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Mais sujeira após Bali

O Globo, Ciência, p. 35
18 de Dez de 2007

Mais sujeira após Bali
Defensor de metas para CO2, Reino Unido planeja agora investir em usina a carvão

Carlos Albuquerque

Um dos mais ativos defensores de metas ambiciosas para reduzir as emissões de C02 durante a conferência de Bali, que terminou sábado, o Reino Unido foi alvo de críticas ontem.
O governo britânico tem planos de construir usinas termoelétricas a carvão, a principal fonte de emissão de CO2 do planeta. Um dos maiores especialistas do mundo em aquecimento global, o americano James Hansen, da Nasa, disse ao jornal inglês "The Independent" que os planos minarão qualquer avanço de negociação obtido em Bali e a credibilidade do governo do premier Gordon Brown nas negociações do clima, que agora entram numa nova etapa.

Diretor do Centro de Estudos Espaciais Goddard, Hansen sofreu, por mais de uma vez, pressões da Casa Branca para não divulgar resultados de estudos sobre o aquecimento global. Os britânicos planejam construir oito usinas termoelétricas movidas a carvão, considerado o mais "sujo" dos combustíveis fósseis. Para os cientistas, tal medida vai contra a postura defendida pelo Reino Unido em Bali.

- Se o Reino Unido seguir em frente com esse projeto, tornará difícil convencer países como Índia e China a reduzirem sua utilização de fontes de energia movidas a carvão - declarou James Hansen. - Não há justificativa para o Reino Unido queimar mais carvão. O país faz isso desde o início da Revolução Industrial, há 250 anos.
Segundo o físico Luís Pinguelli Rosa, diretor da Coppe e presidente do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, ainda não há uma forma segura de queimar carvão.

- Existe uma tecnologia, que ainda está sendo estudada, que seqüestra os gases produzidos por essa queima, aprisionando-os geologicamente, colocando-os em poços em vez de jogá-los na atmosfera.

Ministro alemão critica EUA e Rússia
Para Pinguelli, que esteve em Bali durante a conferência, a reunião trouxe avanços "menores do que o necessário, mas maiores do que se esperava".

- O fato de os Estados Unidos terem cedido um pouco representa um avanço em relação às metas, ainda não definidas, para o período pós-Kioto, depois de 2012.

Já o ministro do Meio Ambiente da Alemanha, Sigmar Gabriel, criticou ontem os EUA e a Rússia por bloquearem as negociações durante a conferência e impedirem um avanço nas metas de redução de gases do efeito estufa.

- Os americanos só assinaram o acordo porque foram pressionados. Durante toda a reunião sua postura foi dedicada a bloquear os debates - disse Gabriel. - A conferência não acompanhou as revelações científicas sobre o tema dos últimos anos.

O impacto da conferência

Qual foi o resultado da conferência de Bali?
As duas semanas de negociações de representantes de 188 países resultaram num documento apelidado de "Mapa do Caminho de Bali". Ele tem um cronograma para negociar metas de redução dos gases do efeito estufa, transferir tecnologias limpas para os países em desenvolvimento, combater o desmatamento e limitar o impacto social e econômico das mudanças climáticas. Os países - EUA e China inclusive - concordam que é preciso reduzir as emissões, mas não há prazos nem cotas. O objetivo é chegar a um tratado para substituir o Protocolo de Kioto, que expira em 2012.

O que será feito de concreto?
Os países se comprometeram a negociar para chegar a um acordo pós-Kioto. Mas não se comprometeram a tomar qualquer medida concreta. Foi criado um fundo para países pobres, mas valores não foram determinados. A União Européia queria aprovar uma cláusula prevendo que os países industrializados reduziriam em 2020 suas emissões entre 25% e 40% abaixo dos níveis de 1990. Mas a cláusula foi vetada por EUA, Japão e Canadá. Analistas dizem que Bali foi um passo pequeno na direção certa. Mas, para evitar as mudanças climáticas, é preciso muito mais.

Qual a chance de evitar o caos no clima?
Cientistas consideram praticamente inevitável um aumento de 2 graus Celsius na temperatura média da Terra nas próximas décadas. Porém, se não houver cortes substanciais das emissões, a temperatura do mundo em 2100 poderá ser 6 graus mais alta do que a atual. Uma elevação desta magnitude ameaça a sobrevivência de muitas espécies e do próprio ser humano. A última mudança dramática de temperatura marcou o fim da última era glacial, há cerca de 12 mil anos. O IPCC é categórico ao afirmar que esse cenário pode ser evitado somente se o mundo começar a emitir menos gases-estufa agora. O processo de negociação apenas iniciado em Bali cria um intervalo de cinco anos antes que qualquer acordo seja implementado. Para muitos cientistas, é tempo demais.

Por quê a pressa?
O Relatório Stern (divulgado em 2006, sobre o impacto econômico das mudanças climáticas) salienta que quanto mais se demorar a agir, maior será o custo. Um número crescente de cientistas acredita que precisamos agir já para manter a elevação em 2 graus.

Quais serão os próximos passos?
A ONU deve patrocinar dois anos de negociações. Uma das mais importantes acontecerá em Poznam, na Polônia, em 2008. O ápice será a próxima conferência da Convenção de Mudanças Climáticas, em dezembro de 2009, em Copenhague, na Dinamarca.

Qual a importância da adesão americana?
É política. Para sair do isolamento e sob pressão, os americanos assinaram o documento na última hora. A Casa Branca reconheceu que é preciso fazer alguma coisa, mas não se comprometeu a dizer quando nem quanto.
Além disso, o isolamento aumentaria a chance de fracasso da reunião de grandes poluidores marcada pelo presidente George W. Bush, para janeiro, no Havaí. A UE ameaçou não participar. Qualquer decisão significativa será tomada pelo próximo presidente americano, eleito em novembro de 2008.

Por quê os EUA resistem tanto?
Os EUA já negociaram outras vezes e não cederam. Eram signatários de Kioto, mas Bush decidiu não ratificá-lo. Historicamente, o país é o maior emissor do mundo de gases do efeito estufa. Este ano, a China o passou em emissões totais de CO2, mas os americanos ainda têm a maior emissão per capta. A emissão anual per capta dos EUA é de 20 toneladas de CO2. Isso é o dobro da de outros países ricos, como o Reino Unido, e 20 vezes maior que a de nações pobres, como Moçambique.

O Globo, 18/12/2007, Ciência, p. 35

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