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Muito além de rios e bem-te-vis

OESP, Especial, p. X3
Autor: VIANA, Virgílio
01 de Set de 2010

Muito além de rios e bem-te-vis
Discussão sobre ambiente e desenvolvimento deve passar pela criação de uma 'imagem verde' para o agronegócio brasileiro

Virgilio Viana *

Eleições presidenciais representam uma oportunidade ímpar para debater temas de interesse nacional.
Talvez não exista assunto de maior importância estratégica que tenha recebido tão pouca atenção quanto o tema ambiental.
É essencial que o Brasil tenha competência para enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades de crescer sem degradar o meio ambiente. Vivemos um momento histórico marcado por mudanças climáticas globais e degradação ambiental. Se continuarmos nessa trajetória, o custo das mudanças do clima representará entre5%e20%do PIB global por ano (de US$ 3,5 trilhões a US$12,2 trilhões,baseando-senoPIBglobalde2010).
O sofrimento humano e a degradação da natureza são ainda maiores. Nesse contexto, meio ambiente e sustentabilidade assumem importância estratégica.
Entretanto, no Brasil se costuma tratar das questões ambientais de forma pontual, quando surgem obras polêmicas para o licenciamento: a Usina de Belo Monte, a transposição do Rio São Francisco etc. Outras vezes, o tema recebe atenção por causa de desastres: derramamentos de petróleo, poluição de rios,desmatamento etc. Quando debatemos temas complexos como o Código Florestal, encaramos como se fosse uma partida de futebol, com emoção e sem a devida perspectiva científica e estratégica. Raramente nos perguntamos: devemos alterar nosso estilo de desenvolvimento para reduzir os danos ambientais? Isso é bom para o Brasil?
A resposta óbvia é que sim: devemos alterar nosso estilo de desenvolvimento, especialmente para a Amazônia.
Deveríamos controlar os vetores econômicos do desmatamento, reduzindo a emissão de 540 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente por ano (média dos últimos 10 anos). Deveríamoslutarparaqueessareduçãofossevalorizadanomodelodemercadodecarbonoem discussão pela Convenção do Clima - o preço da tonelada de carbono no mercado regulado gira ao redor de 13de euros e deve alcançar 60 de euros até 2020. Deveríamos buscar agressivamente vantagens comerciais para os produtos do Polo Industrial de Manaus, o arranjo macroeconômico de maior sucesso para a proteção da Amazônia. Deveríamos dizer ao mundo o óbvio:comprar celulares e eletrônicos de Manaus é bom para a floresta e gera benefícios para o planeta. Por isso, esses produtos devem pagar menos impostos que os produzidos em qualquer outra parte do mundo.
Deveríamos construir uma imagem verde para o agronegócio brasileiro, especialmente no segmento exportador. Não se trata de um desafio de propaganda e marketing, mas sim de gestão da qualidade ambiental na agropecuária. Os concorrentes brasileiros usam e abusam da relação perversa do nosso etanol, soja e carne com o desmatamento. Essa "pegada florestal" do agronegócio é e continuará a ser uma barreira para a abertura de mercados, especialmente nas economias mais industrializadas e sociedades mais bem informadas. Os governos deveriam, assim, estimular a certificação e a parceria entre empresas e entidades ambientalistas.
Deveríamos repensar o modelo de crédito rural e financiamento do agronegócio pelo BNDES e outros bancos, criando desincentivos para o desmatamento e incentivos para os que conservam a floresta.Deveríamos,enfim, construir um mapa do caminho rumo à sustentabilidade do agronegócio brasileiro.
Deveríamos criar mecanismos para o pagamento de serviços ambientais a todos os que conservam florestas. Das florestas dependem as chuvas e a vazão dos rios e, por tabela, a geração de energia hidrelétrica, a agropecuária e o abastecimento urbano de água.
A agenda de sustentabilidade e meio ambiente tem implicações para todos os setores, do público ao privado, englobando indústria, comércio, serviços, energia, infraestrutura, transporte, educação, saúde, relações internacionais, ciência e tecnologia etc. Meio ambiente e sustentabilidade devem ocupar lugar central no debate sobre os caminhos para o Brasil. Não se trata apenas de proteger rios, pererecas e bem-te-vis. O que está em jogo é emprego, renda e o futuro de nossos filhos e netos.É de interesse nacional repensar o papel estratégico da sustentabilidade e do meio ambiente para o futuro do País.

* PhD pela Universidade Harvard, superintendente-geral da Fundação Amazonas Sustentável e ex-secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas

OESP, 01/09/2010, Especial, p. X3

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