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Mineradoras doam mais à disputa pela Câmara

Valor Econômico, Política, p. A8
17 de Set de 2014

Mineradoras doam mais à disputa pela Câmara
Empresas destinam 42,3% às campanhas proporcionais, 30,4% às presidenciais e 5,5% a candidatos ao Senado

Raphael Di Cunto
De São Paulo

Com um novo marco legal para ser discutido no próximo governo, o setor de mineração e metalurgia se movimenta intensamente nesta eleição para eleger interlocutores e distribuiu até agora pelo menos R$ 91,5 milhões para campanhas de todo o país, mostra levantamento do Valor na segunda parcial da prestações de contas entregue ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), referentes à doações e despesas até o dia 2 de setembro.
A próxima legislatura será determinante para os negócios destas empresas. O atual Código da Mineração, de 1967, precisa ser reformado e vai mexer com questões vitais para o setor, como quem tem prioridade para exploração de lavras minerais e o valor dos royalties pagos. O governo Dilma já tentou alterar a legislação nestes quatro anos, mas a votação foi barrada por divergências com o relator do projeto e as mineradoras.
Há também interesse em outras matérias que se arrastam há anos no Congresso Nacional e pouco andaram nesta legislatura, como a proposta de emenda constitucional que transfere do Executivo para o Legislativo a decisão sobre a demarcação de terras indígenas e o projeto de lei que regulamenta a mineração nestas áreas.
Não por acaso, o destino principal de doações diretas foi para candidaturas à Câmara dos Deputados. Dos R$ 32 milhões distribuídos a candidatos, 42,3% foram investidos na eleição para a Casa - onde o projeto tramita atualmente. Os senadores ficaram com 5,5% do bolo, e as campanhas presidenciais, com 30,4% (R$ 9 milhões).
As mineradoras também fizeram aportes para os partidos, que repassam o dinheiro para os candidatos de sua preferência. Foram R$ 59,5 milhões doados desta maneira. Até este ano, esse tipo de transferência servia para mascarar a origem do recurso em relação ao candidato, mas o TSE mudou a legislação para que seja obrigatório informar a fonte.
Para Maurício Guetta, advogado do Instituto Socioambiental (ISA), é recorrente no Brasil que os setores que mais dependem de regulação do Estado ou tenham negócios com os governos sejam os maiores doadores das eleições. "Via de regra, mineração, construção civil e os bancos são os que mais doam dinheiro para campanhas, principalmente para o Poder Legislativo, para tentar influenciar ao máximo possível o processo", afirma.
Único que aceitou falar abertamente sobre as doações, o diretor-presidente do Grupo Rima, Ricardo Vicintin, afirma que procurou ajudar a eleição de deputados que trabalham a favor do setor produtivo: "Não compro nem vendo nada do governo, não faço isso para me beneficiar. A única coisa que quero é alguém para defender os interesses legítimos da empresa, que não deixe que o setor seja prejudicado".
O Grupo Rima, que é líder na produção e comercialização de ligas à base de silício no Brasil e um dos únicos produtores de magnésio primário do mundo, foi um dos principais doadores do setor, com R$ 2,38 milhões. Vicintin diz que o foco da companhia não é a mineração, mas a metalurgia, e que seu interesse no novo Código da Mineração é pequeno.
"Nossas contribuições são para pessoas que têm coragem de tomar posição, que não ficam em cima do muro e defendem os interesses do setor produtivo", afirma. As doações foram concentradas nas campanhas para deputado federal e para a candidatura do ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Fernando Pimentel (PT) ao governo de Minas Gerais.
O mapa das doações do setor mostra uma predileção por quem está no poder. O partido que mais recebeu recursos foi o PMDB, com R$ 22,1 milhões para seus diretórios nacional e estaduais e R$ 2,6 milhões diretamente para seus candidatos. A legenda controla o Ministério de Minas e Energia desde 2005 e, com a segunda maior bancada da Câmara, indicou o relator do Código da Mineração, Leonardo Quintão (MG).
A segunda agremiação com maior volume de doações foi o PT, no governo federal desde 2003. Mas, enquanto os diretórios pemedebistas ficaram com a maior parte dos recursos, no PT imperou a doação direta para os candidatos, que registraram receita de R$ 12 milhões. Número inflado pela candidatura à reeleição da presidente Dilma Rousseff (PT), que ficou com dois terços do total. Já os diretórios do PT receberam R$ 8 milhões.
O PSDB foi o terceiro em arrecadação das empresas de mineração e metalurgia. Foram R$ 4,2 milhões diretamente para candidatos e R$ 5,7 milhões para os diretórios da legenda. O número pode ser considerado até baixo, já que os tucanos governaram nos últimos quatro anos os maiores Estados em produção mineral: Minas Gerais (em que o vice-governador, do PP, assumiu em abril), Pará, Goiás e São Paulo.
Apesar de vir do maior Estado minerador do país, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) seguiu o desempenho de seu partido e ficou atrás do PT na arrecadação de campanha. O tucano recebeu R$ 2,4 milhões das empresas de mineração e metalurgia nos dois primeiros meses da eleição presidencial, contra R$ 8 milhões de Dilma. Aécio teve como principal doador entre as mineradoras a Votorantim. Já a petista ficou com R$ 5 milhões da Vale, R$ 2 milhões da Votorantim e R$ 1 milhão da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM).
Marina Silva (PSB), cujas posições preocupam o setor, não registrou recursos. Ela assumiu a candidatura no lugar de Eduardo Campos (PSB), que morreu em um acidente aéreo, apenas no dia 20 de agosto e a conta corrente da campanha foi liberada só nos últimos dias da prestação de contas. Antes, Campos tinha recebido R$ 900 mil de empresas da área.
No ranking por empresas, a Vale reina absoluta, com R$ 52,8 milhões distribuídos nos dois primeiros meses da campanha, embora não tivesse aparecido até agora em nenhuma lista dos maiores doadores desta eleição. Ocorre que a companhia, que é a maior mineradora do país, dividiu suas contribuições pelo CNPJ de seis empresas do grupo, o que dificultou a identificação.
Por meio de sua assessoria, a Vale informou que não comentaria as doações. A empresa já apareceu como uma das maiores doadoras de 2010, quando destinou R$ 42 milhões para as campanhas, e em 2006, quando, segundo levantamento do Valor à época, foi o grupo que mais deu dinheiro para os deputados federais - ajudou a eleger 46.
Também aparecem como grandes doadoras até este momento da disputa a ArcelorMittal (R$ 13 milhões), Votorantim (R$ 6,8 milhões), CBMM (R$ 4,8 milhões), Grupo Rima (R$ 2,38 milhões) e Gerdau (R$ 2,3 milhões). Todas são tradicionais financiadoras de campanhas eleitorais e é provável que os números aumentem até o fim da eleição - a próxima prestação de contas é no dia 30 de outubro.
O grupo Votorantim afirmou que implantou um manual de conduta para garantir uma "condução corporativa" do processo, tendo como base "a consciência do papel social e democrático" da empresa, e que entre as regras está o atendimento a "todos os critérios previstos na legislação em vigor, em consonância com os pressupostos de ética e transparência". A Gerdau disse que segue rigorosamente a legislação eleitoral vigente. As outras empresas preferiram não se manifestar.

