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Internacionalização da Amazônia (IV)

O Liberal-Belém-PA
Autor: Otávio Mendonça *
18 de Mai de 2004

Durante muitos anos, o Brasil não adotou quaisquer projetos especificamente destinados a defender sua soberania na Amazônia, mesmo após estar implícita ou explicitamente ameaçada pelas declarações transcritas no comentário anterior. Apenas houve severas restrições contra propostas mais audaciosas, entre as quais, no século XX, despertaram maior alarido projetos como o da Hiléia e o dos Grandes Lagos, aquele sugerido pela Unesco e este pelo Hudson Institute.

O episódio da Hiléia constitui claro exemplo das linhas paralelas que convergem sobre a Amazônia e da extrema dificuldade de conciliá-las. Por um lado, é indubitável o permanente intuito das grandes nações partilharem conhecimentos e produtos exclusivos desta região verdadeiramente única pela sua fabulosa diversidade. De outro lado, não é menos tenaz o esforço do Brasil para nela manter intacto seu domínio. Veja-se como ambos esses propósitos transparecem nítidos na tentativa de criar o Instituto da Hiléia. Quem o idealizou foi um dos mais lúcidos cientistas nacionais - o professor Paulo Berredo Carneiro, nosso representante naquele braço cultural da ONU. No seu entender, a carência de dados precisos sobre a Amazônia provem de faltar um plano para os estudos empreendidos.

As expedições científicas, estrangeiras ou nacionais, aqui buscaram material para enriquecer suas coleções, esclarecendo os problemas que mais as interessavam. Não vinham pela Amazônia, mas para servirem a seus próprios museus, jardins botânicos ou laboratórios. Por não encararem a plenitude dos nossos problemas, reduziram-se, muitos desses ilustres estudiosos, a "geniais escrevedores de monografias", como ironicamente os denominou Euclides da Cunha. Para empreender estudos mais profundos, a única solução seria um grande Instituto, capaz de coordenar as pesquisas, desde os Andes até o Atlântico, com ajuda dos diversos Estados que possuem territórios neste imenso Vale. Fora daí, prosseguiríamos na trilha rotineira e empírica, acumulando textos desconexos e retardando por alguns séculos o verdadeiro estudo que se impunha (Paulo Carneiro - O Instituto Nacional da Hiléia Amazônica, Rio, 1951).

Desde 45, fora apresentado um plano preliminar ao Governo Brasileiro, aprovado pela Unesco em Paris (1946), e nas conferências de Belém, Iquitos e Manaus (1948), resultando convenção submetida ao Congresso Nacional. Neste combateram-na veementemente o deputado Artur Bernardes e o senador Augusto Meira, cujas teses eram de que, mesmo disfarçadamente, o Instituto reduziria nossa soberania sobre a selva amazônica. Inúteis todos os argumentos em contrário, bem assim a posição eqüidistante do Itamarati e do Exército. A Câmara, afinal, suspendeu qualquer decisão e o assunto praticamente morreu.

O projeto dos Grandes Lagos desencadeou menor alarme que o da Hiléia, porém com ele possui clara semelhança. Os técnicos do Hudson Institute imaginaram implantar um grande complexo lacustre na América do Sul. Para isso, seriam inundados 600.000 km2 e construídas barragens, assegurando aos investidores de fabulosas quantias a exploração das jazidas submersas e/ou localizadas nas áreas adjacentes. Para ter uma idéia de grandeza, somente na Amazônia, basta refletir que a barragem próxima a Monte Alegre abrangeria 400.000 km2 e no estreito de Óbidos formar-se-ia um lago de 180.000 km2, produzindo 70.000 MW (ou 70 milhões de KW). É inegável que o projeto despertou entusiasmo em cientistas ilustres, como Roberto Panero, que dizia ser a única obra humana visível da Lua, à exceção da Muralha da China. Porém, como observa Armando Mendes, levaria fatalmente o país a "abrir mão de parte substancial de sua liderança" (Viabilidade Econômica da Amazônia, UFPA, pg. 56).

Muitas outras variáveis de internacionalização têm surgido, no último meio século, através de missionários de seitas extravagantes, defensores apaixonados do meio ambiente ou de populações indígenas. Eis o resumo feito por Paulo Bonavides no agudo ensaio que entitulou Do País Constitucional ao país neocolonial: "... o cavalo de Tróia de falsos ecologistas, falsos antropólogos, falsos indianistas e falsos evangelizadores se introduz subrepticiamente na Amazônia diante de uma Nação perplexa..." (Leonardo Arquimino de Carvalho, Internacionalização da Amazônia Legal?, in Revista Cena Internacional, Ano 3, no 2, iREL-UnB e FUNAG/MRE, Dez/2001).

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