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Moradores defendem asfalto para a BR-319

OESP, Vida, p. A17
15 de Jul de 2009

Moradores defendem asfalto para a BR-319
Quem vive à beira da rodovia nega que a floresta esteja ameaçada porque não haveria mais o que desmatar; população pede desenvolvimento

Herton Escobar, Manaus

Não importa o que dizem cientistas, engenheiros, políticos ou ambientalistas - quem mora no entorno da BR-319 quer ver a estrada repavimentada. "Essa conversa de que o asfalto vai destruir a floresta é a maior balela", diz o taxista manauara Inácio Rodrigues Paiva, de 48 anos, que nos tempos de adolescente costumava cruzar a rodovia de caminhão com o irmão para buscar bananas em Ji-Paraná, no leste de Rondônia. "A estrada já está feita. O que tinha de ser desmatado já foi. Só precisa repavimentar."
Paiva, como muitos moradores da região de Manaus, propaga a tese de que a rodovia foi destruída propositalmente na década de 1980 pelas empresas de transporte fluvial que temiam perder negócio com a chegada dos caminhões. Nada foi provado, mas há quem jure ter visto as máquinas na estrada, arrancando o asfalto à força na calada da floresta. "Foi uma destruição criminosa", acusa Pires, conhecido por todos na região como Neguinho do Táxi.

A BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO), foi construída no início da década de 70, ao mesmo tempo que a Transamazônica. Funcionou bem durante uma década, até ser oficialmente desativada - ou propositalmente destruída, segundo os locais -, no fim dos anos 1980. Hoje restam 870 quilômetros de lama, buracos e pedaços de asfalto embrenhados na floresta. Palco perfeito para quem gosta de aventura, mas um pesadelo para quem uma dia já viu cargas e pessoas fluindo livremente por ali.
Os únicos trechos com asfalto trafegável são as pontas da rodovia: 200 quilômetros a partir de Manaus e 200 quilômetros a partir de Porto Velho, aproximadamente. O Estado percorreu de carro os primeiros 170 quilômetros da BR-319, de Manaus ao Rio Tupana, onde está sendo construída uma ponte, e conversou com pessoas ao longo do caminho para saber o que pensavam dos planos do governo federal de reconstruir a rodovia. Todos ecoaram a opinião de Paiva: querem a estrada de volta. Todos reclamam do Ibama e do ministro Carlos Minc, do Meio Ambiente, que faz oposição ao projeto de reconstrução do Ministério dos Transportes.
"A gente parou no tempo desde que a estrada acabou", lamenta Francisco Cunha, o Chicão, dono de uma pousada em Castanho, no km 25, que ele construiu na esperança de que rodovia será reasfaltada. As palavras que mais se ouve dos moradores locais quando se fala no assunto são "progresso" e "desenvolvimento". Eles acreditam que a BR-319 refeita trará riqueza para as comunidades do entorno, além de baratear o custo dos alimentos em Manaus, que hoje precisam ser trazidos por balsa de Porto Velho e Belém. Sentem-se ilhados no meio da floresta.

"Querem que todo mundo continue vivendo aqui no meio do mato feito índio, é isso que querem", esbraveja o agrônomo Rômulo Alves da Silva, de 38 anos, filho de seu Pedro Alves da Silva, de 66, dono de dois postos de gasolina em Castanho, nos km 34 e 114. O segundo eles inauguraram há duas semanas, também na expectativa de que o projeto de recuperação da estrada será aprovado. "Estamos apostando num sonho", diz Rômulo. "Essa cidade já foi próspera e vai ser próspera de novo."

Seu Pedro lembra-se do tempo que "fazia fila de caminhão no asfalto", trazendo todo tipo de mercadoria: arroz, feijão, laranja, abacaxi, legumes. Ele também acha "balela" essa história de que a estrada vai acabar com a floresta. "Se fosse para acabar, já tinha acabado na década de 70, quando botaram o asfalto pela primeira vez."
Dona Maria do Socorro Pantoja é outra que sonha com a recuperação da rodovia. "Se não tiver estrada, como é que vamos levar os legumes para fora?" Ela acaba de se mudar para um terreno à beira do rodovia com os seis filhos e o marido. Disse que precisou sair de Castanho por que lá não tinha espaço para fazer roça, plantar macaxeira e fazer farinha. Indagada sobre a titularidade daquela terra, responde: "Fui no Incra e me disseram que eu podia ficar aqui. Mas não deram documento nenhum."

Engenheiro diz que obra só traria ''exclusão social''

Herton Escobar, Manaus

O sonho de que a reconstrução da BR-319 trará desenvolvimento não se justifica, diz o engenheiro florestal Mariano Cenamo, secretário executivo da ONG Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas. "A estrada só traz exclusão social e conflitos de terra. O pequeno proprietário não consegue se manter; vem o grande e toma conta de tudo." Ele concorda que o projeto seria viável ambientalmente "se o governo fosse competente para fiscalizar o desmatamento". Por outro lado, diz que a estrada não tem viabilidade econômica. Segundo ele, o estudo de impacto ambiental apresentado "superestima os benefícios e subestima os custos" da obra. O estudo foi rejeitado na semana passada pelo Ibama. Assim, a obra não pode ser feita.

Basta cumprir a lei, dizem habitantes
''Bota reserva e bota fiscal que ninguém vai poder desmatar nada''

Herton Escobar, Manaus

Para aqueles que pedem a volta da estrada, a solução para evitar a destruição da floresta é simples: basta fazer cumprir a lei. "Bota reserva e bota fiscal que ninguém vai poder desmatar nada", diz Carlos Sérgio Assunção Rêgo, comandante da balsa que transporta carros pelo trecho "fluvial" da BR-319, entre Manaus e Careiro da Várzea. "É só querer que dá."
Alheios aos cálculos dos cientistas e ambientalistas, que mostram o impacto potencialmente devastador que a reconstrução da estrada pode ter sobre a floresta, os moradores enxergam tudo de forma pragmática. "Pode ver que aqui ainda tem asfalto e não está nada devastado", aponta o taxista Paiva, quando passamos por uma área de pequenas pastagens. "Você vê a fazenda, mas vê a mata no fundo também. Aqui não tem pecuarista, só tem criador. É tudo coisa pequena."

Em nenhum ponto do trecho percorrido pela reportagem a floresta chega à beira da estrada. Mas não há momento em que ela suma de vista. As bordas da rodovia são ocupadas por pequenas fazendas de gado e casas de madeira isoladas, com lagoas usadas para criação de peixes. Até domingo, quase todas as áreas desabitadas - e algumas habitadas - ainda estavam inundadas até às margens da rodovia, refletindo os efeitos da maior cheia já registrada na região. "É por causa do aquecimento global", opina Paiva.

Em alguns pontos a água transbordava por cima do asfalto, criando armadilhas para os carros. Em uma delas, encontramos uma mulher enfiada na água até as canelas, procurando pela placa dianteira do carro, que havia caído num buraco submerso. "Tira uma foto aí e manda para o presidente Lula, para ele ver como é que está essa estrada", diz ela. Na volta, o carro de Paiva sofreu a mesma avaria, no mesmo

OESP, 15/07/2009, Vida, p. A17

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