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Mapa menos verde

CB, Brasil, p. 8
26 de Jan de 2007

Mapa menos verde
Governo lança cartas geográficas que registram efeitos da devastação da Floresta Amazônica. É a primeira vez que sociedade tem um retrato completo da região, incluindo os efeitos da expansão agrícola e territorial

Hércules Barros
Da equipe do Correio

O verde do mapa brasileiro começa a dar lugar a outras tonalidades. A Amazônia Legal está sofrendo os efeitos da expansão do país. Nas fronteiras com o Centro-Oeste e o Nordeste, a tonalidade esmeralda começa a ser engolida por cores quentes como o laranja e o amarelo, símbolos do desmatamento e da devastação. O movimento ascendente foi iniciado há décadas nas regiões Sul e Sudeste e pode pôr fim às bacias hidrográficas e áreas de floresta de dimensões continentais. Formada por nove estados - Acre, Pará, Amazonas, Amapá, Roraima, Rondônia, Mato Grosso, Tocantins e Maranhão -, além de cinco municípios de Goiás, a região sofre pressão de rodovias, exploração de recursos naturais e da expansão agrícola e urbana.

O quadro pintado para a área que representa 59% do território brasileiro está representado pela primeira vez em um conjunto cartográfico desenvolvido pelo Ministério do Meio Ambiente, em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As ilustrações foram apresentadas ontem pela ministra Marina Silva, na sede do IBGE, no Rio de Janeiro. "É a primeira vez que se tem a consolidação de dados sobre a Amazônia, juntando as diferentes informações num mesmo mapa. E isso é muito importante para o processo de planejamento da região. Esse planejamento ficará em cima dos Zoneamentos Ecológico-Econômicos dos estados da Amazônia Legal, que vêm sendo feitos pelos diferentes estados", explicou.

Por meio de 10 mapas, a região é retratada na distribuição espacial de várias atividades humanas que impactam o ambiente amazônico, como o desmatamento, a mineração, a pecuária e as lavouras. Em proporção territorial, Rondônia apresenta a pior situação, com 28,5% do estado sofrendo o efeito do deflorestamento. Mas, a maior área desmatada da Amazônia Legal está situada no Pará, com 207.085km². Seis dos 10 municípios no ranking da devastação estão situados naquele estado: São Félix do Xingu, Paragominas, Marabá, Santana do Araguaia, Cumaru do Norte e Santa Maria das Barreiras.

Os desenhos mostram ainda como e onde a floresta sofre ação da pecuária extensiva e da lavoura da soja, bem como das intervenções em larga escala das obras de infra-estrutura previstas pelos governos e da ocupação desordenada do solo. "O esgotamento do cerrado está visível. Grosso modo, grande parte devido à produção de soja que já atingiu áreas do norte do Mato Grosso", destaca Adma Hamam de Figueiredo, coordenador do IBGE.

A influência da diversidade sociocultural também está registrada e traz um panorama das diversas identidades culturais que compõem a Amazônia contemporânea com forte presença nordestina, de migrantes do Sul e do Sudeste e de migrantes da própria região. A expectativa do ministério é que o material sirva como instrumento para a avaliação dos impactos de ações predatórias e ajude a conciliar desenvolvimento com sustentabilidade. A vasta extensão de área a ser protegida e a falta de fiscalização são entraves a serem superados. "O Estado é inoperante para viabilizar essa proteção", acredita Figueiredo.

PAC
A almejada transversalidade ambiental passa longe do próprio governo federal. Há exatos cinco dias, durante o anuncio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no Palácio do Planalto, não se discutiu os temas ligados ao meio ambiente. Os ambientalistas de plantão até comemoraram o fato de questões como uma nova usina nuclear e reserva de área para a construção de hidrelétrica terem ficado de fora do discurso do PAC, mas o sonho não durou muito tempo.

Em sua apresentação, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, falou em incentivar o avanço da fronteira agrícola sem fazer referência à necessidade de analisar o impacto dos investimentos na Amazônia. Os mapas da Casa Civil mostraram a integração viária das rodovias a serem construídas, as hidrovias e a integração viária e logística da Amazônia. "A tendência é que se repita o processo de devastação ocorrido em rodovias criadas em Tocantins e no Maranhão para escoar madeira e grão", afirma o geógrafo Aziz Nacib Ab Saber, da Universidade de São Paulo (USP).

