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Mentira plantada

FSP - https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/
08 de Mar de 2022

Mentira plantada
Bolsonaro usa potássio russo como pretexto para acelerar agenda antiambiental

8.mar.2022 às 21h30

Jair Bolsonaro (PL) usou os horrores da guerra na Ucrânia para tentar avançar a mineração em terras indígenas da Amazônia, uma conhecida obsessão de seu governo.
O mandatário alegou que, com a regulamentação do projeto de lei 191, de 2020, poderia diminuir a dependência nacional de fertilizantes da Rússia, como o potássio, com exportação ora suspensa.
Nessa campanha desonesta, conta com a cumplicidade do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para conferir urgência ao que não tem. O deputado não poupa esforços nem manobras para estourar a boiada antiambiental, como propôs o então ministro Ricardo Salles na famigerada reunião do gabinete dois anos atrás.
A poderosa bancada de parlamentares ligados ao agronegócio apoia o projeto -nos piores casos, porque interessa a latifundiários e grileiros a precarização das terras indígenas. Quanto à eventual falta de fertilizantes a ser desencadeada pela crise ucraniana, os argumentos se mostram fragílimos.
Nem sequer há evidência de jazidas significativas de potássio nos territórios cobiçados. O engodo presidencial foi apontado por Raoni Rajão, da Universidade Federal de Minas Gerais. Segundo o pesquisador, dados da Agência Nacional de Mineração e do Serviço Geológico do Brasil escancaram a mendacidade de Bolsonaro na questão.
Levantamento de Rajão com Bruno Manzolli, noticiado pelo Valor Econômico, indica que o Brasil tem reservas de potássio suficientes para abastecer o agronegócio até o final deste século. Mais que isso, dois terços das jazidas estão fora da Amazônia Legal.
Do que se encontra na região, um décimo apenas das reservas conhecidas envolve alguma superposição com terras indígenas -todas não homologadas, diga-se. Entre aquelas com reconhecimento pleno do poder público, há zero de potássio. Reportagem publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo autoriza conclusões semelhantes.
A guerra de Vladimir Putin, autocrata visitado por Bolsonaro na antevéspera da agressão à Ucrânia, não oferece justificativa nenhuma para acelerar a anuência da mineração em terras indígenas. É mais uma mentira do presidente.
A Constituição não veda a lavra de riquezas minerais nessas áreas, mas estabelece em seu artigo 231 que, uma vez regulamentada, ela só poderá ser feita após ouvidas as comunidades afetadas. É claro o objetivo de proteger os recursos ambientais necessários ao bem-estar e a perpetuação desses povos.
Não parece plausível que, com uma legislação aprovada no Congresso, Bolsonaro vá conseguir reverter esse direito fundamental de veto fixado pela Carta.
A persistirem na ofensiva, os ruralistas mais afoitos se arriscam a colher obstáculos judiciais e abalar a reputação de seus produtos no mercado internacional.
editoriais@grupofolha.com.br

https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2022/03/mentira-plantada.shtml

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