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Momento decisivo

CB, Economia, p.11
08 de Ago de 2004

Entrevista
Dilma Rousseff
Ministra quer garantir investimentos para evitar apagão
Marcelo Tokarski e Arnaldo Galvão
Da equipe do Correio
O governo federal aposta no novo modelo do setor elétrico para acelerara construção ou a entrada em funcionamento de 40 usinas hidrelétricas que ainda dependem de licenciamento ambiental. Totalizando 5.038 megawatts de energia, esses empreendimentos representam investimentos represados da ordem de US$ 5 bilhões, pouco mais de R$ 15 bilhões. Para a ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, a liberação desses investimentos é crucial para evitar um novo risco de apagão, a exemplo do que ocorreu em 2001-2002. Nas mãos dela, o país passa por momento decisivo, porque a reserva de energia elétrica disponível hoje só é capaz de garantir o abastecimento até 2007. `Se pararem os investimentos, vai faltar energia. Não há milagre'; afirma.
Nesta entrevista ao Correio, Dilma ressalta que o governo estará atento a possíveis formações de cartel nos leilões de comercialização de energia previstos na nova legislação, lançada na semana passada. "O leilão é uma grande conquista porque é público. Eu, você e a dona de casa vamos saber como os preços são formados. Não vai haver beneficiados escondidos',' assegura.
Primeira mulher a ocupar o cargo de ministra de Minas e Energia, Dilma também garante que o governo está preocupado com o lado social dos investimentos em energia. Segundo ela, o Programa Luz para Todos do governo federal dará prioridade máxima às populações que eventualmente sejam removidas para a construção de uma barragem. "E um escândalo. Tiraram as pessoas que moravam perto das usinas e não deram energia elétrica para elas."Leia os principais trechos da entrevista.

