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Limitação de compra de terra por estrangeiros detona crise fundiária

OESP, Economia, p. B4
29 de Ago de 2011

Limitação de compra de terra por estrangeiros detona crise fundiária
Desde o ano passado, cartórios suspenderam registros envolvendo estrangeiros e multinacionais congelaram investimentos na área

Renée Pereira

As regras criadas pelo governo federal para limitar a compra de terras rurais por estrangeiros detonaram uma crise fundiária no Brasil. Desde agosto do ano passado, quando as restrições entraram em vigor, os cartórios pisaram no freio e suspenderam qualquer registro envolvendo sócios estrangeiros; bancos cortaram o crédito para atividades rurais; e as multinacionais congelaram investimentos.
As medidas já motivam até ações na Justiça para desfazer transações antigas. A confusão teve início no ano passado quando o governo soube do interesse de fundos soberanos internacionais na compra de grandes quantidades de terras no Brasil.
No auge da campanha eleitoral, coube à Advocacia Geral da União (AGU) encontrar uma saída para controlar a aquisição de imóveis por estrangeiros. Com base numa lei de 1971, a solução foi colocar todo mundo numa única cesta, seja pessoa física, investidores institucionais ou empresas brasileiras controladas por capital externo, afirmam advogados especialistas.
Segundo o parecer da AGU, de 23 de agosto de 2010, qualquer empresa controlada por capital externo tem de obter autorização do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ou do Congresso Nacional para concluir a negociação.
Na mudança, os cartórios viraram quase uma espécie de órgão fiscalizador. Além de controlar a extensão territorial de cada município nas mãos de estrangeiros, que não pode superar 25%, eles também precisam identificar se a empresa tem ou não capital estrangeiro. "O problema é que as companhias não têm obrigação de colocar na matrícula de seus imóveis as mudanças na sua situação acionária. Esse controle acaba ficando superficial", afirma o diretor do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB), Eduardo Augusto.
Com medo de serem punidos por algum erro no processo, os cartórios preferiram adotar a cautela e não fazer nenhum registro de aquisição por empresas que tenham sócios estrangeiros, mesmo que minoritários.
Justiça. A incerteza de conseguir ou não o registro já motivou a primeira ação judicial, que tramita em segredo de Justiça. O advogado Lutero de Paiva Pereira, do escritório Pereira & Bornelli Advogados Associados, conta que a transação foi feita há cerca de oito anos, num contrato de confidencialidade entre as empresas. A terra foi vendida e financiada diretamente com o proprietário. "Há um ano, o comprador estrangeiro parou de pagar as parcelas porque não conseguiu fazer o registro do imóvel."
Em maio, Pereira entrou na Justiça para devolver as terras ao vendedor. "Queremos que o negócio seja desfeito. O dinheiro será devolvido, mas sem os ganhos que o comprador teria com a propriedade durante esse tempo." A terra teria custado R$ 300 milhões. O advogado diz que, no momento, está fazendo a modelagem de outros processos semelhantes, que podem virar ações na Justiça.
Procurada, a AGU informou, em nota, que estuda junto com o Incra e os ministérios de Desenvolvimento Agrário, da Agricultura e de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior alternativas para contornar o problema. Entre as opções estão um possível aditamento do parecer de agosto ou a definição de um novo marco regulatório.

Controle superficial
Eduardo Augusto, diretor do IRIB
"O problema é que as companhias não têm obrigação de colocar na matrícula de seus imóveis as mudanças na situação acionária."

País pode perder até R$ 60 bi em investimento

Ao mudar as regras para proteger o País de capital especulativo e garantir a soberania nacional, o governo federal acabou acertando em cheio o setor produtivo. Empresas brasileiras com controle estrangeiro argumentam que as medidas criaram um ambiente hostil ao investimento. Há dúvidas tanto em relação ao futuro quanto às transações do passado. "As regras trouxeram muita insegurança jurídica. A legislação não é clara", afirma o advogado Ivandro Ristum Trevelim, do escritório Souza, Cescon, Barrieu & Flesch.
Reflexo disso é que o Brasil poderá perder cerca de R$ 60 bilhões de investimentos planejados até 2017. Os cálculos são da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) e incluem os setores de grãos, cana de açúcar e floresta plantada. "Do plano de expansão do setor de papel e celulose, entre US$ 7 bilhões e US$ 9 bilhões estão represados", diz a presidente da Associação Brasileira de Papel e Celulose (Bracelpa), Elizabeth Carvalhaes. Ela afirma que, curto prazo, a maior preocupação é com transações feitas no passado e que ainda não têm escritura.
A International Papel, maior companhia de papel e de produtos florestais do mundo, vive essa situação. Em 2008, uma empresa do grupo que detinha a posse de mais 500 hectares foi incorporada por outra companhia da holding. A transação exigiu um novo registro de imóvel, que ainda não foi realizado porque os cartórios se recusam a fazer a escritura com base nas regras atuais. Enquanto isso, as terras estão "sem dono". "Se eu fosse estrangeiro não ia querer correr o risco", diz Luiz Suplicy Hafers, conselheiro do argentino El Tejar. Segundo ele, os planos de expansão do grupo no Brasil estão em "banho-maria" até que toda essa insegurança seja resolvida.

OESP, 29/08/2011, Economia, p. B4

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