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Mulheres dividem comando no Greenpeace

Valor Econômico, Especial, p. A1, A12
Autor: MORGAN, Jennifer; BUNNY, Ann Mary McDiarmid
01 de Jul de 2016

Tapajós vira alvo global do Greenpeace

Daniela Chiaretti

O Greenpeace vai fortalecer sua campanha global contra a construção da hidrelétrica de São Luís do Tapajós, a maior aposta do governo no setor para os próximos dez anos, com capacidade instalada de 8.040 MW. A diretora-executiva da ONG, a neozelandesa Ann Mary McDiarmid, chega domingo ao Brasil para encontros em Manaus e Brasília.
"Estamos fazendo esta campanha global porque se trata de um problema global", disse Ann Mary ao Valor. "Não há limites para os impactos causados pela destruição da Amazônia", afirmou. Tapajós é um dos dois alvos globais do Greenpeace na atualidade. O outro é a exploração de petróleo no Ártico.
Ann Mary deve se encontrar com lideranças dos índios mundurukus, da aldeia Sawré Muybu, a 20 quilômetros do local onde será a barragem de São Luiz. Ali vivem 260 indígenas que são o epicentro da queda de braço entre o governo brasileiro e os índios. Há outros 10 mil mundurukus espalhados pela calha do Tapajós que se sentem ameaçados pela construção de usinas.

Mulheres dividem comando no Greenpeace

"A gestão compartilhada é uma abordagem colaborativa e não competitiva. Pensamos que o mundo tem que ser assim "
"Tempo é curto para chegar ao pico de emissões de gases de efeito estufa ou limitar a perda de biodiversidade "

Enquanto o Brasil é governado por uma equipe ministerial totalmente masculina, uma das mais famosas organizações ambientalistas do mundo, o Greenpeace, escolhe duas mulheres para dividir a direção executiva- a americana Jennifer Morgan e a neozelandesa Ann Mary McDiarmid. Bunny, como McDiarmid é conhecida, chega ao Brasil domingo para fortalecer a luta contra a instalação das usinas hidrelétricas do Tapajós, na Amazônia, que a ONG internacional elegeu como prioridade ao lado da proteção do Ártico.
São Luiz do Tapajós é a maior aposta energética do governo para os próximos dez anos, a maior usina na Amazônia depois de Belo Monte. A previsão é que a capacidade instalada da hidrelétrica seja de 8.040 MW com investimentos de R$ 30 bilhões. Bunny deve se encontrar com lideranças dos índios mundurukus de Sawré Muybu, a 20 quilômetros, em linha reta, de onde ficaria a barragem de São Luiz. Ali vivem 260 indígenas. É o epicentro da queda de braço entre o governo brasileiro desde a gestão Lula e muitos dos cerca de 10 mil mundurukus que estão espalhados pela calha do Tapajós, e se sentem ameaçados pelos planos de construção de usinas na região.
Os mundurukus pediram ajuda ao Greenpeace para fazer com que o governo desista do projeto. Nos últimos anos a ONG reuniu especialistas para avaliar o Estudo de Impacto Ambiental e tem ajudado os índios a autodemarcarem a terra indígena Sawré Muybu, de 178 mil hectares. O processo de demarcação oficial foi iniciado em abril e tem que cumprir várias etapas antes da conclusão. A Constituição veda a remoção de índios de suas terras, salvo em catástrofes ou epidemias que ameacem a população. Hidrelétricas não estão previstas no texto.
Outra investida da campanha global do Greenpeace tem sido convencer, no mundo, empresas que fornecem turbinas e equipamentos para hidrelétricas a não trabalharem com o projeto de São Luiz do Tapajós. Em abril, ativistas da ONG na Alemanha fizeram uma ação diante da sede da Siemens, em Munique, pedindo à empresa que não venda equipamentos para a usina e "não se envolva com a destruição do coração da Amazônia", segundo disse um dos ambientalistas na ocasião.
"Estamos fazendo esta campanha global porque se trata de um problema global", disse Bunny ao Valor. "Não há limites para os impactos causados pela destruição da Amazônia." Em sua primeira visita ao Brasil ela irá a Manaus, estará em Brasília para reunião com o ministro do Meio Ambiente José Samey Filho e passará por São Paulo. Na pauta da viagem quer também expor a violência que colocou o Brasil no topo da lista dos países com o maior número de assassinatos de ativistas ambientais no mundo, segundo a ONG Global Witness divulgou há poucos dias.
Bunny é veterana no Greenpeace. A ativista começou como tripulante no Rainbow Warrior, um dos navios da ONG, há 30 anos. Chegou a diretora executiva do escritório do Greenpeace na Nova Zelândia. "Tenho uma forte conexão com a história do Greenpeace e nossa cultura de ativismo", diz.
Cientista política, tem perfil diferente da americana Jennifer Morgan, nova na organização mas uma das ambientalistas mais conhecidas do mundo nos fóruns climáticos que culminaram no acordo de Paris, em dezembro de 2015. Jennifer dirigia o programa de mudança climática de um dos mais famosos centros de estudos de energia dos Estados Unidos, o World Resources Institute (WRI) e trabalhou também em várias outras ONGs. "Trabalhei com chefes de Estado e CEOs. E tendo gasto tempo andando pelos corredores do poder consegui entender como trabalhar com estruturas de poder tradicionais", diz.
As duas começaram sua gestão compartilhada em abril, sucedendo o sul-africano Kumi Naidoo, que ocupou o cargo nos últimos cinco anos. À frente tem uma organização global de 45 anos - o Greenpeace Internacional, baseado em Amsterdã e 26 escritórios independentes, nacionais e regionais, espalhados por 55 países. São 3,4 milhões de pessoas que apoiam a ONG no mundo e financiam US$ 300 milhões, uma receita estável e crescente. Não há dinheiro de governo e de empresas. São quase 25 mil voluntários no mundo.
Defendendo a gestão compartilhada que se propõem a assumir, Bunny e Jennifer dizem que se trata de um "modelo colaborativo e não competitivo" e esperam que a iniciativa estimule mais mulheres a ocupar postos-chave. Em sua primeira entrevista a um veículo brasileiro, elas falaram ao Valor da atuação da ONG em um mundo mais conservador e as mudanças que ocorrem no ambientalismo. A seguir, trechos da entrevista:

