantir a realização de consultas a outros povos indígenas e a ribeirinhos ameaçados pela hidrelétrica.

Direitos - O MPF foi convidado pelos Munduruku a participar da assembleia para dar explicações sobre direitos indígenas e repassar informações sobre processos judiciais de interesse das comunidades representadas no evento.

O procurador da República Camões Boaventura enfatizou que, para ser considerada livre, uma consulta aos indígenas não pode ser feita atrelada à promessa de cumprimento de atendimento a direitos, como a construção de escolas ou postos de saúde. "Se isso ocorre, a consulta é ilegal. Direitos não são favores. São conquistas. E devem ser concretizados independentemente de barragem. Incluir no processo dialógico de consulta, momento indispensável na aferição de viabilidade do empreendimento, oferta de supostas compensações é viciar o diálogo de muita má-fé", destacou.

Boaventura também ressaltou que, para ser considerada prévia, a consulta deve ser feita antes da tomada de qualquer decisão sobre a realização de um projeto. E, para o atendimento do quesito informada, a consulta não precisa necessariamente conter apenas informações geradas pelo governo, sendo válido o emprego de dados gerados, por exemplo, por institutos de pesquisas não governamentais e, sobretudo, por conhecimentos tradicionais associados das comunidades eventualmente impactadas.

Voz própria - O procurador da República observou que, mesmo contanto com o MPF como defensor de seus direitos, os indígenas podem requisitar audiências aos poderes Executivo e Judiciário para que o diálogo com esses poderes e a reivindicação por direitos possam ser feitos pessoalmente pelos índios.

Além de explicar os principais direitos indígenas previstos na Constituição Federal de 1988 e na Convenção 169 da OIT, o representante do MPF explicou aos indígenas, de forma didática e interativa, como se estrutura o sistema judiciário brasileiro e como as demandas judiciais percorrem todas as instâncias.

Uma das lideranças Munduruku, Fabiano Bõnõ, da aldeia Caroçal do Rio Cururu, fez um convite aos demais caciques. Segundo ele, uma opção para evitar que os direitos dos índios sejam violados é que algumas lideranças aprendam a ler a escrita dos pariwat (não índios). "Agradeço muito aos educadores das aldeias por abrirem nossos olhos", disse.

Apoio - A assembleia Munduruku também contou com a presença do presidente da associação das famílias ribeirinhas e extrativistas da comunidade de Montanha e Mangabal, Ageu Lobo Pereira. Segundo ele, os ribeirinhos estão aprendendo com os indígenas sobre como deve se dar o processo de consulta prévia e vice-versa. "Os ribeirinhos também têm uma relação fortíssima com a terra, até porque muitos de nós somos filhos de pariwat com índios."

O presidente da associação ressaltou que a falta da caça e da pesca na região seria a morte não só dos indígenas, mas também dos ribeirinhos. "Sem sombra de dúvidas", enfatizou. Para ele, o modo como o governo federal vem tratando os povos tradicionais das margens do Tapajós é "o maior absurdo que pode existir".

Outras demandas - Os Munduruku aproveitaram a presença do MPF na assembleia para entregar ao representante da instituição diversas demandas relativas à precariedade na educação escolar indígena prestada nas aldeias.

O que dizem os Munduruku

Liderança Munduruku Agenor Kirixi:
"Para nós não há limite entre o que é sagrado e o que não é sagrado. Tudo é sagrado."
"Só por existirem espécies vivas na área impactada pela hidrelétrica dá pra entender que a obra é inviável."
"Somos ricos, não em dinheiro, em reais, mas ricos por causa dos nossos recursos naturais."
" A hidrelétrica mata o rio e animais. Nós morremos juntos."

Liderança Munduruku Juarez Saw:
"É inviável discutir com o governo antes da demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu"
"Não estamos nos negando a participar da consulta, mas queremos uma prova de que o governo está agindo de boa-fé".
"Não tenham dúvidas de que a hidrelétrica de São Luiz do Tapajós não virá sozinha. Com ela virão ferrovias, estradas, mineradoras..."
"Nós estamos lutando firme e forte, porque a luta é em favor das próximas gerações dos Munduruku."

Liderança Muduruku professor Hans Kaba:
"Muitas vezes nós indígenas somos chamados de incomodadores. Mas o que nós somos é cobradores, cobradores do que diz a Constituição.
Incomodadores são os que violam os direitos indígenas no Congresso."
"O governo não quer entender os problemas dos índios."
"Nós vamos brigar pela nossa vida até quando Deus permitir."
"Dói em nossa alma quando destroem a Amazônia."
"Os Mundurukus são tão ligados ao meio ambiente, ao seu território, que até no nosso nome fazemos referência à natureza. Nossos sobrenomes fazem referência a aves, peixes e outros animais. Nosso nome é composto por um nome Munduruku, um nome da natureza e o nome da etnia."
"Sem nossa terra, para nossa reprodução, não somos mais nada."

Liderança Munduruku João Tomé Akay:
"Jamais vamos nos entregar."
"Ignoramos qual é o conhecimento do governo no que diz respeito à nossa terra."
"Na cidade nós não somos nada. Lá temos que pagar para enterrar nossos parentes."
"Deus que fez o rio Tapajós, a água, e deixou o rio pra gente. Deus deixou o rio não para mexermos nele, mas para vivermos."

Liderança Munduruku Dionísio Krixi -
"Nós não viemos de longe, como os brancos. Nós sempre fomos daqui, somos daqui, sempre nos mantivemos aqui."
"O governo vem sussurrando nos nossos ouvidos, tentando dividir a gente. Não somos divididos. Somos um povo só.

Liderança Munduruku Osmar Turu:
"Facilidades e favores são coisas passageiras. O que gera frutos permanentes nós já temos, que é a terra."
"Essa hidrelétrica não tem nenhuma viabilidade, e a gente sabe disso."

Liderança Munduruku Ademir Kaba:
"Os animais e as plantas são Munduruku, foram os Munduruku que se transformaram nos animais e plantas que existem. Foi o Deus Munduruku, o Karosakaybu, que fez o rio."

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