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Jurados de morte

CB, Brasil, p.14
20 de Abr de 2005

Jurados de morte
Relatório da CPT revela que cresceram os conflitos agrários nos primeiros dois anos do governo Lula, mas caiu o número de homicídios. Em 2005, onze militantes dos movimentos sociais foram assassinados
Paloma Oliveto
Da equipe do Correio
Essas pessoas que aparecem na foto, ao lado do bispo Tomás Balduíno, estão condenadas à morte. Motivo: a luta pela terra que, no ano passado, fez 39 vítimas. O documento Conflitos no Campo Brasil”, produzido pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), divulgado ontem, apontou que nos dois primeiros anos do governo Luiz Inácio Lula da Silva, praticamente dobrou o número de conflitos no campo, comparado aos dois últimos anos do governo Fernando Henrique Cardoso. Foram 2.733 ocorrências na gestão petista, contra 1.424 da administração tucana. A quantidade de mortes, porém, foi 46,6% menor do que em 2003.
Este ano, a estatística deve voltar a crescer. Segundo a CPT, desde janeiro de 2005, 11 integrantes de movimentos sociais, incluindo a missionária norte-americana Dorothy Stang, morta no dia 12 de fevereiro na cidade de Anapu (PA), já foram assassinadas no país devido aos conflitos agrários. Cinqüenta e sete estão na lista de ameaçados.
O Norte do país superou as outras regiões em número de homicídios cometidos no ano passado em decorrência das questões agrárias. Foram 15 assassinatos de trabalhadores rurais e líderes, além de um agente pastoral. Em segundo lugar, aparece Minas Gerais, onde cinco sem-terra morreram no acampamento Terra Prometida, em Felisburgo. No dia 20 de novembro de 2004, vários homens armados invadiram o local, atearam fogo em 27 barracos de lona e dispararam contra os acampados.
Sobrevivente
O sem-terra Jorge Rodrigues Pereira estava lá, mas conseguiu escapar da chacina. Eu morava nessa propriedade desde que tinha 1 ano de idade. Fiquei até os 26, fomos expulsos e, uma década depois, voltei. Na noite da chacina, fugi, mas estou ameaçado desde 2002. O irmão de Adriano Chafik (fazendeiro acusado de ser o mandante do crime) está vigiando a área. Para nós, isso é mais que uma ameaça”, diz o sem-terra.
Há duas semanas, os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concederam habeas corpus a Chafik. Ele poderá responder em liberdade à acusação de homicídio qualificado e incêndio. Nós repudiamos essa decisão. O habeas corpus foi infâmia, foi como cuspir na cara dos sem-terra”, indigna-se o frei Gilvander Moreira, assessor da CPT em Minas Gerais. Ele é um dos que estão marcados para morrer.
Tanto ameaçados quanto lideranças da igreja católica criticam o Judiciário. No Brasil, a Justiça tem tido uma atuação muito positiva na criminalização dos trabalhadores”, ironiza Antônio Canuto, secretário-geral da CPT. No ano passado, 427 trabalhadores rurais foram presos por ordem judicial.
Elba Soares da Silva, viúva do auditor fiscal Nelson José da Silva, morto em 28 de janeiro de 2004 quando investigava denúncias sobre trabalho escravo na cidade de Unaí (MG), veio a Brasília ontem pedir que a Justiça condene os irmãos Antério e Norberto Mânica, acusados de mandar executar os quatro fiscais, além do motorista da equipe. Norberto está preso, mas Antério conseguiu alvará de soltura, elegeu-se prefeito pelo PSDB e responde o processo em liberdade. Ele foi eleito com a ajuda incondicional do vice-presidente José Alencar, que participou da propaganda política do Antério”, lamenta Elba.
Outro que mencionou criticamente a posição de José Alencar foi d. Tomás Balduíno. O vice-presidente disse no ano passado que tinha dúvidas sobre a existência de trabalho escravo no Brasil. Não posso dizer que haja trabalho escravo. Como disse o presidente da CNA, há trabalho degradante. O que é o escravo? O escravo é uma pessoa que não tem liberdade de escolher um outro trabalho. O escravo tem um dono. Ao passo que vivemos essa economia de mercado que é perversa às vezes”, disse José Alencar. A lembrança levou d. Balduíno a criticar: A verdade é que o governo federal tem medo dos madeireiros, dos fazendeiros, dos pecuaristas”.

