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Muitas visões de Brasil em xeque na discussão sobre uma BR na Amazônia

o Eco - oeco.org.br
Autor: Duda Menegassi
27 de Mai de 2021

Documentário de ((o))eco expõe como indígenas e quilombolas na rota da possível extensão da BR-163 vêem a rodovia e a ameaça da marcha desenvolvimentista sobre os seus territórios

DUDA MENEGASSI
27 de maio de 2021

"Para unir os brasileiros, nós rasgamos o inferno verde". A frase é de uma propaganda de construtora que se orgulhava de ser a responsável por abrir uma estrada na Amazônia. O ano da publicação é 1972, plena Ditadura Militar. Da mesma época, data um projeto que segue em discussão: a extensão da BR-163. Atualmente a rodovia, com mais de 3.500 km de extensão, vai do Rio Grande do Sul ao Pará, mais especificamente até o município de Santarém. Com a ampliação, seguiria rumo ao norte por mais mil quilômetros, até a fronteira com o Suriname. No percurso, além do rio Amazonas - o que por si só já exigiria uma ponte colossal -, estão também o maior bloco de florestas protegidas do mundo, Terras Indígenas e comunidades quilombolas, além da Amazônia, vulgo inferno verde, a depender de para quem você pergunte.

Este percurso, por ora imaginário, que cruza o território amazônico ainda preservado da Calha Norte, põe em rota de colisão não apenas árvores versus o asfalto, mas diferentes visões de vida. De um lado, aqueles que vêem progresso na derrubada da floresta, do outro, habitantes tradicionais, comunidades indígenas e quilombolas, que vêem a natureza como um meio de vida ao invés de um obstáculo no meio do caminho. O documentário BR Acima de Tudo, em pré-estreia exclusiva a partir desta sexta-feira (28) para os apoiadores de ((o))eco, vai a este território de conflitos e registra seus personagens, e suas formas distintas de valorar e explorar a terra que compartilham.

((o))eco realizou uma entrevista exclusiva com o diretor do documentário, Fred Rahal Mauro, com quem falou sobre o filme e a experiência de dialogar com os seus diversos ocupantes - indígenas, quilombolas, pecuaristas e agricultores - e transportar isso para a tela. Na conversa, o diretor reforça a importância de ouvir as comunidades tradicionais que seriam afetadas diretamente pela extensão da BR-163 e destaca os impactos colaterais que a abertura da estrada teria no território, como o aumento da exploração e pressão nas terras hoje preservadas e ocupadas pelos indígenas e quilombolas.

"A gente fez um papel que acho que é o papel do governo, que é ouvir essas pessoas. E essas pessoas estão dizendo que não querem. A gente tentou trazer isso no filme, esse exercício de escuta e espero que as pessoas que assistam possam escutar também", comenta Fred. "Os indígenas não querem a estrada porque eles sabem que a estrada é só um vetor, não é o projeto em si, o projeto é a ocupação e exploração daquele território", acrescenta o diretor.

Leia a entrevista completa de Fred Mauro com ((o))eco:

((o))eco: Como foi construído o documentário e a ideia de falar sobre este projeto de extensão da BR-163?

Fred Rahal Mauro: A ideia do filme começou com a Fernanda Wenzel [roteirista], que elaborou o projeto inicial e aplicou junto ao Pulitzer. A ideia no início era falar sobre o projeto do Barão do Rio Branco, mas a gente começou a ver que esse projeto envolvia tanta coisa e em tantos estágios diferentes, que resolvemos focar só na estrada, que é a ameaça mais imediata e já existe uma movimentação em torno disso. Sem falar que a estrada é o primeiro passo para as outras coisas acontecerem: a hidrelétrica, a ponte que vai de Santarém até Óbidos [a ponte BR-163], e com a construção da estrada você facilita todo o resto, a mineração, exploração, expansão agropecuária. A estrada é o primeiro passo, é como começa.

No documentário vocês trazem depoimentos de diferentes atores presentes no território - indígenas, quilombolas, militares e ruralistas -, como foi a construção e costura desses diálogos e visões?

Nós naturalmente tivemos mais convivência com as comunidades, tanto com os indígenas, em Tumucumaque, quanto com os quilombolas. Por uma razão simples, porque para falar com essas pessoas, a gente precisava estar lá. No Tumucumaque [Parque indígena], por exemplo, para chegar lá só de avião. São três horas de teco-teco. Inclusive, lá no Tumucumaque nós tivemos que aguardar a liberação para poder filmar e só isso demorou um dia para acontecer. Eles fizeram uma reunião com a gente, entenderam certinho o que a gente queria e aí ganhamos a permissão de filmar. No total, passamos 5 dias lá e foi muito legal porque a gente se relacionou com as pessoas, elas foram se acostumando com a gente.

A experiência com os militares também foi bem legal porque a gente teve uma abertura, enquanto equipe, de não julgamento mesmo. Nós temos nossas convicções pessoais, mas não tivemos embate com ninguém, a gente não estava fazendo um filme de denúncia, a gente estava realmente interessado em entender a lógica por detrás daquilo, por mais difícil que seja você se deparar com uma pessoa que tenha uma visão de progresso que envolve a destruição de ambientes e comunidades. Para mim, pessoalmente, foi uma experiência muito interessante, poder estar lá no Tumucumaque, conviver com os indígenas, e depois ir lá falar com os militares e ver quão estranha e "alienígena" é aquela presença militar ali.

No caso dos quilombolas, foi interessante porque a gente foi para comunidade do Gervásio, que é uma comunidade muito simples, pequena, bem familiar, e a princípio eles não têm aquela postura política que se encontra em várias comunidades, com uma liderança muito clara e com o discurso já preparado. Nós encontramos pessoas simples, que vivem da terra, só que quando o Gervásio começou a falar com a gente, tivemos que sair filmando, porque estava tudo muito vivo ali para ele. A sensação que eu tive era de que ele queria muito ser ouvido, como se houvessem coisas engasgadas ali há anos. Foi super forte. A coisa está muito latente para a realidade deles e isso foi muito forte para mim. E ao mesmo tempo em que ele falava dos problemas muito naturalmente, havia uma simplicidade no viver também, integrado na mata.

Com relação aos pecuaristas, tivemos dificuldade. A gente queria muito entrevistar os fazendeiros, mas a gente não achava eles, porque eles não ficam lá. Nós conseguimos entrevistar os pequenos agricultores, às vezes até posseiros, mas não conseguimos falar com nenhum pecuarista de fato. Nós conseguimos falar com o prefeito de Oriximiná, que deu uma entrevista bem padrão, tinha até um roteirinho e assessoria de imprensa; entrevistamos o secretário da agricultura do município, que também foi bom porque ele informou a visão do município em torno desse assunto; e entrevistamos, já em Óbidos, um presidente do sindicato rural, que é pecuarista e conseguiu dar um pouco dessa visão, mas é um cara de gabinete, vamos dizer assim, de sindicato.

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