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Marco temporal é mau negócio para o agro

O Globo - https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2023/10/
Autor: GUIMARAES, André; MOUTINHO, Paulo
24 de Out de 2023

Marco temporal é mau negócio para o agro
Haverá prejuízos enormes para a produção agrícola. Algo que poderá atingir proporção significativa do PIB

Por André Guimarães e Paulo Moutinho
24/10/2023 00h05 Atualizado há 19 horas

Manchete nacional! O Congresso acaba de aprovar um projeto de lei que estabelece um marco temporal para o direito de propriedade de agricultores e pecuaristas. A partir de uma data ainda a definir, todos os títulos de propriedade registrados em cartórios de imóveis perderão a validade. É claro que essa manchete não apareceu em jornal algum, e esperamos que nunca apareça. Afinal, fere direitos adquiridos que precisam ser respeitados. Certo?

O Projeto de Lei do Marco Temporal (PL 2.903/23) foi aprovado no plenário do Senado e vetado pelo presidente Lula. O veto será analisado pelos parlamentares, que podem mantê-lo ou derrubá-lo. O texto propõe uma nova regulamentação para o artigo 231 da Constituição Federal, que trata do reconhecimento, da demarcação e do uso e da gestão de terras indígenas. Trocando em miúdos, a proposta, em última instância, extingue o procedimento de demarcação de novas terras indígenas e implode o direito fundamental e sagrado dos povos originários às suas terras. Por si só, é algo absurdo, de uma imoralidade atroz. E mais. Aos povos afetados, foi negado direito a uma consulta livre, prévia e informada.

Mas, afinal, qual a motivação desse PL? Se for aquela, baseada no argumento de evitar que novas demarcações de terras indígenas sigam em frente, obstruindo o avanço da produção agrícola do país, avisamos logo que tal motivação se transformará num tiro - político - no pé daqueles que a fomentam. Além do ataque aos direitos humanos, o marco temporal, se sancionado pelo presidente da República, trará prejuízos enormes justamente para a produção agrícola. Algo que poderá atingir proporção significativa do PIB brasileiro.

Estudo recente do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam Amazônia) - com quase 30 anos de existência e de que fazemos parte - mostrou que a aprovação do PL poderá gerar desmatamento de até 55 milhões de hectares de florestas nativas, resultando numa emissão de dióxido de carbono equivalente a 14 anos de emissões nacionais. E mais, outro estudo do Ipam concluiu que o estabelecimento do marco temporal colocará em risco o papel das terras indígenas de atuar como "refrigeradores" gigantes da região e do país.

Descobriu-se que as terras ocupadas pelos indígenas apresentam uma temperatura em média de 2 oC abaixo das áreas ocupadas para produção. Em algumas regiões, como na Bacia do Rio Xingu, a diferença pode chegar a 5 oC. Pode parecer pouco, mas a manutenção das terras indígenas e a demarcação de outras é de vital importância para a manutenção do efeito refrigerador, pois é ele que propicia um regime de chuvas minimante equilibrado, capaz de manter a lavoura irrigada. Portanto o respeito ao direito indígena a suas terras, além de sagrado e justo, é fundamental para a economia do país. Atentar contra esse direito e propor barreiras a seu exercício é atentar contra as gerações futuras de brasileiros. Sejam indígenas ou não.

*André Guimarães é diretor executivo do Ipam Amazônia, Paulo Moutinho é cientista sênior do Ipam Amazônia

https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2023/10/marco-temporal-…

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