Valor: O Greenpeace encampou a luta contra a instalação das hidrelétricas do rio Tapajós como uma de suas principais campanhas globais. Por quê?
Bunny McDiarmid: O Greenpeace foi convidado pelo povo munduruku para ajudar a salvar o rio Tapajós das ameaças da construção de São Luiz do Tapajós, mega-barragem que inundaria parte de suas terras e destruiria seu modo de vida. Aceitamos o convite fazendo esta campanha global, porque trata-se de um problema global. Não há limites para os impactos causados pela destruição da Amazônia. Barragens emitem quantidades consideráveis de gases-estufa pela decomposição da vegetação alagada, quando as regras que exigem que a vegetação seja removida não são observados. E mesmo que São Luiz do Tapajós não esteja, segundo as previsões, entre as barragens mais emissoras da Amazônia, um estudo sugere que a sua contribuição para o aquecimento global poderia ser equivalente à metade de uma usina a gás.

Valor: O Brasil tem outras opções energéticas?
Bunny: O Greenpeace Brasil desenvolveu cenários de geração de eletricidade a partir de fontes renováveis de energia mais limpa e menos prejudiciais que poderiam oferecer a mesma quantidade de energia para a rede. De acordo com estes cálculos, as melhores opções seriam a combinação de energia solar, eólica e biomassa.

Valor: Recentemente os EUA começaram a remover pessoas de uma ilha, na Louisiana, que perde território diante de constantes inundações. São os primeiros refugiados climáticos dos EUA?
Bunny: Nos EUA, sim. Mas não seria a primeira ilha que as pessoas tiveram que abandonar em função da mudança do clima. No Pacífico isso vem acontecendo já há algum tempo.
Jennifer Morgan: Se alguém tinha alguma dúvida nos EUA sobre os impactos da mudança climática nas pessoas e nos custos, o deslocamento na Louisiana é uma resposta direta.