Autor do livro Amazônia, do discurso à práxis, o especialista critica o núcleo duro do governo e considera em vão o "cuidado" ambiental do MMA com o planejamento da construção da BR 163. "Quando o governo descobrir, os fazendeiros já exploraram há muito tempo", ressalta. Ele não acredita que a atual política tenha condições de promover desenvolvimento sustentável para a Amazônia e lamenta a ausência do Estado na região.

Para Aziz, a rodovia PA-150 é um exemplo do que pode acontecer com o norte da Amazônia Legal. O professor avalia que com a construção de rodovias no Norte sempre ocorre ocupação de um lado e outro da estrada em um raio de 3,5 quilômetros, seguido da abertura de ramais, sub-ramais e espinhela de peixe - áreas povoadas em torno de um eixo central, com uma série de vias paralelas abertas para os dois lados do eixo. "Isso cede a possibilidade do escoamento de grãos e madeira."

Os levantamentos estatísticos do IBGE mostram que, apesar da queda no desmatamento, a Amazônia Legal sofreu devastações de grande impacto. Em 17 anos de medição, os índices mais altos foram registrados em 1995 e 2004, com taxas anuais de desmatamento de 29.059km² e 27.429km², respectivamente. A alta em 2004 é atribuída ao aprimoramento nas tecnologias de detecção de desmatamento.

Para o ambientalista, o grande desafio é reverter as quase quatro décadas de padrão de crescimento econômico. "Setenta por cento do que foi desmatado na região está concentrado em 50km para cada lado das rodovias. Esse modelo destruiu 90% da Mata Atlântica", adverte.

Repensando a Amazônia Legal

O conjunto de mapas cartográficos do Ministério do Meio Ambiente não traz dados novos. O ano base da maioria das informações coletadas pelo IBGE é 2003 e tem como referência dados repassados pelos estados. O panorama mostra desde terras onde o ambiente natural está degradado a áreas com florestas preservadas. O trabalho foi desenvolvido dentro do Programa Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal.

Referência acadêmica em assuntos ligados à Amazônia, a geógrafa Bertha Becker não vê novidade nos mapas, mas considera importante o material estar acessível à sociedade civil para servir como fonte para as ações de fiscalização e cobrança de ações políticas. Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Becker destaca a exaustão nos debates sobre a região. "Temos é que mudar o modelo de desenvolvimento regional", pondera.

Para a pesquisadora é necessário o Brasil começar a pensar a Amazônia em dimensões sul-americanas e não mais como parte apenas do território brasileiro. De acordo com Becker, enquanto se discute a Amazônia Legal, "grupos internacionais" falam em iniciativas de integração física da Amazônia sul-americana e gestão das bacias hidrográficas da região. "Ou usamos os recursos sem destruir, enfrentando todos os interesses internos e externos, ou vamos perder de vez", profetiza. O mapeamento é justamente para evitar que a Amazônia seja alvo de interesses internacionais, na opinião do geógrafo Adma Hamam de Figueiredo, coordenador de geografia do IBGE: "Se a gente não se mapear, outro vem e faz".

Pelas contas do diretor de gestão ambiental e territorial da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável, Roberto Vizentin, 30% da Amazônia está comprometida. Ele reconhece que as unidades de conservação estão longe do ideal. "Falta fiscalização, ênfase na educação ambiental e o verde sair do discurso", avalia. Apesar das previsões nada promissoras, a expectativa do diretor da SDS é que o zoneamento sirva de subsídio e orientação para as decisões políticas de cada um dos dez estados integrantes da Amazônia Legal. "A Amazônia não é mais uma terra sem lei. As variáveis ambientais são fundamentais para as decisões do desenvolvimento", avalia.

O zoneamento ecológico-econômico é o principal dos 10 mapas elaborados. A carta traz a divisão do território em áreas com estrutura produtiva definida ou a definir, aquelas que devem ser recuperadas e reordenadas, as consideradas frágeis, onde há manejo florestal e as de proteção ambiental. (HB)

CB, 26/01/2007, Brasil, p. 8

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