VOLTAR

Livro de jornalista de MS mostra repressão da ditadura militar aos índios

Campo Grande News campograndenews.com.br
Autor: Helio de Freitas
27 de Abr de 2017

A ditadura militar, que oprimiu os movimentos de esquerda e perseguiu adversários do regime de 1964 a 1985, também fez vítimas entre os povos indígenas brasileiros. E foi justamente em plena ebulição dos anos de chumbo que surgiu um dos principais líderes dos povos indígenas do país, o sul-mato-grossense Marçal de Souza Tupã'i.

O nascimento político do maior líder dos guaranis e a ameaça que sua atuação representava para o governo militar fazem parte do livro "Os fuzis e as flechas - A história de sangue e resistência indígenas na ditadura", do jornalista e escritor sul-mato-grossense Rubens Valente.

Hoje à noite, Valente participa de um debate na sede da Uems (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul) em Dourados, a 233 km de Campo Grande, para falar sobre o livro. Amanhã (28), o jornalista fala sobre sua obra na UFMS, em Campo Grande.

Repórter premiado do jornal Folha de São Paulo, Rubens Valente falou ao Campo Grande News sobre o livro, que mostra a perseguição, a violência e a política repressiva adotada pelos militares também contra os povos indígenas.

História para todos - "O livro pretende mostrar a história dos povos indígenas para o público em geral, não só para antropólogos e indigenistas. É uma releitura daquele período, mostrando as vítimas que o governo militar causou com seus projetos de desenvolvimento e da própria resistência indígena. Teve grupo que reagiu, inclusive de forma violenta, contra a abertura de estradas e outros projetos", afirmou o jornalista.

Segundo Rubens Valente, ao mesmo tempo em que reprimia os índios, a ditadura viu surgir a primeira organização indígena brasileira, a UNI, no final da década de 70. "A reunião que sedimentou essa organização ocorreu em Campo Grande, no Teatro Glauce Rocha, com a participação do Marçal de Souza".

Índios de MS - O jornalista afirma que os índios de Mato Grosso do Sul tiveram papel importante nessa resistência ao regime militar, representados por Marçal de Souza, que foi morto em Antônio João, em 1983.

"Um documento interessante que trago no livro é um relatório confidencial da Funai na época, de 1976, mostrando como o Marçal era visto como um ativista político nas aldeias e como ele incomodava por causa da suas críticas à política indigenista. Há agora uma comprovação de que ele era um alvo político da ditadura", explicou.

Segundo o jornalista, o documento releva que Marçal de Souza articulava os outros índios para que eles criticassem o governo militar e a política indigenista da época. "A partir daí o Marçal foi levado de uma aldeia para outra. Ele era enfermeiro da Funai, que o punia com essas transferências".

Valente afirma que, apesar das transferências, Marçal de Souza conseguia burlar o "exílio" usando uma bicicleta para ir a diferentes aldeias do estado. "Há testemunhos de que ele pedalava 60, 70 quilômetros para organizar o povo guarani, e onde ele era uma voz poderosa nas assembleias indígenas".

Com a capa estampando o rosto de Marçal de Souza, o livro conta outras três situações envolvendo índios de Mato Grosso do Sul no regime militar, como as transferências forçadas dos Ofaié-Xavante e dos guaranis.

"Os militares simplesmente transferiam os índios de um lugar para outro, como se fossem objeto. Foi um grande erro, porque os índios regressaram ou tentaram regressar às suas terras e esse foi um processo muito doloroso", afirmou Valente ao Campo Grande News.

Ódio e preconceito - Fugindo um pouco do material coletado e incluído no livro, Rubens Valente comenta sobre o preconceito que existe contra os povos indígenas no Brasil.

"Com a internet hoje é possível ter uma boa visão desse ódio, desse rancor e raiva contra os índios. Fica bem claro nas redes sociais, caixas de comentário de notícias e blogs que parte da sociedade demonstra ignorância sobre os índios. Algumas pessoas falam que não gostam de índio e eu pergunto quantos índios elas conhecem e em quantas aldeias estiveram. Geralmente a resposta é nenhum e nunca estiveram em nenhuma", afirma o jornalista.

Rubens Valente diz que seu livro, lançado no início deste mês, procura ajudar também na produção de conhecimento e informação, para que as pessoas saibam que o que acontece hoje tem relação com o passado. "O preconceito tem a ver coma desinformação e ideias erradas. O presente reflete algo que aconteceu no passado e colabora com a situação atual".

https://www.campograndenews.com.br/cidades/interior/livro-de-jornalista…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.