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Megarreserva indígena em Roraima

OESP, Notas e Informacões, p. A3
29 de Dez de 2003

Megarreserva indígena em Roraima

O que mais surpreendeu no anúncio feito pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, de que o governo decidiu homologar a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, considerada a mais polêmica e conflituosa do País - porque na área há dois municípios e forte atividade agrícola, com grandes fazendas de arroz -, foi o curto prazo em que se fixou a expectativa do ministro, no tocante à solução dos conflitos nessa região. Será que na reunião havida entre o titular da pasta da Justiça, o governador de Roraima, Flamarion Portela, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pouco antes do anúncio da homologação, teriam surgido luzes especiais e inesperadas, para a solução de um velho problema - de pelo menos 20 anos?
Com efeito, disse Thomaz Bastos que a União está negociando áreas, em outras regiões de Roraima, com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), para abrigar as famílias que serão retiradas da reserva, aduzindo: "Nós faremos tudo com a máxima serenidade. Não é necessário pressa nem conflito." Mas se, como informa o próprio ministro, a homologação será feita pelo presidente Lula já em janeiro, em tão poucos dias as negociações com as partes já estarão concluídas, os agricultores já estarão satisfeitos com suas transferências forçadas e a paz já estará reinando no lugar?
Não se discuta aqui o critério técnico - histórico, antropológico, socioeconômico ou de que natureza seja - de assegurar uma área de 1,6 milhão de hectares (a segunda maior reserva indígena da Região Norte, ficando só atrás da ianomâmi, também em Roraima), exclusivamente para cerca de 15 mil índios macuxi, ingaricó, taurepangue, uapixana e patamona. A questão é o respeito ao trabalho e ao desenvolvimento das famílias que há muito produzem naquelas terras, em suas propriedades rurais, e aos que habitam as duas cidades - Uiramutã e Pacaraima - que ficam dentro da reserva Raposa Serra do Sol. Os moradores não índios reivindicavam que a demarcação fosse feita em forma de ilhas, deixando fora do território indígena as propriedades rurais e as duas cidades. Será fácil, para eles, deixarem o lugar onde já têm raízes, criam os filhos e asseguram seu meio de sobrevivência?
Por outro lado, o governador do Estado resiste à demarcação sob o argumento de que, com ela, Roraima terá controle de apenas 30% de seu território. Pois os outros 70% pertenceriam à União, já que constituem terras indígenas, florestas nacionais e áreas de preservação. E aqui é bom registrar a preocupação de que, na possível negociação para instalação dos agricultores deslocados da nova reserva indígena em "outras áreas em Roraima", como referiu o ministro Bastos, venha se desrespeitar as restrições ambientais impostas à área de preservação ou florestas - já que não se imagina que se encaminharão os deslocados para outras reservas indígenas...
Concordamos plenamente com o ministro da Justiça, no sentido de que "não é necessário pressa nem conflito" nessa questão. Mas tememos que, justamente, a pressa do governo, nessa homologação, possa logo se transformar em um fator de sérios conflitos - acirrando os que já existem. É preciso levar em conta que, além dos conflitos fundiários que se intensificam no campo, por força dos movimentos dos sem-terra e suas invasões, especialmente de fazendas produtivas, são cada vez mais preocupantes aqueles envolvendo grupos indígenas, em suas lutas com posseiros, trabalhadores sem-terra e empregados de fazendas.
Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, mil índios caiovás-guaranis invadiram a Fazenda Agrolac, em Iguatemi, exigindo a ampliação da aldeia Porto Lindo, de 1,600 hectares para 9.470 hectares. Mesmo havendo pedido de reintegração de posse, os caciques que chefiam o grupo invasor afirmam que não deixarão a fazenda pacificamente, por que não realizaram uma invasão, mas sim "retomaram as terras, definitivamente". Por sua vez, os índios xavantes tentam voltar às terras da Fazenda Suiá-Missu - de onde foram expulsos há 49 anos, segundo alegam. E por esse motivo o bispo de São Félix do Araguaia (MT), d. Pedro Casaldáliga, que defende essa reivindicação, está sendo ameaçado de morte. Será, mesmo, que a nova megarreserva de Roraima poderá ser homologada no mês entrante "sem conflito"? Esperemos que o ministro Bastos tenha encontrado a fórmula mágica.

OESP, 29/12/2003, Notas e Informacões, p. A3

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