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Modelo de concessão 'híbrida' vira fiasco no MT

Valor Econômico, Especial, p. A12
08 de Jun de 2015

Modelo de concessão 'híbrida' vira fiasco no MT

Daniel Rittner

Em São Paulo, as rodovias privatizadas pelas administrações tucanas se tornaram verdadeiros tapetes, mas com tarifas pela hora da morte. No governo Lula, veio o pedágio de R$ 1 nas estradas federais, mas com obras eternamente inacabadas. A presidente Dilma Rousseff resolveu inovar. Colocou o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) para dividir, com os vencedores de algumas das principais concessões rodoviárias lançadas em 2012, a tarefa de duplicar grandes eixos logísticos em um prazo máximo de cinco anos.
Dilma parecia ter encontrado a fórmula de uma benéfica parceria público-privada, que evitaria os problemas do passado, garantindo as virtudes de cada modelo: obras estratégicas, tarifas módicas, usuários satisfeitos. Só que, no meio do caminho, havia a realidade. Na semana passada, a reportagem do Valor percorreu o trecho da BR-163 privatizado no Mato Grosso como vedete da última rodada de concessões. Não é para menos. Por essa parte da rodovia, passam cerca de 50 mil caminhões todos os dias, que escoam 70% da safra de grãos do Estado. Riqueza que se conta aos bilhões e escorre pelo horizonte.
O primeiro capítulo prenunciava uma história de sucesso. De todos os lotes leiloados por Dilma, a BR-163 teve a menor tarifa de pedágio, graças à ajuda do Dnit. Um ano e meio depois do leilão, o segundo capítulo mostra um abismo entre o público e o privado, colocando em xeque o modelo "híbrido" da presidente.
A concessionária Rota do Oeste, controlada pela Odebrecht, já cuida de 453 dos 850 quilômetros do trecho concedido. No percurso sob sua responsabilidade, os buracos são página virada e a sinalização é farta. O pavimento foi totalmente recuperado e ela duplicou 23 quilômetros de pistas em um dos pontos mais críticos da BR-163: a chegada ao terminal ferroviário da América Latina Logística (ALL) no município de Rondonópolis.
Com três mil empregados nos canteiros e 760 máquinas em operação, os trabalhos estão a todo vapor. Duas usinas próprias de asfalto, com tecnologia alemã, foram instaladas às margens da rodovia. Já foram desembolsados R$ 450 milhões dos R$ 2,8 bilhões de investimentos previstos nos cinco primeiros anos de contrato. Até agosto, serão pelo menos 45 quilômetros de pistas novas, o que faz a concessionária atingir a marca de 10% da duplicação exigida pelo governo para o início da cobrança de pedágio.
"A ordem é antecipar o que for possível. Em março de 2016, teremos 125 quilômetros de vias duplicadas, com um nível de qualidade impecável", afirma o presidente da empresa, Paulo Lins.
Enquanto isso, a anemia financeira vivida pelo Dnit deixa em estado de semiabandono boa parte dos trechos que a autarquia deveria estar duplicando, apesar de fazerem parte da concessão. Nesses trechos, que somam 397 quilômetros de extensão, a Rota do Oeste só oferece serviços básicos, como guinchos e ambulâncias, mas até a conservação da pista existente fica a cargo do poder público. Resultado: caminhões ziguezagueiam para desviar de crateras abertas no pavimento.
Para minimizar o desgaste à sua imagem, a Rota do Oeste encheu a BR-163 de placas com indicações exatas de onde começam e onde terminam os pontos sob sua gestão. "Daqui a poucos meses vamos pagar pedágio para trafegar em uma pista que está mal conservada", lamenta Edeon Vaz Ferreira, diretor-executivo do Movimento Pró-Logística, formado por entidades ligadas ao agronegócio.
Segundo ele, os usuários da rodovia estão felizes com as obras da concessionária, mas têm dificuldade em entender por que certos trechos ficaram sem nenhuma melhoria. "Não tenho dúvidas de que haverá mal-estar da população."
Dona de uma barraca de panelas e artesanato à beira da estrada, no município de Jangada, a vendedora Lurian de Souza acha um absurdo pagar pedágio. "A rodovia só piora. A cada dia aparece um buraco novo", diz a matogrossense de 20 anos, com a impaciência de quem mede os prejuízos não pelo custo do frete, mas pela vida que se faz ainda mais difícil.
Lurian cursa nutrição em uma faculdade de Cuiabá. O ônibus que ela pega demora duas horas, em média, para percorrer um trajeto de apenas 70 quilômetros. "E todas as semanas tem acidente com carretas por aqui", acrescenta a vendedora e estudante, temendo pela própria segurança.
O cipoal de contratos assinados pelo Dnit com várias empreiteiras deixa trechos da BR-163 com ritmos de obras completamente diferentes entre si. Só os trabalhos de duplicação da rodovia envolvem seis lotes. A conservação da pista existente teve licitações à parte. "Eles lançam um edital na praça, uma empresa que se sente prejudicada entra na Justiça e pronto: ninguém mais consegue avançar", comenta o diretor do Movimento Pró-Logística.
Um retrato da confusão é a tentativa de contratar uma empresa justamente para a manutenção do trecho onde Lurian arrisca sua vida. O pregão realizado pela autarquia foi vencido pela Técnica Construções, uma subsidiária da Delta, declarada inidônea pela Controladoria Geral da União (CGU). Desde o ano passado, a Técnica busca forçar a assinatura do contrato. Só conseguiu abrir caminho para isso com uma decisão favorável do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, que o Dnit precisa acatar. Independentemente do desfecho da briga judicial, o período de chuvas começou e terminou sem que um buraco tenha sido tapado.
Em outros pontos da estrada, foi a penúria orçamentária que ditou a velocidade dos trabalhos. "Coincidentemente, o ritmo de obras diminuiu bastante logo depois das eleições", afirma o senador Wellington Fagundes (PR-MT), que coordena a recém-criada Frente Parlamentar de Logística de Transportes e Armazenagem.
Em São Pedro da Cipa, um pequeno município ao sul do Estado que servia de base para as operações de um dos consórcios responsáveis pela duplicação nos trechos do Dnit, houve uma ciranda de calotes. Sem receber da autarquia pelos serviços executados, as empreiteiras contratadas deram o cano até no prefeito, Alexandre Russi - dono de postos de gasolina, ele fornecia combustível e alugava tratores ao consórcio, que lhe deve R$ 3 milhões.
"A Operação Lava-Jato nos afetou", diz Russi, lembrando que a empreiteira Mendes Jr., uma das investigadas pela Polícia Federal, fazia parte do consórcio. A cidade de 5 mil habitantes, que viveu dias de euforia com a chegada das construtoras, teve um reforço de R$ 60 mil por mês na arrecadação de ISS e pôde sonhar: mais de 250 moradores de São Pedro da Cipa foram empregados, o valor das casas triplicou, a prefeitura conseguiu asfaltar as ruas de terra.
A euforia desapareceu e hoje o clima é de incertezas: mais de 80% dos trabalhadores foram dispensados e as indenizações têm sido pagas à medida que recursos são liberados no orçamento federal. O consórcio deve R$ 150 mil de ISS e a cidade só não para por causa de pequenas obras que recebem verbas de emendas parlamentares, como uma pracinha às margens da BR-163. "O povo não culpa o prefeito, nem culpa as empresas, que não têm como pagar sem receber. O povo culpa a Dilma", sentencia Russi, à espera de dias melhores, de um novo capítulo com histórias felizes, de uma rodovia inteiramente duplicada e segura.