Valor: Falando sobre gestão: como, neste novo modelo, irão dividir a liderança do Greenpeace?
Bunny: É novo no Greenpeace, mas há outras organizações que compartilham papéis. Jennifer e eu não queremos dividir o Greenpeace em duas partes, com uma cuidando de assuntos externos e a outra, internos, por exemplo. Queremos tratar a organização como um todo e dividir responsabilidades entre nós. Uma pode ficar encarregada de determinada área, mas as duas estarão envolvidas nas decisões.
Será desafiador. Isso é algo necessário em várias partes do mundo, não apenas em uma organização ambientalista.
Jennifer: Somo ambas responsáveis pela organização inteira. Este é o jeito que o mundo trabalha agora. Vivemos em um mundo muito complexo e compartilhar a liderança é algo importante não só para o Greenpeace.

Valor: Podem dar exemplos?
Bunny: Estamos dividindo tudo. Jennifer estará na dianteira do Greenpeace na índia ou Alemanha, eu na Rússia ou Turquia, por exemplo. Sempre manteremos a outra bem informada do que está acontecendo e como temos diretores de programa, não precisamos tomar decisões diárias. Estamos muito comprometidas em fazer isso funcionar. É uma abordagem colaborativa e não competitiva. Acreditamos que coletivamente podemos fazer mais, de modo fortalecido e com decisões melhor fundamentadas. É assim que pensamos que o mundo tem que ser.

Valor: Por que duas mulheres para fazer o trabalho de um homem? Como se sentiram a este respeito? Não acharam a decisão machista?
Bunny: Este modelo de liderança compartilhada é uma forma de reconhecer que o tamanho deste trabalho exige mais de uma pessoa, seja homem ou mulher. É um tipo de comentário completamente retrógrado, precisamos de mais mulheres em postos-chave.
Jennifer: É sexista notar que são duas mulheres em vez de perceber que são duas pessoas. Estamos em 2016. Este modelo de liderança compartilhada deveria ser normal, não exceção. Deveria ser a regra e não surpreender. Esperamos que possa inspirar mulheres a crescer e ocupar os espaços que quiserem.

Valor: E sobre a agenda de vocês? Qual o plano? No que vão mirar?
Bunny: Estamos discutindo com a organização o que vamos fazer, um debate que vem de baixo para cima. O Greenpeace continuará sendo uma organização ambientalista. Os grandes temas - mudança climática, florestas, a proteção dos oceanos - continuarão prioridade, mas acho que nossa abordagem será mais dinâmica nos próximos anos. Tomaremos o que sempre fizemos - nossa marca registrada por assim dizer - a habilidade do Greenpeace em fazer grandes ações para expor problemas que estão acontecendo e criar espaço para soluções, e juntaremos com o que milhares de pessoas têm pedido aos seus governos, interessadas em criar um mundo diferente.
Jennifer: O que pode se esperar de nós é estar no centro do que está causando a destruição ambiental e no centro do que catalisa a solução. Por exemplo, todos sabemos que a questão do financiamento e da corrupção é um obstáculo para enfrentar a mudança do clima nos Estados Unidos, ou em qualquer parte. Neste momento, há uma campanha do Greenpeace nos EUA mirando a reforma no financiamento eleitoral, tentando fazer com que os candidatos à presidência não aceitem dinheiro da indústria dos combustíveis fósseis. Deixar isso claro, de modo que cidadãos que querem um caminho diferente possam ter voz nas decisões dos governos e das corporações, pode ser um exemplo de uma mudança de sistema, e de como enfrentar estes problemas. O tempo é curto para chegar ao pico global das emissões de gases-estufa ou limitar a perda de biodiversidade. Temos que buscar uma mudança no sistema, criar um rompimento e acelerar o processo.

Valor: O Greenpeace tem sido ativo no questionamento do Acordo Transatlântico de Comércio e Investimentos (TTIP na sigla em inglês).
Bunny: Estamos produzindo relatórios que expõem as relações entre governos e indústrias, e o quão distanciadas as pessoas comuns estão de decisões que terão impacto fundamental na segurança alimentar, em definir se medicamentos ou produtos florestais irão chegar ou não nos mercados, com efeitos na emissão de gases-estufa ou no estímulo às energias renováveis. Estamos buscando expor isso e mudar o jeito em que as decisões têm sido feitas, tirando as pessoas e o ambiente da jogada.

