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A luta indígena por uma maior participação política

Pensar Verde, n. 5, jul.-set. 2012, p. 24-27
Autor: TUKANO, Álvaro Sampaio
31 de Jul de 2012

A luta indígena por uma maior participação política

Álvaro Tukano

No Brasil, existem atualmente mais de 230 povos indígenas, segundo dados do Instituto Socioambiental (ISA), o que totaliza 817.963 mil índios, dentre os quais'315.180 vivem em cidades e 502.783 em áreas rurais. Esse número representa cerca de 0,4% da população brasileira, de acordo com dados do Censo IBGE 2010. Essas populações estão distribuídas em 688 terras indígenas e em algumas áreas urbanas. Há dez anos, esse número era de 753 mil índios, conforme dados do Censo IBGE 2000.
Grande parte desses povos tem suas vidas nas mãos de órgãos governamentais, como a Fundação Nacional do índio (Funai), criada em 1967 em decorrência da extinção da antiga Secretaria de Proteção aos índios (SPI), criada em 1910 e extinta em 1967. As atribuições da Funai consistem em fiscalizar e garantir que a Política Indigenista do Estado brasileiro seja cumprida. O principal objetivo da política indigenista hoje é a preservação das culturas indígenas, com medidas que garantam a posse de suas terras e o desenvolvimento de atividades educacionais e sanitárias.
É, também, papel da Funai motivar a elaboração de políticas de desenvolvimento sustentável das populações indígenas aliando a sustentabilidade econômica à socioambiental; controlar e minimizar possíveis impactos ambientais decorrentes de interferências externas às terras indígenas; monitorar as terras indígenas que já são regularizadas e outras que sejam ocupadas por populações indígenas, incluindo as isoladas e de recente contato; praticar políticas de proteção aos povos isolados e recém-contactados, além de implementar medidas de vigilância, fiscalização e de prevenção de conflitos em terras indígenas,
Paralelo a esse apoio governamental recebido pelos índios, vem o desenvolvimento da história desses povos no Brasil. História esta marcada por confrontos territoriais e por busca de autonomia cultural, os índios tiveram suas riquezas humanas e naturais exploradas por povos que não pensavam na preservação. Voltados para interesses pessoais, os não indígenas impuseram sua cultura e determinaram critérios de convivência e futuro, visando sempre à integração dessa população à sociedade e até mesmo à extinção da população indígena. Apesar da luta indígena ter mudado um pouco, a preocupação com sua cultura e com as terras que habitam continua em sua pauta de reivindicações.
Após a década de 60, a Amazônia brasileira passou a ser alvo de disputas territoriais e de uma política de ocupação demográfica e desenvolvimento econômico, o que piorou a situação indígena com,relação à demarcação de terras. Foi a partir da década de 70 q os índios começaram a se reunir em assembleias indígenas para protestar contra o desrespeito às suas terras. No fim dessa mesma década, a questão cultural começou a entrar na pauta de reivindicações indígenas. Surgiu, então, a preocupação em elaborar novos parâmetros de convivência entre os indígenas e as populações do entorno. Até 1988, a Política Indigenista brasileira estava centrada nas atividades voltadas à incorpo¬ração dos índios à comunhão nacional.
Foi então que a Constituição Federal de 1988 iniciou um novo texto, o qual excluía palavras como "integração" ou "incorporação". A partir da Constituição de 1988, foram reconhecidos organização social, costumes, línguas, crenças, tradições e direitos originários sobre as terras que os indígenas ocupavam desde sempre. Porém, a mudança na legislação não se moveu na prática tanto quanto na teoria. É comum o desacerto entre os textos das leis e as políticas praticadas nas aldeias. Um bom exemplo são os prazos estabelecidos e nunca cumpridos para a conclusão dos processos de demarcação das terras indígenas.