ANTT recebe missão de estudar o reequilíbrio financeiro do contrato
O governo já abriu discussões com a Rota do Oeste, concessionária da BR-163 no Mato Grosso, para ela assumir a recuperação e a manutenção de trechos que ficaram sob responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) na rodovia. As obras de duplicação, no entanto, devem continuar a cargo da autarquia.
Sob pressão política e na iminência do vexame de autorizar a cobrança de pedágio com longos trechos em más condições, o governo resolveu adotar uma postura mais pragmática e incumbiu a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) de promover um reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, segundo fontes oficiais ouvidas pelo Valor.
"Essa é a forma mais eficaz de resolver rapidamente o problema. A rodovia precisa emergencialmente de trabalhos iniciais para a recuperação do pavimento", diz o presidente da Rota do Oeste, Paulo Lins, referindo-se aos trechos mantidos sob cuidados do Dnit. "Estamos dispostos a entrar, e rápido, em trabalhos que vão além de uma operação tapa-buracos. Podemos fazer sinalização, serviços de drenagem e recomposição de obras de arte, como fizemos nos trechos sob nossa responsabilidade. Mas essa é uma decisão que cabe exclusivamente ao poder concedente."
Para amortizar investimentos que não estavam previstos inicialmente no plano de negócios da concessionária, o governo teria que estender a vigência do contrato - a duração original é de 30 anos - ou aumentar a tarifa de pedágio dos usuários. Uma terceira hipótese, que é a União pagar diretamente a concessionária pelas obras adicionais, está fora de questão por causa das atuais restrições orçamentárias.
Para a concessionária, a extensão do prazo contratual não é atrativa em termos de fluxo de caixa. A concessão já é longa e os investimentos são pesados no período inicial. Além disso, obrigações adicionais devem exigir mais "equity" dos acionistas, pois o financiamento está fechado.
Lins deixa clara sua preferência por um aumento da tarifa autorizada. "O patamar tarifário atual permite a mitigação do problema", lembrando que a proposta vencedora do leilão tinha 52% de deságio sobre o valor máximo definido pelo governo.
Para Edeon Vaz Ferreira, do Movimento Pró-Logística, é preciso tomar cuidado. O pedágio, que ainda não está sendo cobrado, tem o valor de R$ 2,66 por cada 100 quilômetros. "Se a tarifa ficar acima de R$ 3, já compromete os ganhos com redução de combustível, de freios e de manutenção dos caminhões", argumenta.
O importante, na visão do senador Wellington Fagundes (PR-MT), é resolver logo. "Enquanto estudam uma solução, continua morrendo gente", diz. Não é mera figura de linguagem. Os acidentes no trecho entre Sinop e Itiquira tiveram 108 vítimas fatais somente no ano passado.
Em resposta a questionamentos feitos pelo Valor, o Dnit informou que está em processo de contratação dos dois lotes ainda sem nenhuma obra de duplicação da rodovia. As propostas das construtoras interessadas ocorreu no dia 12 de maio e o valor orçado das obras é de R$ 427 milhões para os dois trechos, que somam 108,2 quilômetros de extensão. Está sendo usado o regime diferenciado de contratações públicas (RDC) e o prazo para a entregar das vias totalmente duplicadas é de três anos e meio.

Nos outros quatro lotes, segundo a autarquia, os trabalhos estão em execução. O percentual de obras realizadas varia de 5% a 97%, conforme o trecho. Ao todos, esses contratos totalizam R$ 1,116 bilhão e devem ser concluídos até agosto de 2017, segundo a assessoria do Dnit.

Valor Econômico, 08/06/2015, Especial, p. A12

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