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Lobby e cadeia produtiva sao incluidos na norma ISO social

OESP, Negocios, p.B20
16 de Mar de 2005

Lobby e cadeia produtiva são incluídos na norma ISO social
Grupo de trabalho da regulamentação, reunido em Salvador, decide ampliar discussão do conceito
Andrea Vialli
O desafio de tornar a responsabilidade social um valor mais enraizado na estratégia e nas atitudes empresariais, em vez de só um conjunto de ações de cunho social e filantrópico, foi a tônica das discussões do grupo de trabalho que se reuniu durante toda a semana passada, em Salvador, para discutir os rumos da ISO 26000, a norma internacional de responsabilidade social. Foram mais de 300 representantes de 45 países, egressos da indústria, governos, universidades e sociedade civil organizada.
O evento, primeiro de uma série que vai tecer o conteúdo da norma, trouxe à tona aspectos que muitas empresas preferem não encarar, como a indústria do lobby e a responsabilidade social na cadeia produtiva, que envolve clientes, fornecedores e prestadores de serviço. O objetivo é trazer a dimensão ética e o respeito ao consumidor para o centro da gestão sustentável.
Um exemplo parte da AccountAbility, organização internacional para uma contabilidade mais ética, que aponta para a necessidade do "lobby responsável", uma vez que a prática é constante em todos os países do mundo, dado o envolvimento dos negócios com a política.
A discussão teve início com o lançamento do Pacto Global (Global Compact) pelas Nações Unidas em 1999, quando o secretário-geral Kofi Annan clamou às empresas do mundo todo para uma globalização mais humanitária. O combate à corrupção é um dos dez princípios do Pacto. O Brasil é um dos países com mais empresas signatárias - superam 150. Agora, a AccountAbility, em conjunto com as Nações Unidas, está fazendo uma espécie de mapeamento da indústria do lobby no mundo todo, com os setores e países em que esse tipo de ação é mais forte.
Promoverá ainda workshops com públicos-chave, como empresários, políticos, lobistas e sociedade civil para identificar boas práticas, os principais obstáculos e oportunidades. O estudo vai resultar em um relatório, previsto para ser lançado em maio deste ano, que terá ampla divulgação e o endosso do Pacto Global.
Para Joe Sellwood, consultor da Atitude, empresa especializada em desenvolvimento sustentável e parceira da AccountAbility para projetos no Brasil, o tema é complexo e não será tão fácil diferenciar uma empresa com boas práticas daquelas que resvalam na corrupção. "Há exemplos nos dois extremos. Uma empresa com boas práticas pode influenciar políticas públicas, o que é um caso de lobby positivo", avalia Sellwood.
O estudo que será encabeçado pela AccountAbility vai propor maior transparência nas negociações entre empresas e governos, o que será estimulado no âmbito da ISO 26000, que deverá prever o engajamento mais estruturado das partes interessadas nas questões de responsabilidade social. "A prática do lobby é antiga, mas hoje já pode ser considerada um posicionamento de risco, porque as empresas estão sendo cada vez mais pressionadas sobre seu relacionamento com a sociedade", ressalta Sellwood.
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), que participou do grupo de trabalho como representante dos consumidores, defende que a responsabilidade social deve nortear toda a cadeia de negócios da empresa, do fornecedor ao pós-consumo. "Em tempos em que a terceirização é uma realidade cada vez mais presente, temos que olhar a cadeia produtiva antes de avaliar se uma empresa é socialmente responsável", afirma Lisa Gunn, coordenadora institucional do Idec. "Uma empresa pode até não ser responsável legalmente pelo que sua contratada faz, mas existe o comprometimento moral", ressalta Lisa, relembrando o caso dos fornecedores asiáticos da Nike na década de 1990, que utilizavam mão-de-obra infantil.
Sellwood, da Atitude, sustenta que a ISO 26000 funcionará, para as empresas brasileiras, como uma porta de entrada para os mercados internacionais. "É a oportunidade das empresas terem um diferencial sustentável. E entre os países emergentes, o Brasil já possui uma boa reputação nesse sentido", conclui.
Mas, apesar dos esforços, a norma deverá atrasar um pouco. As discussões de Salvador resultaram em um primeiro rascunho, que será aperfeiçoado na próxima reunião do grupo, em agosto, na Tailândia. De acordo com Jorge Cajazeira, presidente do grupo de trabalho responsável pela formulação da ISO, a maior dificuldade dos trabalhos é obter consenso sobre o que pode ser chamado de responsabilidade social. "Chegamos a temer o grau de debate que houve entre as partes interessadas. Serão necessários mais do que três anos para compor a norma, devido às divergências", explica Cajazeira. "Há quem diga, por exemplo, que a filantropia é errada, porque as empresas acabam fazendo o papel dos governos, o que não cabe a elas", completa.

"Empresa válida" é novo conceito para o alto escalão
Inovação: A lógica capitalista reza que a função de toda empresa é gerar lucro. Em tempos globalizados, em que a atividade das corporações está cada vez mais em evidência, produzir resultado financeiro satisfatório já não basta. "É preciso que as empresas obtenham um lucro admirável, reconhecido por toda a sociedade como merecido", aponta José Carlos Teixeira Moreira, presidente do Instituto de Marketing Industrial (IMI). Criado na década de 1970, o Instituto atua na disseminação do conceito do marketing industrial - direcionado a empresas, diferente do marketing de consumo, dirigido ao consumidor final. No ano passado, o IMI se desdobrou na Escola de Marketing Industrial, que se dedica a ampliar os horizontes conceituais do alto escalão do empresariado brasileiro. O conceito da "empresa válida", formulado pelo consultor Nélio Arantes em 1994, é o ponto de partida da cartilha do IMI. "São os mesmos preceitos utilizados para designar uma empresa socialmente responsável", diz Moreira Essas empresas têm diferenciais como a capacidade de evolução deliberada - o aprendizado contínuo, independente de crises; a capacidade para reter e desenvolver talentos (e não simplesmente "mão-de-obra'); a construção e manutenção de relações significativas com clientes, colaboradores, acionistas; a prática de princípios de conduta afinados com os da sociedade e o uso produtivo e racional dos recursos.

OESP, 16/03/2005, p. B20

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