Valor: O Greenpeace terá um perfil de atuação mais política?
Bunny: Depende do que você entender por político, o Greenpeace sempre foi político. Querer interferir no que acontece no ambiente é, para mim, algo muito político. Não somos ligados a partidos políticos, não apoiamos políticos. Mas tentar mudar as coisas, por definição, é tentar mudar a política.
Jennifer: E o sistema político que vem apoiando a destruição do planeta por muito tempo.

Valor: Qual marca vocês querem imprimir à organização?
Jennifer: Fortalecer os movimentos sociais é uma maneira de mudar o poder da política e práticas econômicas que são dominantes hoje e minam o que as pessoas realmente querem. Legado é uma palavra forte, mas acho que queremos trazer uma nova e poderosa maneira para que as pessoas possam participar das decisões, de modo a chacoalhar as bases do que vem causando destruição ambiental ao longo dos anos. As pessoas precisam prover novas maneiras de trabalhar em uma economia compartilhada, de se engajar com tomadores de decisão. Isso é algo que exploraremos bastante.

Valor: Como situam a atuação do Brasil nos temas ambientais? O país tem contribuído ou atrapalhado, dada sua fase turbulenta?
Bunny: O Brasil é muito importante para a organização, temos um escritório forte e atuante no país. Mesmo com as dificuldades econômicas e políticas, o Brasil continua sendo um país poderoso no mundo e um importante no contexto ambiental, se falamos de energia, de Amazônia.

Valor: Como fazer com que o ativismo continue conectado com as causas das pessoas?
Jennifer: Estas duas coisas têm andado bem juntas. Há um reconhecimento da conexão entre o ambientalismo e o que as pessoas querem para elas e seus filhos. Encontrar maneiras para que as pessoas tenham voz na política, no que compram todos os dias, no que está disponível para elas, em como vivem, se ficam sentadas horas no trânsito ou se chegam rápido no trabalho. Somos muito preocupados com isso, na relação entre o cotidiano das pessoas e suas expectativas. O desafio é trazer a voz das pessoas de um jeito eficiente. É um momento excitante para estar no Greenpeace, porque a organização trabalha em fazer estas conexões, em apoiar pessoas a ser parte das soluções.

Valor: Como o ambientalismo está mudando?
Bunny: Há mais pessoas se levantando contra várias coisas em muitas partes do mundo. Mudando o espaço político e se envolvendo ativamente de maneira não violenta para construir um tipo diferente de mundo, e sustentando sistemas de que precisamos desesperadamente para sobreviver no planeta. As histórias que nos foram contadas por anos, do que significa progresso e sucesso, não são nossa única opção. Mais e mais pessoas estão se engajando em criar algo diferente na forma de viver, porque o jeito como estamos vivendo neste planeta está literalmente nos matando. Seja produzindo energia renovável ou alimentos, formas de consumir água.
Jennifer: Vemos no que fazem os ativistas e voluntários do Greenpeace este sentimento de esperança que Bunny menciona. Podemos nos mover adiante, esta é uma tarefa a ser feita. Também é sobre as pessoas lutarem e exigirem seu próprio futuro, garantir que o futuro pode ser diferente do lugar onde estamos hoje.

Valor: Em vários lugares o cenário hoje é mais conservador. Está acontecendo no Brasil, pode acontecer nos Estados Unidos se Donald Trump vencer as eleições, estas forças têm ganhado espaço na Europa. Isto dificulta o trabalho de uma organização como o Greenpeace?
Jennifer: Não acho que seja mais complicado. As pessoas não vão parar de lutar pelo o que querem, não importa o tipo de governo que tenham. Acredito que isso pode ficar até mais forte, se elas perceberem que o que estão pedindo não está sendo levado em consideração.
Bunny: Acho que a História tem momentos em que as pessoas estiveram em lugares mais sombrios. Mas sempre aparece alguém que diz "Não, podemos fazer diferente" e as coisas mudam. Tenho grande esperança e fé que as pessoas podem criar modos de fazer com que as coisas sejam diferentes. E fazem.

Valor Econômico, 01/07/2016, Especial, p. A1, A12

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