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Liminar do STF suspende portaria do trabalho escravo

O Globo, Economia, p. 25
25 de Out de 2017

Liminar do STF suspende portaria do trabalho escravo
E decisão da Justiça do Distrito Federal obriga governo a divulgar a lista suja dos empregadores

DANIEL GULLINO RENATA MARIZ E
economia@oglobo.com.br

-BRASÍLIA- Fortemente criticado no Brasil e no exterior por ter editado portaria, semana passada, revendo as regras para a fiscalização do trabalho escravo, o governo teve, ontem, duas derrotas no meio jurídico. A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu uma liminar suspendendo os efeitos da medida, sob o argumento de que a portaria "vulnera princípios basilares da Constituição, sonega proteção adequada e suficiente a direitos fundamentais nela assegurados e promove desalinho em relação a compromissos internacionais". Momentos depois, a Justiça do Trabalho do Distrito Federal, que havia determinado a publicação da lista suja do trabalho escravo pelo Ministério do Trabalho, informou que não cabe mais recurso contra a decisão, por esta ter transitado em julgado, ou seja, já passou por todos os recursos possíveis.
No caso da liminar do STF - solicitada em ação do Rede Sustentabilidade -, a decisão é provisória e precisa ser confirmada pelo plenário do tribunal. Rosa Weber pediu informações para o Ministério do Trabalho e abriu espaço para o posicionamento da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Procuradoria-Geral da República (PGR). Para a ministra, a medida pode comprometer os resultados de anos de "políticas públicas de combate à odiosa prática de sujeitar trabalhadores à condição análoga à de escravo".
Um dos pontos questionados por Rosa Weber foi a exigência de autorização do ministro do Trabalho para incluir novos nomes na lista suja do trabalho escravo e também para a divulgação desta. "São medidas administrativas que limitam e enfraquecem as ações de fiscalização".
A ministra também criticou a definição da portaria para escravidão, que só ocorreria quando há coação, cerceamento do uso de meios de transporte, isolamento geográfico, segurança armada para reter o trabalhador e confisco de documentos pessoais. Ela ressaltou que a definição é "mais sutil", e que o cerceamento pode decorrer de "diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos".
"O ato de privar alguém de sua liberdade e de sua dignidade, tratando-o como coisa e não como pessoa humana, é repudiado pela ordem constitucional, quer se faça mediante coação, quer pela violação intensa e persistente de seus direitos básicos, inclusive do direito ao trabalho digno", diz a decisão. Outro ponto questionado foi a vinculação dos conceitos de jornada exaustiva e de condição degradante com a liberdade de ir e vir. Segundo a ministra, não há essa relação.
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, voltou a criticar a portaria, ontem, durante sessão do colegiado. Para ela, o trabalho escravo "fere, sobretudo, a dignidade humana e não apenas a liberdade humana":
"O conceito de trabalho escravo adotado nesta portaria viola a Lei Penal brasileira, sobretudo o Artigo 149, que já tinha feito essa definição", disse. "Há, não apenas ofensa à lei, mas também ofensa direta a artigos da Constituição Brasileira", acrescentou, referindo-se à proteção da dignidade humana.
Já o processo na Justiça do Trabalho do DF é anterior à portaria. A ação foi protocolada em 2016 pelo Ministério Público do Trabalho, porque o governo não estava cumprindo determinação judicial que o obrigava a publicar o cadastro dos empregadores condenados administrativamente pelas infrações e atualizá-lo a cada seis meses no máximo. A decisão de derrubar a lista suja à qual a nota do Ministério do Trabalho se refere foi tomada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski no recesso judiciário, no fim de 2014, a pedido do setor da construção civil. A decisão caiu em meados de 2016. Mas só em 2017 o governo voltou a publicar a relação.
Apesar de determinação judicial para a retomada da publicação da lista suja, o governo, já na gestão Temer, acionou a Justiça para postergar a divulgação, alegando insegurança jurídica às empresas e danos à economia. O Ministério Público do Trabalho reagiu. Após uma guerra de decisões judiciais em torno da divulgação da lista suja, o governo foi obrigado a dar publicidade ao cadastro, o que só ocorreu este ano.
MINISTÉRIO DIZ QUE CUMPRIRÁ DECISÃO
Procurado sobre os eventuais efeitos da decisão, já que a portaria da semana passada mudou as regras de publicação da lista suja, o Ministério do Trabalho não respondeu. Porém, divulgou uma nota em reação à liminar do STF, em que classificou como "caráter precário" a medida tomada pela ministra Rosa Weber, alegando que a liminar foi concedida "sem ouvir a parte contrária". O órgão defendeu, ainda, que a legalidade da portaria foi atestada pela AGU, antes de ser publicada.
"Embora se trate de uma decisão monocrática de caráter precário, concedida liminarmente sem ouvir a parte contrária por Sua Excelência a ministra Rosa Weber, o Ministério do Trabalho desde já deixa claro que cumprirá integralmente o teor da decisão", diz a nota. A decisão da ministra é o primeiro revés concreto que a portaria sofre desde que foi publicada, na última segunda-feira, sob fortes críticas. A pasta não especifica, porém, quais alterações estão em estudo.

O Globo, 25/10/2017, Economia, p. 25

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