Apesar do amparo constitucional estabelecido pela CF 1988 e dos direitos conquistados pelos povos indígenas ao longo dos anos, a situação hoje é de tensão e espera pela votação da proposta de Emenda à Constituição - PEC215/2000. A proposta tem como objetivo levar ao Congresso Nacional a atribuição de demarcar e homologar terras indígenas e quilombolas e áreas de conservação ambiental. A PEC 215, que está em tramitação desde 2000, foi aprovada em março deste ano pelas bancadas ruralista e evangélica na Comissão de Constituição e justiça e Cidadania. A proposta foi encaminhada para a Comissão Especial.
A falta de delimitação e demarcação dos territórios tradicionalmente ocupados pelos índios resulta na falta de proteção dos seus habitantes, facilitando a invasão e utilização dessas áreas por outras atividades como agropecuária, mineração, extração de madeiras, construção de hidrelétricas e rodovias. O futuro da sobrevivência desses povos depende tanto dessa delimitação territorial, quanto da proteção do meio em que vivem, agregando a isso a preservação da biodiversidade local.
A reivindicação dos índios para os poderes públicos é que haja mais políticas públicas voltadas para a população indígena; a demarcação de suas terras, além da rejeição à PEC 215. Muitos protestos vêm acontecendo em todo o Brasil e as reivindicações permeiam outros segmentos sociais como saúde e educação indígena. Eles solicitam a garantia de recursos financeiros suficientes para a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), órgão do Ministério da Saúde criado em 2010 para proteger e recuperar a saúde indígena. A criação desse órgão era uma reivindicação antiga dos povos indígenas. Porém, faltam remédios nos postos de atendimento das aldeias de algumas regiões, o número de profissionais de saúde é insuficiente e há muita dificuldade para transportar os doentes até as cidades.
Na área educacional, também existem discussões a respeito dá participação dos povos e das organizações indígenas na implementação dos territórios etnoeducacionais. Os indígenas cobram, também, uma reestruturação da Funai, visando â garantia de recursos financeiros e humanos para superarem a insatisfação nas várias regiões do país e assegurar a participação indígena nas lideranças e organizações do órgão, bem como um maior engajamento na formulação do regimento interno da Funai e em todo o processo de implementação e controle social da reestruturação do órgão.
Os índios já conseguiram avançar em sua luta e adquiriram espaço na política, como o direito a concorrer a cargos públicos como prefeito, vereador, deputados estadual e federal. Também conquistaram a elaboração da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), criada em 2006, onde os próprios índios dão suas opiniões na elaboração de políticas públicas para a comunidade. Desde 2007, a CNPI realiza reuniões bimestrais para discutir o assunto, com a presença de 13 representantes do governo - entre eles membros da Presidência da República e de Ministérios que têm relação direta com a comunidade indígena, como os da justiça, da Saúde, da Educação e do Meio Ambiente-; 20 indígenas-sendo que apenas dez deles têm direito a voto na Comissão-; e dois representantes de entidades da sociedade civil que lutam pelos direitos indígenas.
A CNPI é uma grande conquista para a comunidade indígena. É o espaço hoje, no Brasil, para que os povos indígenas possam exercer algum controle social sobre as políticas públicas feitas para eles mesmos. Há outros conselhos no país que permitem a participação de representantes indígenas para discutir temas característicos, como o Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi), responsável por apresentar políticas para o fortalecimento da saúde em cada região. Contudo, em nenhum deles os índios têm direito a voto como na CNPI. Ainda assim, a CNPI não tem sido suficiente para a representação da população indígena, pois a atribuição da Comissão tem caráter sugestivo e não deliberativo.
Em um país democrático como o Brasil, ainda falta uma maior representatividade dos povos indígenas na política. É dever dos governos.trabalhar em conjunto com os povos indígenas para elaborar leis que sejam de consentimento de todos, principalmente dos mais afetados e dos mais beneficiados por elas.

Pensar Verde, n. 5, jul.-set. 2012, p. 24-27

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