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Mais do que falta de chuva

OESP, Economia, p.B2
Autor: MING, Celso
07 de Mar de 2004

Mais do que falta de chuva
Mais do que pela falta de petróleo, o futuro do mundo vai sendo ameaçado pela falta de água doce. Além de comparecer com cada vez maior freqüência às discussões dos especialistas, esse é também o tema escolhido este ano para a Campanha da Fraternidade, promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
A população brasileira quase não tem consciência do problema. Se tivesse, não assistiria indiferente a tanto desperdício. Em São Paulo, as calçadas continuam sendo "varridas" com água esguichada por mangueiras; um grande número de postos de gasolina oferece lavagem grátis do automóvel para quem lá se abastece de combustível; os condomínios habitacionais cuidam mal dos vazamentos e das torneiras com defeito - porque a conta d'água é coletiva; e o reúso ainda é considerado excentricidade.
A falta de consciência do problema transparece até mesmo nos diagnósticos oficiais, quando das ameaças recorrentes de colapso do abastecimento. Na Grande São Paulo, por exemplo, o culpado acaba sendo sempre a falta de chuvas. Os levantamentos da Sabesp dão conta de que os índices pluviométricos desta estação estão 30% mais baixos que a média histórica.
Risco - Mas a professora Mônica Porto, do Departamento de Hidráulica da Poli-USP, coordenadora do Plano de Bacia do Alto Tietê, adverte que a escassez de chuvas não explica tudo. A demanda de água na Grande São Paulo está perigosamente próxima da capacidade de oferta:
é de 63 metros cúbicos por segundo, na média, para uma capacidade de produção de 68 metros cúbicos por segundo. "Nessas circunstâncias, qualquer déficit de chuva põe a região sob risco."
Ela observa, também, que, por falta de recursos, a Sabesp optou por dar prioridade à construção de sistemas de coleta de esgotos. O cenário previsto pelo Plano de Bacias é o de que, se a oferta de água se mantiver nos atuais níveis; se a população crescer 1,8% ao ano; e se o PIB crescer 3% ao ano - até 2010, a demanda acabará superando a oferta.
Para evitar o colapso, ou se aumenta a produção ou se diminui a demanda. No primeiro caso, o projeto mais ambicioso é o da captação do Rio Juquiá, na bacia do Rio Ribeira, a 100 quilômetros da Grande São Paulo, que aumentaria a oferta em até 60 metros cúbicos por segundo, o equivalente a dois sistemas Cantareira.
Mas projetos como esse são caros e de maturação demorada. Márcia calcula que o do Juquiá custaria US$ 3 bilhões e levaria pelo menos 10 anos para ser concluído. "Não há recursos para grandes expansões de oferta como havia na década de 1970, quando foi construído o sistema Cantareira", observa o professor Pedro Jacobi, do Programa de Pós-Graduação em Pesquisa Ambiental da USP.
Os especialistas apostam suas fichas em projetos de conservação e redução do desperdício. Embora o consumo médio residencial tenha caído de 190 litros por habitante em 1998 para 160 litros em 2001, o diretor de Produção e Tecnologia da Sabesp, Paulo Massato, acredita que ainda há muito a avançar.
Há dois tipos de desperdício. Há as chamadas "perdas físicas" - basicamente a água que não chega ao consumidor em conseqüência de vazamentos na rede. E há o desperdício propriamente dito, contado a partir da chegada à torneira, que corresponde a 40% do total entregue.
Custo - Não tem faltado criatividade nas iniciativas de combate ao desperdício, mas todas têm lá seus custos ou seus inconvenientes. Em Curitiba, por exemplo, uma lei municipal que ainda não entrou em vigor obrigará a instalação de medidores individuais de consumo nos edifícios com o objetivo de incentivar a economia de água. O problema é que, nos prédios já existentes, a adaptação das tubulações é inviável. "E a adoção nos imóveis a serem construídos aumentaria os custos da instalação hidráulica em até 15%", afirma o vice-presidente do Sinduscon-PR, Volmir Selig.
O professor Aldo Rebouças, do Instituto de Estudos Avançados da USP, recomenda a solução adotada no Canadá, de incentivar a substituição das válvulas de descarga convencionais nos sanitários por caixas acopladas, que consomem até 75% menos. Mas o próprio Rebouças reconhece que uma solução desse tipo provocaria outro problema, que é a quebra de arrecadação das distribuidoras de água, como aconteceu com as concessionárias de energia elétrica, durante a crise do apagão, em 2001.
Outra proposta é obrigar os edifícios a construírem "piscininhas" para armazenar água da chuva, como o município de Curitiba passou a exigir. "É uma medida que se destina mais a combater enchentes do que a obter água de outras fontes. Quando chove após um longo período de seca, a água não serve nem para lavar o chão, pois carrega todo tipo de sujeira", explica o professor Ivanildo Hespanhol, especialista em reúso de água da Poli-USP.
Enfim, seja pela ampliação da oferta, seja pela contenção da demanda ou, ainda, por uma solução mista, o problema terá de ser resolvido. E, quaisquer que forem as medidas adotadas para isso, haverá um custo a ser pago, provavelmente pelo consumidor final.
Com Danilo Vivan

OESP, 07/03/2004, p. B2

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