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Kararaô vem aí: projeto tem a simpatia dos principais candidatos às eleições presidenciais

Revista Ecologia e Desenvolvimento-São Paulo-SP
Autor: Carlos Tautz
10 de Jun de 2002

A construção da megahidrelétrica no rio Xingu, no Pará, consegue a simpatia dos adversários Fernando Henrique Cardoso, Lula e Garotinho. Deve começar a sair do papel antes do final do mandato do próximo presidente da República
Aqui vai uma péssima notícia para os ecologistas: o medo de um novo racionamento de energia e uma enorme articulação política devem fazer sair do papel até o final do mandato do próximo presidente um projeto potencialmente causador de enormes impactos ambientais e que desde os anos 80 vinha sendo adiado. É a construção da megahidrelétrica Kararaô, agora rebatizada Belo Monte, que a estatal Eletronorte planeja construir, junto com empresas privadas, no rio Xingu, no Pará, próxima à cidade de Altamira.
Agora, veja-se por que há quase certeza de que Kararaô/Belo Monte sairá em breve. O presidente Fernando Henrique Cardoso anunciou que vai lançar ainda em 2002 o edital de licitação para leiloar o direito de construção e exploração por 30 anos do gigante energético - apesar de o Ministério Público do Pará, estado em que a planta seria construída, garantir que continuará a tentar impedir que o projeto vá adiante, devido ao alagamento parcial da reserva indígena Paquiçamba.
Mas engana-se quem supõe que o sonhado superprojeto poderia terminar junto com o mandato de FHC. Todos os candidatos a presidente da República melhor colocados nas pesquisas de opinião já manifestaram, em suas propostas de governo para o setor elétrico, intenção de levar Belo Monte adiante. Ou seja: se a usina não deslanchar agora, tem tudo para consegui-lo em algum momento do mandato do próximo presidente - seja Lula (primeiro colocado, do PT) ou Garotinho, do PSB, que disputa o segundo lugar com José Serra (PSDB), que ainda não se manifestou a respeito, mas que nada indica que irá contrariar o atual presidente da República e manda-chuva dos tucanos.
O coordenador do programa de Lula para o setor elétrico, o físico Luis Pinguelli Rosa - diretor da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação (Coppe), da UFRJ - não explicitou no projeto elétrico petista a intenção de tocar a obra. Porém não faz segredo de que é a favor de Belo Monte. "O projeto do lago da usina foi revisto. É hoje apenas um terço do que era no projeto inicial. O impacto ambiental vai ser muito menor. A usina é um dos melhores empreendimentos energéticos do mundo. É necessário para sustentar com energia a retomada do crescimento", avaliou Pinguelli, cotado para pelo menos três ministérios em um governo Lula (Minas e Energia, Ciência e Tecnologia e Meio Ambiente).
Os formuladores do programa para o setor energético do pré-candidato Anthony Garotinho (PSB), que disputa o segundo lugar com José Serra (PSDB), foram mais longe do que o PT. Registraram a intenção de construir Belo Monte no seu programa para as áreas de minas e energia. Serra ainda não divulgou suas propostas para o setor de geração de energia. Mas, se considerarmos que elas não serão muito diferentes do que vem fazendo o presidente Fernando Henrique, é fácil imaginar qual é a opinião do candidato.
Em resumo: quem quer que seja o ocupante do Palácio do Planalto a partir de 1o de janeiro de 2003, já está anunciada uma boa vontade enorme de colocar a assinatura no projeto Kararaô.
O facão da índia Tuíra assustou Muniz em 1989
A idéia de construir a usina Kararaô - palavra de significado religioso - foi alvo de protestos no final da década de 80, quando angariou a rejeição de uma frente político-ambiental que reuniu figuras públicas nacionais e internacionais. Pois foi essa frente que, em uma audiência pública realizada em Altamira, gerou uma imagem que cimentou a rejeição ao megaprojeto.
Juntamente com a atriz Lucélia Santos e o roqueiro Sting, então militantes ambientalistas, os guerreiros caiapó protestavam em 1989 durante uma audiência pública que a Eletronorte convocara para discutir a obra com a sociedade - imposição na legislação ambiental que nascia na época. A eles se juntou Fábio Feldman, hoje coordenador da participação brasileira na Rio+10, e dezenas de correspondentes estrangeiros de todas as partes do mundo.
"Kararaô vai afogar nossos filhos", gritou um caiapó, dando a senha para a manifestação dos guerreiros. Mas, para surpresa de todos, foi a índia Tuíra quem não se conteve com a ameaça aos pequenos de sua tribo. Antes dos homens, irrompeu diante do presidente da estatal - José Muniz Lopes, no cargo até hoje - e o ameaçou com um facão que não parava de passar a milímetros do nariz do executivo. A foto de Tuíra desafiando um aterrorizado Muniz correu mundo e ajudou a engavetar o projeto até meados de 1999.
Apesar de a obra contar com a antipatia do Ministério Público Federal (MPF), que vê nela uma seqüência de irregularidades, o projeto vai em frente. A área que seria alagada para a formação do lago diminuiu de 1.200km2 para 400km2 - metade dos quais já seriam alagados pela cheia anual do Xingu, e estão projetadas várias ações de mitigação dos impactos socioambientais que serão causados.
O custo e a capacidade da usina lembram a época do Brasil Grande, quando as obras faraônicas se sucediam com a mesma facilidade com que os generais da ditadura queimavam os dólares do orçamento. Serão necessários perto de 15 bilhões de reais (cerca de 6,2 bilhões de dólares) para construir a usina de 11 mil MW (no Brasil, em capacidade, perderia apenas para os 12,4 mil MW de Itaipu, considerada a maior hidrelétrica do mundo).
Na ação que o MPF do Pará tem contra a Eletronorte - que desenvolve os estudos de impacto ambiental do projeto -, argumenta que "o formoso rio Xingu nasce na região leste do estado do Mato Grosso, mais precisamente a oeste da imponente serra do Roncador e ao norte da serra Azul, onde se encontram os rios Kaluene e Sete de Setembro, seus formadores. Após percorrer aproximadamente 2.100km, fertilizando várias terras indígenas e de brancos, deságua no rio Amazonas, através de uma foz de cinco quilômetros de largura ao sul da ilha de Gurupá, no estado do Pará". A bacia do Xingu, diz o MPF, estende-se por 450 mil km2 e seus igarapés serão atingidos pela barragem que terá de ser construída por Belo Monte.
O MPF também argumenta que a reserva Juruna Paquiçamba será impactada. "Com a interrupção do curso do rio, essas comunidades terão inúmeros complicadores, tais como a inviabilidade de locomoção, sobretudo nos períodos de seca do rio; a diminuição e provável extinção dos peixes (principal fonte alimentar), além da proliferação de diversas doenças que, se não forem controladas, podem levar a um processo de dizimação do grupo". A Eletronorte contesta. Observa que as águas da barragem ficarão de nove a dez quilômetros de distância de Paquiçamba, onde ainda vive Tuíra. Que permanece contrária à obra.

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