Momento decisivo
Correio Braziliense - O governo está preocupado com a demora nas licenças ambientais que também envolvem autoridades estaduais e o Ministério Público?
Dilma Rousseff - Não existe como a expansão da oferta no Brasil não ser contínua. Essa idéia pela qual um dia a gente chega e resolve os problemas de uma vez por todas é fictícia. Não é assim que funciona o setor elétrico. Nós e os investidores temos de providenciar o suprimento de energia adequado sempre com antecedência. Nova geração exige planejamento e um horizonte de tempo para se desenvolver. Por isso, as dinâmicas do meio ambiente e do setor elétrico têm de ser compatibilizadas. Já estávamos encarando esse problema há tempo. 0 encaminhamento de uma solução estrutural está na lei, quando se exige que para a licitação de um empreendimento haja a licença prévia.
Correio - Como será dimensionado o Impacto ambienta de novas usinas?
Dilma - Aqui no ministério, nós achamos que é melhor, mais prudente e eficiente medir o impacto ambiental produzido por megawatt. É melhor que a avaliação seja integrada por bacia, e n por empreendimento. A criação da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) permite, num horizonte de tempo, essas avaliações ambientais integradas. Teremos um marco de licenciamento mais amplo até que o Ministério do Meio Ambiente, que também concorda com essa análise por bacia, chegue nesse estágio Temos um estoque de problemas. Se alguém diz que faz essas avaliações integradas em seis meses está mentindo.
Correio - E o atraso nessas avaliações é que tem afugentado os Investimentos...
Logo depois do racionamento (2001 - 2002), o governo federal instituiu uma o missão, presidida pelo Jerson Kelman, que concluiu que o racionamento não foi causado pela falta de chuvas. A culpa foi da falta de investimentos suficientes e atrasos em obras. 0 que nós estamos dizendo que o setor precisa de um marco regulatório claro, totalmente negociado. Semana passada divulgamos o principal decreto na sexta-feira encaminhamos o decreto d EPE, do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico. Na seqüência, sairá a regulamentação da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica. A partir daí, a seqüência de desafios é compatibilizar a dinâmica dos licenciamentos.
Corrio - Quantos empreendimentos estão hoje paralisados por falta de licença ambiental?
Dilma - Herdamos 45 usinas sem licenciamento. Dessas, equacionamos progressivamente 22 delas. Mas também há outras 17 novas (totalizando 40 sem licenciamento). Todos esses problemas se acumularam. Não é só uma questão relativa ao Ibama. Há os órgãos ambientais estaduais e o Ministério Público. Mas não queremos um retrocesso na legislação ambiental. Isso não se resume a simplificar os procedimentos. A experiência demonstra que quando há descuido nas análises ambientais, também ocorrem atrasos. Nós vamos providenciar os EIA-RIMA, cujo padrão também será definido por nós.
Correio - Onde estão os maiores problemas?
Dilma - Quanto maior a geração de megawatts, maior o problema. Não licenciar uma usina de 1.087 megawatts é um problema. Três usinas (das 40 sem licença) concentram 52,24% da energia potencial. Uma delas já está construída, dependendo ainda de autorização para corte de vegetação. Outras ainda não iniciaram suas obras.
Correio - Qual é o volume de investimentos dessas usinas que hoje estão paralisadas?
Dilma - Se a capacidade é de 5.038 MW, com custo de US$ 1 mil por quilowatt instalado, o resultado da conta é aproximadamente US$ 5 bilhões.
Correio - E o impacto social dessas obras?
Dilma - Também estamos muito atentos com o problema do reassentamento. Temos uma agenda com o movimento dos atingidos por barragens. Vamos aprimorar a responsabilidade social do investimento em energia. É inadmissível que não haja uma indenização correta. Esses processos não podem se arrastar por cem anos. Tem de ser encerrado em algum momento. Mas, a partir do acordo, não dá para aumentar o número de atingidos.
Correio - O Brasil tem tradição na tecnologia para geração de energia hidrelétrica, mas não tem experiência para cuidar das populações atingidas?
Dilma – O país já fez bons assentamentos. Temos tecnologia. Este governo tem essa preocupação. Negociamos com esses grupos a definição dos critérios. 0 problema é que em alguns momentos, acumulamos passivos. Por outro lado, há histórias horríveis. Temos 12 milhões de pessoas que não têm energia elétrica. O programa Luz para Todos tem uma prioridade: atender aos atingidos por barragens que até hoje não têm luz. É um escândalo. Tiraram as pessoas que moravam perto das usinas e não deram energia elétrica para elas. Além disso, definimos uma série de políticas sociais. Anteriormente, essa questão era escondida debaixo do tapete.
Correio - O governo teme a rejeição do modelo elétrico no Supremo Tribunal Federal (STF)?
Dilma - Quem representa a União junto ao STF é a Advocacia-Geral da União. Se houvesse algum problema com a medida
provisória, acreditamos que a negociação no Congresso, em dois turnos, construiu um consenso. Portanto, a lei de conversão da MP fez uma recomposição das condições daqueles que a consideravam com vício de origem. Não acredito que o Supremo, em momento algum, desconheça a importância do modelo elétrico, da sua regulação e da estabilidade que ele exige. Quero dizer que o papel do STF na estabilidade do marco regulatório do país é muito grande. Estamos à disposição dos ministros para os esclarecimentos.
Correio - Há risco de formação de cartel na comercialização de energia prevista no novo modelo?
Dilma - Estaremos alertas. É crime contra a concorrência e contra a economia popular. 0 leilão é uma grande conquista porque é público. Eu,você e a dona de casa vamos saber como os preços são formados. Não vai haver beneficiados escondidos. As distribuidoras não terão privilégios. Antes, 30% da energia era contratada no balcão, na mesa. A operação poderia ficar no mesmo grupo econômico, entre geradora e distribuidora. Isso era reserva de mercado e acabamos com essa imperfeição. Teremos o maior cuidado para evitar conluios. É crucial para o país acabar com essas rendas extras dos oligopólios.
Correio -Como a senhora analisa as críticas de que o novo marco regulatório é estatizante demais?
Dilma - O governo passado fez duas intervenções no Mercado Atacadista de Energia (MAE). Uma delas porque houve desvio de recursos. A segunda, porque mercado auto-regulado daquela forma dá nisso. Foi no governo passado que acabou a auto-regulação. Recebi o MAE sem que tenha havido um único pagamento. Havia um estoque paralisado. Nós liquidamos todas as posições e colocamos o MAE em dia. Não concordo com essas críticas de instabilidade do marco regulatório. É o contrário. Com o novo modelo, eu não tenho poder político de mudar as regras sem passar pelo Legislativo. São as instituições do país que dão estabilidade ao marco. Regras estáveis são aquelas que não podem ser mudadas com uma canetada, por resolução.

CB, 08/08/2004, p. 11

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