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Autor: Arthur Leal
22 de Jan de 2024
Movimento ganhou força no ano passado com antagonismo ao MST e inspirou criação de Frente Parlamentar com apoio de bolsonaristas
Por Arthur Leal
22/01/2024 19h28 Atualizado há um dia
A investigação da Polícia Civil da Bahia tem, até agora, o grupo "Movimento Invasão Zero" como principal suspeito de ter mobilizado, através de aplicativos de troca de mensagens, o ataque de ruralistas contra indígenas da etnia Pataxó Hã Hã Hãi, no último domingo, no município de Potiraguá, no Sul da Bahia, que resultou na morte da liderança Maria de Fátima Muniz de Andrade, conhecida como Nega Pataxó, e deixou pelo menos outros cinco feridos. Os fazendeiros tinham como objetivo retomar a área conhecida como Fazenda Inhuma, ocupada no sábado.
A reportagem conversou com o delegado Roberto Junior, da Delegacia Regional de Polícia de Interior (Dirpin) da região Sudoeste/Sul da Bahia, que está à frente das investigações do caso.
- Através das redes sociais, esse grupo, Invasão Zero, organizou no WhatsApp um movimento para ir até a fazenda, a princípio para fazer uma negociação, que se transformou em ação de retomada e conflito. Mas, até o momento, nenhum líder desse grupo se apresentou para reivindicar ou esclarecer o que aconteceu. Nós temos dois integrantes que foram presos pela Polícia Militar e autuados em flagrante por homicídio e tentativas de homicídio. Além da indígena morta, outros cinco foram alvejados e levados para o hospital em Ilhéus - narra o delegado.
O delegado afirma que os fazendeiros armados poderão responder por associação criminosa armada e que o trabalho, a partir de agora é de identificação e intimação de cada um.
- A partir de hoje estamos intimando suspeitos. Já identificamos que uma pistola abandonada no local pertence a um produtor rural da cidade, que já foi intimado. Vamos identificar essas pessoas e vamos intimar um a um - disse. - Além de termos instaurado inquéritos para apurar homicídio e tentativas de homicídio, estamos apurando também outros crimes, como o de associação criminosa por parte dos fazendeiros que estavam armados.
O que é o grupo Invasão Zero?
O "Invasão Zero" é um movimento que surgiu em abril do ano passado na Bahia. Liderado pelos empresários baianos Luiz Uaquim e Dida Souza, o grupo se expandiu na esteira das discussões da CPI do MST, já no segundo semestre, quando se articulou com líderes bolsonaristas da Frente Parlamentar Agropecuária, sobretudo o deputado federal Luciano Zucco (PL-RS), que presidiu a comissão. Àquela altura, dizia ter mais de 10 mil fazendeiros baianos como membros, antes de começar a atuar em outros estados.
O delegado afirma que os fazendeiros armados poderão responder por associação criminosa armada e que o trabalho, a partir de agora é de identificação e intimação de cada um.
- A partir de hoje estamos intimando suspeitos. Já identificamos que uma pistola abandonada no local pertence a um produtor rural da cidade, que já foi intimado. Vamos identificar essas pessoas e vamos intimar um a um - disse. - Além de termos instaurado inquéritos para apurar homicídio e tentativas de homicídio, estamos apurando também outros crimes, como o de associação criminosa por parte dos fazendeiros que estavam armados.
O que é o grupo Invasão Zero?
O "Invasão Zero" é um movimento que surgiu em abril do ano passado na Bahia. Liderado pelos empresários baianos Luiz Uaquim e Dida Souza, o grupo se expandiu na esteira das discussões da CPI do MST, já no segundo semestre, quando se articulou com líderes bolsonaristas da Frente Parlamentar Agropecuária, sobretudo o deputado federal Luciano Zucco (PL-RS), que presidiu a comissão. Àquela altura, dizia ter mais de 10 mil fazendeiros baianos como membros, antes de começar a atuar em outros estados.
A Frente Parlamentar Invasão Zero foi anunciada tendo como líderes os deputados federais Luciano Zucco (PL-RS), Ricardo Salles (PL-SP), Magda Mofatto (Patriota-GO), Caroline de Toni (PL-SC), Messias Donato (Republicanos-ES), Capitão Alden (PL-BA), Marcos Pollon (PL-MS) e Pedro Lupion (PP-RR).
A reportagem não conseguiu contato com representantes do movimento ou da Frente Parlamentar.
A reportagem apurou que Uaquim e Dida Souza são administradores do grupo de WhatsApp que convocou os ruralistas para o confronto com os indígenas Pataxós. Eles devem ser ouvidos pela polícia nos próximos dias.
'A formação de um grupo paramilitar constitui crime', analisa defensor
O GLOBO conversou com o defensor regional de Direitos Humanos da Bahia Erik Boson, que analisou como "caótico" o cenário hoje no Sul da Bahia de confronto entre fazendeiros e povos originários. Segundo ele, falta presença do Estado na intermediação dessa crise e há muita demora nos processos de demarcação das terras indígenas.
- O cenário é bom simples de resumir: completo caos, com ausência e omissão dos Executivos estadual e federal. Sem meias palavras sobre isso - definiu. - Não é a primeira morte envolvendo conflitos com pataxós no extremo-sul da Bahia. Há 1 mês atrás, houve a morte de um outro indígena. No ano passado, outros três indígenas foram assassinados em conflitos com fazendeiros. E não há sinal de que essa situação possa melhorar, porque apesar das cobranças que temos feito, via Defensoria Pública da União, estadual e Ministério Público Federal, não há mudança.