Setor representa 42% da receita de relator

De São Paulo

Os integrantes da comissão especial criada para discutir o novo Código de Mineração na Câmara dos Deputados receberam R$ 10 milhões de empresas de mineração e metalurgia nos dois primeiros meses da campanha, mostra levantamento do Valor, com contribuição do Valor Data, nas prestações de contas entregues ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). As doações representaram 35% de tudo que os titulares do grupo receberam até agora e 20% da arrecadação total dos suplentes.

Há uma semana, seis organizações da sociedade civil entraram com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para afastar o deputado federal Leonardo Quintão (PMDB-MG) da relatoria do projeto de lei do novo código na Câmara. O argumento é de que o pemedebista seria suspeito para relatar o tema por ter recebido recursos de mineradoras que somaram 20% de toda a sua arrecadação em 2010.

"Os processos legislativos devem atender a fins exclusivamente públicos, de modo que não é constitucional o favorecimento a determinado setor", afirma Maurício Guetta, advogado do Instituto Socioambiental (ISA), um dos que subscreve a ação.

O grupo, que ontem foi apoiado por 130 entidades em carta anexada ao processo, também se baseia no Código de Ética da Câmara, que diz que é quebra de decoro um deputado relatar projeto "de interesse específico de pessoa física ou jurídica que tenha contribuído para o financiamento de sua campanha eleitoral". As entidades entraram com recurso à presidência da Câmara, que foi negado, e agora recorrem ao STF. O ministro Luiz Fux, que já deu parecer contra o financiamento privado de campanhas em julgamento recente, foi sorteado relator do processo.

Quintão diz que não vê conflito de interesse em receber recursos de mineradoras para sua campanha eleitoral e relatar o novo código do setor. "São doações dentro da legislação eleitoral, com total transparência, todas públicas. Ilegal seria receber por fora", afirma. "Andei mais de 20 Estados discutindo desde associações de garimpeiros até as maiores empresas. Os trabalhadores, entidades do meio ambiente, todos contribuíram."

O pemedebista acusa as entidades de adotarem posições "fundamentalistas" com base em "suposições levianas". "Não agi por interesse do setor. Pelo contrário, aumentei em quatro vezes a tributação do minério de ferro, que corresponde a 85% de toda arrecadação de royalties do país, e reduzi a dos minérios sociais, como a areia", diz.

Na campanha deste ano, Quintão recebeu R$ 1 milhão em doações de empresas de mineração e siderurgia, equivalente a 42% de toda sua arrecadação até dois de setembro. O relatório dele para o projeto desagradou ao governo, que queria estabelecer a alíquota dos royalties por decreto e fazer licitações para as lavras - hoje quem pediu para pesquisar a região primeiro tem prioridade. O pemedebista seguiu o posicionamento do mercado nesses temas e o impasse barrou a votação.

Outro que recebeu dinheiro das mineradoras foi o presidente da comissão, deputado Gabriel Guimarães (PT-MG), registrou duas doações, da Votorantim e da CBMM, que somam R$ 200 mil - ou 20% de tudo que ele arrecadou até dois de setembro. "Não há conflito de interesses. Sou de um Estado produtor mineral. Assim como recebi apoio do setor produtivo, tive apoio também dos municípios mineradores e dos trabalhadores em mineração."

Dos 25 titulares da comissão que são candidatos este ano, 15 receberam recursos das mineradoras ou metalúrgicas que somaram R$ 7,1 milhões. Outros 12 deputados, dos 27 que atuaram como suplentes no colegiado e que são candidatos este ano para cargos no Legislativo, tiveram doações de R$ 2,9 milhões.

O maior volume de doações foi para a deputada Rose de Freitas (PMDB-ES), que concorre ao Senado Federal. Ela recebeu R$ 1,4 milhão do setor, equivalente a 96% de tudo que arrecadou. A doação foi feita pela Copper Trading, empresa do setor que pertence a seu suplente, o empresário Luiz Pastore (PMDB).

Valor Econômico, 17/09/2014, Política, p. A8

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