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Mudança de clima em Washington

OESP, Economia, p. B2
Autor: MARCOVITCH, Jacques
03 de Nov de 2007

Mudança de clima em Washington

Jacques Marcovitch

A conquista do Prêmio Nobel da Paz por Al Gore, que dividiu a láurea com o Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), garantiu espaço ainda maior ao tema do aquecimento global. A Academia Sueca de Ciências prestou merecido tributo, de um lado, a mais de 2.500 pesquisadores que se dedicaram ao longo dos últimos 20 anos ao estudo da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera e, de outro, a um líder em justa desavença com a política ambiental de seu país. Isso realça, de forma eloqüente, a contradição entre a comunidade internacional e o governo dos Estados Unidos ante o Protocolo de Kyoto.

Paradoxalmente, a premiação de um histórico antagonista de George W. Bush pode induzir o governo americano a buscar algum reconhecimento, atenuando suas resistências aos moldes acordados para a mitigação dos gases de efeito estufa. Dois fatos, ocorridos no mês de setembro, merecem atenção.

Em Washington, numa reunião com representantes de 14 países, o presidente Bush anunciou que deseja dialogar. Deixando o tom arrogante sobre a tecnologia como questão central, ele enfatizou, pela primeira vez, a importância de "metas de longo prazo para reduzir os gases de efeito estufa". Criou-se um clima em Washington para novas e promissoras mudanças.

Pouco antes desse encontro, em 22 de setembro, no marco dos 20 anos de vigência do Protocolo de Montreal, se avaliou em 95% a diminuição das emissões de gases destruidores da camada de ozônio na atmosfera. A transferência de tecnologias nessa direção foi incentivada por um Fundo Multilateral de Assistência, estabelecido em 1991, e que angariou um volume superior a US$ 2 bilhões destinados a mais de 143 países. Para alcançar o consenso mundial, que favoreça entre 2040 e 2060 a plena recomposição da camada de ozônio, foram decisivas as articulações multilaterais que incluíram, destacadamente, os Estados Unidos, o Brasil e a China.

No âmbito do Protocolo de Kyoto, devemos considerar os Estados Unidos como inimigo irrecuperável das regras fixadas para deter o aquecimento global? Ou devemos intensificar o diálogo, com a intenção de atraí-los para a frente multilateral?

Gro Harlem Brundtland, pioneira do ambientalismo mundial e atualmente representante especial da ONU para a questão do aquecimento global, tem uma resposta. Afirma que os Estados Unidos, caso revejam suas posições, podem assumir a liderança na área de mudanças climáticas. Essa é uma formulação lúcida, pois a grande potência americana, principal responsável pela concentração acumulada na atmosfera, ao mesmo tempo está na ponta de soluções tecnológicas inovadoras nesta área.

A retomada do diálogo na Ilha de Bali, em dezembro vindouro, não implicará esquecimento das atitudes anteriores deste eventual parceiro, até para avaliarmos, de forma realista, os seus propósitos. Mas, antes de sentarmos à mesa, pensemos na estrutura liberal da maior nação capitalista do mundo, a qual permite que dos seus 50 Estados federados pelo menos 28 adotem políticas até mais avançadas do que as previstas no pacto de Kyoto.

Consideremos também a perspectiva frágil, embora real, de que um eventual governo democrata, sucedendo ao republicano, aprofunde mais ainda essa possível "conversão" de Bush, pelo menos em parte, aos mandamentos em vigor. Além de indicações do ex-presidente Clinton, que bem podem refletir o pensamento da pré-candidata Hillary, temos o contundente parecer do senador Barack Obama, outro pré-candidato, de que "medidas voluntárias não refletem nem inovações nem liderança". Em atenção a alguns observadores da cena política americana, mantenhamos o ceticismo quanto aos democratas e aguardemos novas atitudes ainda no período republicano.

Este é apenas um exercício de raciocínio, dos muitos que poderemos fazer, e tomara que todos com o propósito de não recusar a mão estendida, para que o mundo ingresse numa era de desenvolvimento mais limpo que nossa civilização tanto espera.

Jacques Marcovitch é professor da Faculdade de Economia (FEA), Administração e Contabilidade e do Instituto de Relações Internacionais (IRI), ambos da Universidade de São Paulo, da qual foi reitor. Autor de Para Mudar o Futuro - Mudanças climáticas, políticas públicas e estratégias empresariais, Edusp e Editora Saraiva, 2006, entre outros

OESP, 03/11/2007, Economia, p. B2

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