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Invasores mortais

Veja, Ambiente, p. 100-104
14 de Set de 2011

Invasores mortais
A migração de animais para um habitat diferente do seu tem efeitos devastadores para os ecossistemas do planeta

Alexandre Salvador

Há quase uma década os serviços de proteção à pesca e à vida selvagem dos Estados Unidos combatem a presença de um forasteiro violento e implacável -o peixe cabeça-de-cobra. Originária de diversas regiões da Ásia, matéria-prima de iguarias na China, a espécie foi parar nos rios americanos ao escapar das fazendas aquáticas onde é criada para fins culinários e ornamentais. Em seu habitat, o cabeca-de-cobra é um elo na cadeia alimentar dos rios. Transportado para um habitat estranho a ele. tornou-se um predador voraz e uma ameaça ao equilíbrio ambiental. Agressivo, dotado de dentes afiados, alimenta-se de várias espécies nativas de peixe e compete com outras por comida diminuindo suas populações. Graças a guelras dotadas de pequenas, bolsas de ar, que funcionam como pulmões, ele é capaz de viver em trechos de rio com pouco oxigênio e até fora da água, por três dias. Quando em terra, arrastando-se com a ajuda das nadadeiras, come também pássaros e pequenos mamíferos. A presença do peixe cabeça-de¬cobra nos rios americanos é exemplo de uma das maiores preocupações dos ambientalistas - a migração de espécies para habitais em que elas se tomam invasivas e têm efeito devastador sobre os ecossistemas que as alojam. Estima-se que as espécies invasivas sejam a segunda maior causa de perda de biodiversidade no mundo, atrás apenas da destruição de habitas pela ocupação humana.
Um caso de migração inadequada de espécie ocorre hoje no Brasil. Recentemente, dezenas de exemplares do mico-leão-de-cara-dourada, espécie nativa do sul da Bahia e ameaçada de extinção, foram encontrados em Niterói, no estado do Rio de Janeiro. Próximo à região vive outro primata também em situação de risco, o mico-leão-dourado. As duas espécies de mico sempre viveram a mais de 1000 quilômetros de distância. Agora, estão separadas por menos de 100 quilômetros. Os primeiros micos-leões-de-cara-dourada de Niterói foram soltos de um zoológico particular da região. O biólogo Leandro Jerusalinsky, chefe do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Primatas Brasileiros, explica os riscos dessa proximidade: "Corno são duas espécies do mesmo gênero, elas têm hábitos similares. O encontro pode dar origem a uma competição pelos espaços e pelo alimento disponível, além de expor os micos-leões-dourados nativos a doenças com as quais não tinham contato". Também por serem espécie semelhantes do ponto de vista evolutivo, é possível que ocorra o acasalamento entre eles.
Esse encontro pode eliminar a variedade do mico-leão-dourado -que conta com apenas 1600 exemplares ainda na natureza. Entidades de defesa dos primatas, já puseram em ação um programa destinado a capturar os micos-leões-de-cara-dourada e transpô-los para sua reserva de origem.
O episódio mais célebre de migração indesejada no Brasil, e um dos que mais causaram prejuízos, é protagonizado pelo tucunaré. Peixe de grandes dimensões originário da Bacia Amazônica, ele foi levado para os rios do Sudeste nos anos 80 e 90, para servir à piscicultura e à pesca esportiva- e se tomou um predador contumaz das espécies nativas. Um levantamento recente feito pelas universidades estaduais de Londrina e Maringá mostrou que o tucunaré foi responsável pela extinção de sete espécies da Bacia do Rio Paranapanema, na divisa de São Paulo com o Paraná.

No Mar do Caribe, ocorre atualmente um fenômeno semelhante ao do tucunaré no Brasil. O peixe-leão, natural dos oceanos Indico e Pacífico, foi levado para a Flórida na década de 90 como peixe ornamental.
Alguns exemplares foram soltos no litoral e se espalharam pelas águas da região.
Sem encontrar os predadores naturais, sua população se multiplicou, ameaçando a sobrevivência de diversas outras espécies, principalmente aquelas que vivem nos recifes de corais. "Conto o peixe-leão não é uma espécie natural do Atlântico, os animais nativos não o reconhecem nem como predador nem como presa. Daí sua multiplicação descontrolada", disse a VEJA o biólogo americano Mark Hixon, da Universidade Estadual do Oregon.
Atualmente, os americanos se veem às voltas com uma praga importada que tem dizimado as áreas verdes de centenas de cidades, a broca cinza-esmeralda, um besouro originário da China. O inseto chegou aos Estados Unidos em caixotes de madeira trazidos da Ásia por navios cargueiros. Na última década, espalhou-se por quinze estados e já matou 60 milhões de freixos, uma das árvores mais comuns nos centros urbanos do país. "O número crescente de migrações invasivas sugere que seu impacto nos ecossistemas também vai se multiplicar", disse a VEJA o biólogo italiano Piero Genovesi, da União Internacional pela Conservação da Natureza. "Por isso é crucial que se monitore o movimento global das espécies", ele completa.

A China contra os pardais

Quando o bicho-homem se mete a alterar a fauna em determinada região, como no caso dos animais invasores, pode-se prever um desastre. Um dos melhores exemplos disso ocorreu na China de Mao Tsé-tung.
Em 1958, enquanto colocava em ação seus planos para o Grande Salto à Frente, Mao deflagrou uma ampla campanha de combate aos pardais.
A ave era um dos alvos da chamada Campanha das Quatro Pestes, que pretendia eliminar também os ratos, as moscas e os mosquitos, considerados inimigos públicos pelo líder chinês.
Mao dizia que cada pardal, ciscando nas plantações, consumia mais de 4 quilos de grãos por ano. Em seu cálculo, cada milhão de pardais mortos possibilitaria produzir comida para 60000 pessoas. Os chineses, então, saíram às ruas e começaram a caça aos pardais. Seus ninhos eram destruídos, os ovos quebrados e os filhotes mortos. Até as crianças foram convocadas para a tarefa, empunhando estilingues. Mais de 2 milhões de pardais foram eliminados apenas na província de Shandong. A campanha foi um retumbante fracasso. Não se levou em conta que os pardais, além de comer grãos, se alimentam também de insetos, e que uma de suas iguarias prediletas são os gafanhotos.
A população de gafanhotos se multiplicou pelos campos chineses, arruinando plantações e causando desequilíbrio ao ecossistema. A produção de arroz em 1959 foi menor que a do ano anterior, no acender das luzes da tragédia que mataria de fome 30 milhões de chineses.

Veja, 14/09/2011, Ambiente, p. 100-104

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