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(In)mputabilidade Penal Indígena

Douradosagora
Autor: Wilson Matos da Silva
14 de Ago de 2007

O tema em epígrafe é um folclore muito difundido no imaginário popular brasileiro, há aqueles que pensam ser os índios inimputáveis dada a sua condição de raça inferior (incapaz); há também aqueles que imaginam o indígena capaz quando se trata de lhe cobrar deveres e o consideram total incapaz quando lhe negam os seus direitos (tirar a carteira de habilitação por ex.).

Há ainda, no meio jurídico, uma confusão jurídico/Legal, posto que alguns entendam o indígena tutelado, (como se um ente ficto pudesse ser tutor), há outros operadores do direito que filiam-se ao entendimento de que o indígena é totalmente imputável, avocam inclusive a equidade nos seus fundamentos e sacrificam a legislação especial, ignorando inclusive as garantias constitucionais reconhecidas aos indignas.

Imputabilidade é definida como a aptidão do ser humano compreender que determinado fato não é lícito e de agir em conformidade com esse entendimento. Na lição de Francisco de Assis Toledo: "(...) Para que o agente de um crime seja, pois, dotado de imputabilidade, além da idade de dezoito anos, deverá à época do fato, estar no gozo de certas faculdades intelectivas e de determinado grau de saúde mental".

Segundo o Professor Roberto Lemos dos Santos Filho, O que importa ter em mente é a parte final do preceito, que traça os limites normativos extremos desse poder discricionário: doença ou qualquer anomalia que torne o agente, à época do fato, incapaz de ter a compreensão do injusto que realiza ou de orientar-se finalisticamente em função dessa compreensão."

A Constituição de 1988 reconhece a pluralidade étnica e cultural do país. Assegura aos índios o direito à alteridade, é dizer, o direito de serem diferentes e tratados como tais, direitos esses, reforçado pela Convenção 169 da OIT, ratificada pelo Brasil em 19.04.2004. O Código Civil em vigor dispõe que a capacidade dos indígenas será regulada por lei especial. Assim, emerge ultrapassada e incorreta qualquer interpretação que trate os índios como inimputáveis ou semi-imputáveis em virtude da diferença étnica.

Nós os indígenas brasileiros estamos em diferentes estágios em relação ao conhecimento dos hábitos da sociedade nacional. Como exemplo, há uns com cursos universitários e outros que sequer falam o português. Existem índígenas que estão no meio do caminho. São situações diferenciadas e que merecem ser consideradas distintamente... O indígena é mentalmente normal, o que nós temos é cultura diferente, e por vezes não entendemos o significado de determinada regra, como um estrangeiro pode também não entender!

Esse é o referencial que deve orientar a solução de questões ligadas à aferição da imputabilidade de nossos, povos indígenas. O direito a diferença assegurado pela Constituição e pela Convenção 169 da OIT não permitem outra inferência. Há que se ressaltar, para análise da imputabilidade penal dos indígenas é necessário tão-somente perquirir se de acordo com a sua cultura e seus costumes o indígena tinha condições de compreender o caráter ilícito daquela conduta positivada como crime segundo os padrões da cultura da sociedade envolvente.

O Projeto do substitutivo do Estatuto dos Povos Indígenas, que tramita no Parlamento há mais de catorze anos, e agora analisado por nós na CNPI Comissão Nacional de políticas indígenas, contém previsão no sentido da necessidade de realização de perícia antropológica para conclusão acerca da imputabilidade e confere à Justiça Federal a competência para o julgamento dos crimes praticados por índios ou contra índios.

O art. 231 da Constituição veicula o direito á alteridade, o princípio do respeito à diversidade étnica e cultural dos índios. Disso resulta inválida qualquer conclusão fundada em premissa relacionada ao grau de integração do índio aos padrões de cultura e de comportamento da sociedade não-indígena para apuração da imputabilidade.

Para a aferição da imputabilidade penal dos indígenas não importa se o índio mantém contato perene ou esporádico com membros da cultura preponderante, é necessário apenas aferir se o índio possuía ao tempo do fato, de acordo com a sua cultura e seus costumes, condições de entender o caráter ilícito previsto da lei posta pelos não-indios.

Caso apurada a imputabilidade do índio, emergirá impositiva a observância das disposições constantes do art. 6 e parágrafo único do Estatuto do Índio (Lei no 6001/1973), onde estabelecida hipótese de necessária atenuação da pena, e que as penas de reclusão e de detenção deverão ser cumpridas em regime especial de semi-liberdade, na sede da FUNAI mais próxima da habitação do indígena condenado.

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