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Muito além da madeira

O Globo, Amanhã, p. 28
13 de Nov de 2012

Muito além da madeira
Comunidades ribeirinhas do Pará diversificam produtos e reduzem pressão na floresta

NO QUINTAL de sua casa, na comunidade de Jaburu, no Pará, Manoel Cordosvaldo de Souza, o Codó, mexe a massa de andiroba no fogareiro. Tomando o lugar das mulheres da casa, que tradicionalmente extraem o óleo da semente, ele garante parte do sustento do lar, que ainda é complementado por óleo de pracaxi e pela comercialização da menina dos olhos da região, o açaí. Foi assim que a família dele abandonou a extração de madeira. E é exatamente essa estratégia silenciosa que tem sido o principal instrumento de combate ao desmatamento na região. Se não há alternativa de renda, as famílias se voltam para a madeira. Mas, se há, elas, que vivem sob as árvores da floresta, não têm por que retirá-las.
- É misturar vários produtos. Esse é o jeito. Tira um pouco de cá, outro de lá, e não precisa tirar madeira.
Hoje em dia a comunidade só derruba as árvores quando é uma emergência, quando o dinheiro falta - disse Codó.
A realidade é parecida na comunidade vizinha, a Ilha das Cinzas, no mesmo município, de Gurupá.
Em 2011, os moradores foram ganhadores do Prêmio Finep de Tecnologia Social, por conta do Manejo Comunitário de Camarão de Água Doce. Se até a década de 1990 a madeira ainda era a renda principal no local, hoje são o açaí e o camarão que garantem prato cheio e o pagamento das contas. A Ilha das Cinzas ganhou reconhecimento de assentamento agroextrativista e, com título de propriedade na mão, a comunidade conseguiu apoio para desenvolver projetos.
As mudanças foram simples, mas a renda familiar local dobrou, e a preservação da floresta cresceu, como explicou um dos mais antigos moradores, Antônio Braz de Oliveira, o Baixinho:
- Eu tirei foi muita madeira dessa floresta.
A família inteira trabalhava cortando muita madeira, para ganhar apenas alguns trocados. As madeireiras sempre exploravam e ficavam com o lucro. No fim das contas, as árvores sumiam e elas iam embora. Mas nós moramos aqui e éramos os mais afetados.
Os esforços para fazer uma pesca mais sustentável começaram quando comunidades vizinhas passaram aperto pela escassez de camarão.
E, hoje, além do camarão, a comunidade faz também manejo de açaí - 70% da renda dos moradores. Em vez de cortar árvores ou tirar o palmito, a opção pelo açaí se mostrou mais rentável, além de garantir a sobrevivência da floresta de que eles tanto precisam.
É essa saída que o líder indígena Almir Suruí busca para terras indígenas.
Ameaçado de morte e integrante da lista vermelha de ambientalistas em risco da Secretaria de Direitos Humanos por conta da luta contra madeireiras, ele afirma que a melhor forma de combater crimes ambientais e o aliciamento de ribeirinhos e índios é a geração de renda por outras fontes:
- Não estou dizendo que os índios que são aliciados e tiram madeira de área de proteção não são culpados. Eles, como os ribeirinhos, são culpados também.
Sabem que estão fazendo algo errado.
Mas é preciso dar uma alternativa de renda para que as pessoas possam sobreviver, dar de comer a seus filhos.
A floresta não precisa ser intocada, ela pode ser explorada de forma sustentável, com as árvores de pé - disse Suruí.
Hoje, ele briga com pelo menos 100 serrarias nas cidades de Cacoal, Pacarana, Espigão e Rondolândia, todas no Mato Grosso, próximas à aldeia indígena. Os suruís desenvolvem vários projetos e buscam até créditos de carbonopelo mecanismo de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD).
Mas ainda falta incentivo do governo, empresas e fundações.

O Globo, 13/11/2012, Amanhã, p. 28

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