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Interesses paroquiais

O Globo, Opinião, p. 6
05 de Set de 2011

Interesses paroquiais

Com a redemocratização, formalizada pela Constituição de 1988, o país entrou numa saudável fase de desconcentração de poder. Duas décadas de regime militar deformaram as instituições. O Executivo passou a projetar sua sombra sobre toda a sociedade. Tudo dependia de Brasília, da distribuição de tributos a nomeações as mais variadas na máquina pública, em toda a Federação (que sequer merecia o nome). Sem eleições, governadores e prefeitos eram na prática nomeados. Apenas passavam por um rito simbólico de votação indireta nas Casas legislativas, sob controle do regime.
A própria configuração federativa podia ser alterada por decisões verticais. Caso da desastrosa - para os cariocas - fusão do Estado do Rio com a Guanabara, em 1975, por vontade do general Ernesto Geisel, penúltimo presidente da ditadura militar.
Também de cima para baixo, em 1977, e ainda na Era Geisel, Mato Grosso cedeu área para o Mato Grosso do Sul. Já o surgimento do estado de Tocantins, saído de Goiás, foi a primeira divisão territorial na volta da democracia. A formalização do novo estado ocorreu com a promulgação da Carta de 1988.
E a multiplicação de entes federativos, basicamente municípios, virou uma febre. Com a sociedade se reorganizando num espaço institucional democrático, muitos grupos políticos se aproveitaram do momento para conseguir criar municípios sem as mínimas condições de arcar com o custeio de suas máquinas burocráticas. Que não são pequenas. Afinal, cada unidade da federação brasileira repete quase por inteiro a estrutura federal: secretarias (no lugar de ministérios), tribunal de contas, e assim por diante, contra os interesses do contribuinte de maneira geral. Pois, por meio dos fundos de participação, paulistas, fluminenses, mineiros, etc arcam, via os impostos que recolhem de maneira direta e indireta, com as despesas de custeio de incontáveis municípios inviáveis, surgidos apenas de interesses paroquiais de caciques políticos.
Quando a Carta foi promulgada, em 88, havia 4.180 prefeituras. Em pouco tempo surgiram mais mil, até que, na gestão FH, foram instituídas barreiras para conter a sandice. Mesmo assim, o Brasil tem hoje, e por enquanto, 5.564 municípios, a grande maioria dependente dos fundos de participação. Muitos prefeitos sequer se esforçam para taxar propriedades (IPTU) e serviços (ISS), por exemplo, como lhes faculta a Lei. Preferem viver da mesada dos contribuintes de outras regiões.
A nova ameaça ao bom-senso é a tentativa de criação de dois estados no Pará, Tapajós e Carajás. Os argumentos são os de sempre: a descentralização como fator de desenvolvimento, diferenças culturais...
A depender do resultado dos plebiscitos sobre o assunto marcados para dezembro, os cofres públicos (é sempre bom traduzir: os contribuintes, os pagadores de impostos) que se preparem, porque poderá surgir uma nova e pesada conta: a do custeio dos novos estados.
Rogério Boueri, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do governo, fez cálculos a partir de parâmetros de 2008. Concluiu que Tapajós e Carajás, se criados, espetarão no Tesouro uma despesa anual de R$5,1 bilhões. Dinheiro que poderia ser aplicado em áreas efetivamente carentes.

O Globo, 05/09/2011, Opinião, p. 6

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