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06 de Set de 2024
Maior seca no país demanda um plano unificado
Como os eventos climáticos vieram para ficar, e deixaram de ser exceção para se tornar regra, criar padrões para sobreviver a eles tornou-se urgente
06/09/2024
O Dia da Amazônia, comemorado ontem, foi fúnebre. Com a maior seca desde 2010, Manaus, uma cidade onde confluem as águas dos rios Negro e Solimões, corre o inacreditável risco de ficar isolada por vias fluviais. Não está sozinha nesse flagelo: a estiagem, segundo o Cemaden, centro de monitoramento e alertas de desastres naturais, atinge 58% do território nacional e é a maior em 70 anos. São 24 Estados atingidos, mais o Distrito Federal.
A Amazônia registrou em agosto 38.266 focos de incêndio, que ampliam a destruição da maior floresta do mundo, já retalhada pelas ações do desmatamento ilegal, da exploração clandestina de madeira e do avanço do garimpo predatório patrocinado pelo crime organizado. A natureza humana tornou-se igualmente inóspita: a região tornou-se a mais pobre e violenta do país.
De imediato, os habitantes de Manaus, 2,3 milhões de pessoas, podem ficar sem comida e energia, enquanto o polo industrial da Zona Franca (ZFM) terá de arrumar formas alternativas de escoar sua produção, que, entre outras coisas, abastece o país de produtos eletroeletrônicos. Há mais que ataques domésticos à integridade ecológica da Amazônia. A seca foi potencializada pelo aquecimento das águas tropicais do Atlântico Norte (El Niño), deixando de enviar umidade e chuvas para a costa oeste do país e formando um corredor árido que desce pelo Pantanal e por parte do Cerrado até chegar ao Paraná. São Paulo, outrora preservado, passou a integrar a vasta e impressionante paisagem de incêndios.
A Amazônia é a área mais vulnerável do Brasil. Segundo levantamentos do MapBiomas, 17% da vegetação nativa foi destruída, ou 125 milhões de hectares, com viés de alta. Embora o levantamento anual aponte redução significativa de alertas de desmatamento, fruto da volta da vigilância governamental, aniquilada durante a gestão de Jair Bolsonaro, em julho e agosto o fogo voltou a se espalhar sem controle.
A destruição segue um padrão conhecido, reiterado por anos. Os incêndios irrompem ao longo das poucas estradas que rasgam a mata (BRs 163, 230 e 319), que servem de ponto de partida para picadas de desmatamento ilegal rumo ao interior, formando as conhecidas "espinhas de peixe" a partir da coluna das rodovias. O padrão de devastação das florestas segue o desenho do conhecido Arco do Desmatamento, linha curva que une o sudeste do Pará, sul do Amazonas e Rondônia, cortado pelas rodovias Belém-Brasília e Cuiabá-Porto Velho. Os principais municípios dos 256 deste arco foram objeto de atenção nos dois primeiros mandatos de Lula, com resultados positivos, e voltaram a preocupar agora.
O que parecia inimaginável, os rios amazônicos transformados em fios de água, pode se tornar desoladora rotina com o aquecimento global. A ameaça imediata é de isolamento de toda a população amazonense, que se comunica, vive, comercia e se locomove por vias fluviais. O virtual isolamento de Manaus e das comunidades ribeirinhas é um infernal desafio humano e logístico. Centros de abastecimento começaram a ser montados a alguma distância da capital. A partir deles, embarcações menores, que não enfrentam as barreiras das maiores, detidas pela profundidade reduzida dos rios, poderiam cumprir sua função de distribuição com algum sucesso. A empreitada enfrentará o obstáculo da pirataria fluvial, praga que se espalhou na região.
A repetição de secas e queimadas exige padrões de enfrentamento regulares e automáticos. O Brasil não está preparado para isso, mas precisa estar. É uma questão de vida e morte para as comunidades ribeirinhas, às quais se junta agora a capital do Estado. A dificuldade de locomoção dos barcos - 70% do volume de cargas que entra e sai de Manaus são feitos via cabotagem - torna difícil a distribuição de alimentos e combustíveis, além do escoamento da produção da ZFM. Para a população do interior do Estado, não apenas novos suprimentos de comida serão escassos, mas, sem energia, mesmo os que foram estocados por precaução se perderão por falta de refrigeração.
Atacar o desmatamento ilegal, adaptar-se e combater as mudanças climáticas deveriam fazer parte do mesmo conjunto integrado de ações. Elas hoje, segundo especialistas, são atomizadas, de alcance pontual e com pouca escala. O acordo entre os três Poderes recém-concluído pode facilitar as próximas ações. É prioritário criar um mercado de compra e venda de emissões de carbono, forma mais direta de obter recursos volumosos, suficientes para manter a floresta em pé, evitar o desmatamento e custear a recuperação das áreas degradadas. O projeto de lei 182/2024 continua preocupantemente parado no Senado.
O governo tem vários planos no forno, como o Plano Clima de Adaptação e o Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa, que deveriam sair do papel logo. Assim como foi possível agregar obras de infraestrutura em um PAC, seria possível unir os programas ecológicos sob o guarda-chuva de uma comissão executiva ambiental. Como os eventos climáticos vieram para ficar, e deixaram de ser exceção para se tornar regra, criar padrões para sobreviver a eles tornou-se urgente.
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