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Línguas em risco de extinção

O Globo, Planeta Terra, p. 14-15
11 de Out de 2011

Línguas em risco de extinção
Projetos de preservação das culturas nativas ganham força na América Latina

Elisa Martins
ciencia@oglobo.com.br
Cidade do México especial para O Glogo

Quando os portugueses chegaram ao Brasil, há mais de 500 anos, existiam no território cerca de 1,2 mil línguas indígenas.
Hoje, apenas 180 sobrevivem - sendo que 140 delas são faladas por menos de mil pessoas. Especialistas consideram que todas as línguas indígenas brasileiras estão, em maior ou menor grau, em perigo de extinção.
A novidade é que, na contramão do domínio do português como língua oficial, surgem projetos de registro e recuperação das línguas nativas, com a formação de professores indígenas que reforçam sua utilização e o ensino em suas comunidades. Outros países da América Latina apresentam esforços semelhantes.
- É uma tarefa urgente. Quando uma língua desaparece, a perda não é só linguística, é cultural - disse ao GLOBO o diretor do Laboratório de Linguística da Universidade de Brasília, Aryon Rodrigues, durante o IV Encontro de Línguas em Perigo, no Museu de Antropologia da Cidade do México. - Algumas iniciativas ainda estão desencontradas porque, no Brasil, persiste a ideia de que curso de línguas tem que ser de idiomas estrangeiros. Mas batalhamos para que isso mude.
No Brasil, segundo Rodrigues, a língua com maior número de representantes atualmente é a tikuna, falada no Noroeste do Amazonas e na fronteira com a Colômbia e o Peru.
São 30 mil falantes, 20 mil deles em território brasileiro e os demais nos outros dois países. Entre as línguas menos ativas há casos alarmantes como o da xetá, no Paraná. Apenas dois conhecedores, já anciãos, estariam registrados - um deles é surdo.
Em 2009, organizações Vinculadas ao Ministério da Educação abriram oportunidades de projetos de educação para povos indígenas. A Universidade de Brasília passou a formar profissionais indígenas e não-indígenas para documentar e descrever línguas nativas brasileiras. O objetivo era não só conhecer esse acervo, mas garantir sua preservação.
A universidade também passou a contar com indígenas que ainda falam a língua materna em um programa de pós-graduação em linguística.
Já passaram por ali representantes das etnias baníwa (Alto Rio Negro, Amazonas), kamayurá (Alto Xingu, Mato Grosso), tikuna (Alto Solimões, Amazonas), kaxinawá (Acre), xokléng (Santa Catarina) e guarani-nhandéva (Espírito Santo).
Além disso, um ano antes, segundo Aryon, a Universidade de Brasília e a Fundação Nacional do Índio (Funai) estabeleceram um acordo de reserva de vagas para estudantes indígenas.
A Funai passou a financiar seu deslocamento e estadia em Brasília para que eles seguissem cursos considerados de maior interesse para as comunidades indígenas.
No Chile, escolas do ensino fundamental adotaram desde o ano passado o ensino das línguas indígenas mais ativas no país, como aymara, quéchua, mapuzugun e rapa nui. As aulas são dadas por falantes das línguas indígenas, apoiados por professores formados.
- Antes, havia oficinas de cultura, mas muito folclorizadas. Agora, o ensino é obrigatório e existe um foque curricular, embora com uma grande limitação - contou ao GLOBO a coordenadora de formação da Universidade de Santiago do Chile, Elisa Loncon Antileo, durante o IV Encontro de Línguas em Perigo no México. - O programa só pode ser aplicado em escolas com um mínimo de 20% de alunos indígenas, em uma restrição de direitos.
A especialista, de origem mapuche, conta que o próximo desafio é emplacar em novembro, no Congresso chileno, uma lei de direitos lingüísticos que reconheça as línguas indígenas como nacionais - a Constituição só reconhece o espanhol como oficial. A proximidade com o forte movimento estudantil chileno pode ajudar. Segundo Elisa, o movimento assumiu entre suas demandas o ensino bilíngue para crianças indígenas e a criação de universidades indígenas.
- A manutenção da língua está ligada ao nosso futuro como povo.
Não podemos renunciar a ela - concluiu. - O avanço na revitalização das línguas em risco acontece principalmente porque há um grupo de indígenas que já não sente vergonha da sua origem.
Já no México, país de pouco mais de seis milhões de falantes de alguma língua indígena, os programas de preservação esbarram na diversidade de um universo de 89 línguas, com 364 variantes linguísticas.
Para determinar prioridades, o Instituto Nacional de Línguas Indígenas (Inali) as distribui de acordo comseus níveis de risco e segundo variáveis como número de falantes, percentagem de falantes de 5 a 14 anos e número de lugares em que se fala a mesma variante linguística. Considerar apenas uma destas variáveis não é suficiente para se conhecer a real situação de uma língua.
- O otomí, por exemplo, apesar de ser considerado de médio risco
de desaparecimento e ser falado em 92 comunidades por 2,14 mil pessoas, apresenta apenas 38 falantes de 5 a 14 anos - explicou a diretora de pesquisas do Inali, Rosa María Rojas Torres, no encontro. - Isso significa que as gerações recentes já não usam a língua, e potencialmente não a ensinará a seus filhos.
Na semana passada, organizações governamentais assinaram um acordo para registrar, preservar e ensinar nas escolas as únicas quatro línguas indígenas vivas no estado da Baixa Califórnia, no Noroeste do México: cucapá, kiliwa, paipai e kumiai. Iniciativas deste tipo buscam tornar o panorama menos alarmante.
Mesmo ameaçadas, as línguas indígenas podem ainda reservar surpresas. No Brasil, estima-se que existam entre 20 e 30 povos ainda totalmente desconhecidos, principalmente na região amazônica.
- Não se sabe que línguas eles falam, mas a política adotada atualmente é de não ter pressa, depois de anos de contatos desastrosos para os indígenas - concluiu Aryon Rodrigues.

Sem palavras

Culturas: Línguas são reflexo da diversidade cultural da Terra. Quando uma língua morre, um acervo imenso de conhecimento e tradições é perdido para sempre. Muito do que povos indígenas da Amazônia sabem sobre plantas e animais da floresta poderá ser perdido para sempre quando essas línguas sem escrita desaparecerem.

No Brasil: Antes do Descobrimento havia cerca de 1,2 mil línguas indígenas. Hoje restaram apenas 180. Destas, 140 são faladas por menos de mil pessoas.

Perto do fim: Existem pelo menos 500 línguas das quais restam menos de 10 falantes. Quando eles morrerem, levarão consigo uma parte fundamental de sua cultura.

E no meio do caminho: Estima-se que mais da metade das sete mil línguas que existem hoje no mundo terão desaparecido antes que este século termine.

A Bolívia: O país tem mais línguas do que toda a Europa. Mas elas estão em risco.

O Globo, 11/10/2011, Planeta Terra, p. 14-15

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