Boson vê também como preocupação a formação do grupo armado e organizado que teria articulado o ataque do último domingo.
- Um grupo armado dessa natureza não deveria existir. A formação de um grupo paramilitar constitui crime e não pode existir. É uma situação a ser investigada, com certeza, pelo Ministério Público - acrescentou.
Por fim, o defensor público federal analisa os elementos que podem estar por trás da escalada de conflitos.
- O Marco Temporal é uma questão relevante nesse tema, sim, mas não é determinante nesse momento, porque a aprovação da lei não repercutiu no andamento dos processos demarcatórios. Não há nenhuma terra demarcada em 2023 na Bahia. E vários desses territórios indígenas, que estão em região de conflito, já estão com processo pronto aguardando portaria no Ministério da Justiça, alguns parados há anos, por questões não identificáveis, que a gente entende que, infelizmente, são questões meramente políticas. Mas, para além disso, temos cobrado a criação de centros de investigação especializados em conflitos fundiários envolvendo esses povos. Também contra quilombolas, ciganos, todos no mesmo contexto de violência.
Por fim, desabafa:
- A sensação é de que a gente se esforça e, mesmo assim, sempre há esse receio de "quem é o próximo?", "quantas vidas mais serão perdidas até que se tome uma providência efetiva?". É desesperador. E se é desesperador para mim, como instituição, imagine para esses povos.
'Chega de massacre', reage PSOL, partido da vítima
Vítima do conflito deste domingo, a indígena Maria de Fátima Muniz de Andrade era ativista e ligada ao PSOL-BA. O partido publicou uma homenagem a ela nas redes sociais. O irmão dela, Nailton Muniz, foi atingido no rim e passou por cirurgia no Hospital Cristo Redentor, em Itapetinga.
Entre os feridos, segundo o Ministério dos Povos Indígenas, está uma mulher que teve o braço quebrado. Outros feridos foram hospitalizados, mas não correm risco de morte. Um fazendeiro foi atingido por uma flecha no braço.
"O Partido Socialismo e Liberdade manifesta seu profundo pesar e indignação diante do assassinato da nossa companheira Maria de Fátima Muniz Pataxó, conhecida como Nega, ocorrido na tarde de domingo (21), após ação intitulada "Invasão zero", por um grupo de fazendeiros e latifundiários. Expressamos toda nossa solidariedade e apoio a companheira Luzineth Pataxó e ao Cacique Manezinho, bem como a toda família, amigos e ao povo indígena.
Exigimos das autoridades competentes que o assassino já identificado, e que segundo informações, já foi conduzido pela Polícia Militar, seja punido de acordo com a lei.
O PSOL também reafirma seu compromisso com a luta do povo indígena no sul da Bahia, reforça a necessidade da demarcação de terras e que o Estado Brasileiro assuma a tarefa de garantir a retomada dos territórios. Chega de massacre dos povos indígenas!".
Confira o posicionamento do Ministério dos Povos Indígenas na íntegra sobre o caso:
"Neste domingo (21), uma indígena do povo Pataxó Hã Hã Hãi foi assassinada e outras pessoas da Terra Indígena Caramuru-Catarina Paraguassu ficaram feridas por disparos de arma de fogo. A TI Caramuru-Catarina Paraguassu se situa nos municípios de Pau Brasil, Camacan e Itaju do Colônia, no sul da Bahia. O ataque foi provocado por fazendeiros do grupo autointitulado "Invasão Zero", na retomada da Fazenda Inhuma, no município de Potiraguá, em área reivindicada pelos Pataxó Hã Hã Hãi como de ocupação tradicional.
O cacique Nailton Muniz foi atingido no rim e passou por cirurgia no Hospital Cristo Redentor, em Itapetinga. A vítima fatal foi sua irmã, Maria de Fátima Muniz, conhecida como Nega Pataxó. Entre os feridos está uma mulher que teve o braço quebrado. Outros feridos foram hospitalizados, mas não correm risco de morte.
Cerca de 200 ruralistas da região se mobilizaram através de um chamado de WhatsApp, que convocava os fazendeiros e comerciantes para recuperar por meios próprios, sem decisão judicial, a posse da Fazenda Inhuma, ocupada por indígenas no último sábado (20/01). Eles cercaram a área com dezenas de caminhonetes. Dois fazendeiros foram detidos, incluindo o autor dos disparos que vitimaram Nega, além de um indígena que portava uma arma artesanal. Segundo a Polícia Militar (PM), um fazendeiro foi ferido com uma flechada no braço, mas está estável.
Uma comitiva do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), liderada pela ministra Sonia Guajajara, embarca para a região nesta segunda-feira (22). Através do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Fundiários Indígenas, o MPI acompanha o caso desde que recebeu as primeiras informações e está fazendo interlocuções com o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), incluindo diretamente a Polícia Federal (PF), com o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e a Secretaria de Segurança da Bahia.
Representantes do Ministério, que estiveram recentemente no sul da Bahia, discutindo questões territoriais com as lideranças Pataxó Hã Hã Hãe, também estão em contato com a Coordenação do Distrito Sanitário Especial Indígena da Bahia, para garantir o cuidado com os feridos".
https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2024/01/22/invasao-zero-o-que-s…
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