Depoimentos
Maria Joel Dias da Costa, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará (PA) No dia 21 de novembro de 2000, assassinaram o Dezinho (sindicalista), pai dos meus quatro filhos. Por cobrar Justiça pela morte de meu marido, eu também sofro ameaças. Dizem que estou atrapalhando e tenho que morrer. Mas a vida é para ser vivida e se eu a tenho, eu quero viver.”
Irmã Leonora Brunetto, agente pastoral na BR 163, norte de Mato Grosso A gente vem sendo ameaçada por causa do agronegócio. Conseguimos, através da Justiça, recuperar terras que haviam sido griladas por fazendeiros locais. No dia da morte da nossa companheira Dorothy Stang, eu soube que matadores também estavam à minha procura.”
Frei Henri des Roziers, frade dominicano em Xinguara (PA) Já fui ameaçado várias vezes, mas não tenho medo. Meu trabalho é estar a serviço da causa de eliminar a injustiça e a marginalidade. Infelizmente, o governo do Pará decidiu me dar proteção, mas essa não era a minha vontade. Mais importante é ir atrás das denúncias.”
Valdecy Silva, quilombola de Salgueiro (PE) Vivemos na região de Conceição das Crioulas há mais de 200 anos e agora somos ameaçados por fazendeiros que colocam fogo nas nossas casas. Pedimos ao Incra que nos ajude a desapropriar as terras quilombolas porque temos que dar continuidade às nossas vidas.”

Rosseto culpa quadrilhas
O ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, disse ontem, em Curitiba, que o maior índice de mortes no campo acontece no Norte do Brasil e está relacionado a quadrilhas que disputam a exploração ilegal de madeira. Temos uma parcela do território nacional em que não existe República, em que não há força de segurança estadual ou federal, em que não há Poder Judiciário, em que não há Ministério Público, o que, na minha opinião, é espaço estimulador do ambiente de violência”, reconheceu.
Rossetto esteve na capital do Paraná ontem para assinar convênios e liberar cerca de R$ 1,9 milhão para infra-estrutura em assentamentos no estado. O ministro lembrou a prisão dos acusados de matarem a irmã Dorothy Stang, executada no Pará, e dos responsáveis pela morte de cinco trabalhadores rurais em Felisburgo, Minas Gerais. Na medida em que o Estado brasileiro vai criando resposta, vai reduzindo o ambiente de impunidade, temos certeza de que vamos entrando em um ambiente de superação dessa etapa que não queremos, que é inaceitável para nosso mundo.”
Impunidade
Em Brasília, no lançamento do relatório Conflitos no Campo Brasil”, o advogado paraense José Batista Gonçalves Afonso, coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), não se mostrou tão confiante assim na redução da impunidade. Ele pediu a federalização do caso Dorothy, argumentando que a justiça do estado é comprometida com grileiros e madeireiros do Pará. A Polícia Federal apontou que um consórcio, e não uma pessoa apenas, foi responsável pela morte da freira. Sempre soubemos que é assim que funciona o crime organizado no estado. Lá, ocorre uma guerra, e a pistolagem é uma profissão. Às vezes, em troca de uma arma de fogo, tira-se a vida de alguém”, disse o advogado.
A freira Leonora Brunetto, que trabalha como agente pastoral na região norte do Mato Grosso, afirmou que em seu estado a atuação dos fazendeiros é parecida. Ela é uma das maiores inimigas” de fazendeiros que mantêm em suas propriedades trabalhadores escravos. Na última vez que me ameaçaram, disseram que não vão deixar nenhuma pista. Não vão fazer a mesma besteira que fizeram no caso da Dorothy”, contou a freira.

CB, 20/04/2005, p. 14

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