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Infra-estrutura ameaca soja brasileira

FSP, Dinheiro, p.B6
08 de Ago de 2005

EUA podem ter quebra de safra, mas estradas ruins impedem que produtores do Brasil aproveitem
Infra-estrutura ameaça soja brasileira
Claudia Dianni
Humberto Medina
A falta de investimentos em infra-estrutura de transporte deverá levar o Brasil a perder uma importante oportunidade de aumentar suas exportações de soja na próxima safra (2005-2006), principalmente para a China, maior consumidor do produto e um mercado abastecido principalmente pelas exportações dos Estados Unidos, o maior produtor mundial da oleaginosa.
O mercado espera uma redução na produção de soja dos Estados Unidos, ainda não estimada, no ano que vem devido às previsões de que haja uma seca no Meio-Oeste do país.
"Tivemos esse mesmo problema no Sul do Brasil nos últimos dois anos e é improvável que isso aconteça de novo. Portanto, teremos uma boa safra, estimamos 63 milhões de toneladas. Mas vamos perder a chance de ganhar parte do mercado abastecido pelos Estados Unidos por falta de estradas e portos", afirma o diretor-geral da ANEC (Associação Nacional dos Exportadores de Cereais), Sérgio Mendes.
Os Estados Unidos exportam cerca de 7,5 milhões de toneladas para a China. O Brasil, o segundo maior produtor mundial do grão, embarcou 4,1 milhões de toneladas para aquele mercado no ano passado.
Na avaliação dos especialistas, o alto custo dos fretes no Brasil -associado à queda nos preços da commodity no mercado internacional- tem reduzido a renda do produtor, o que vai dificultar os avanços em novos mercados não só no próximo ano, com a previsão da seca americana, mas também nos seguintes se não houver investimentos.
De acordo com a ANEC, para transportar a soja da fazenda ao porto, o preço médio pago pelo produtor brasileiro é de US$ 37 por tonelada. Em 2003, custava US$ 28, mas o preço da tonelada da soja era de US$ 340. Neste ano, com a safra recorde dos Estados Unidos, de 80 milhões de toneladas, o preço caiu para US$ 261 (valor do fim da semana passada).
Nos Estados Unidos e na Argentina, o terceiro maior produtor de soja, o preço médio do frete é de US$ 14 por tonelada. Ao contrário dos Estados Unidos, que conta principalmente com transporte hídrico, o Brasil e a Argentina usam estradas, em sua maior parte precárias, para fazer a soja chegar ao porto. No entanto, na Argentina, as distâncias percorridas são bem menores, e a área plantada está a cerca de 200 quilômetros dos portos, ainda de acordo com a ANEC.
Produção espalhada
No Brasil, a produção de soja está se espalhando. No ano passado, 14 Estados exportaram soja e, neste ano, 16 já embarcaram o produto, do Rio Grande do Sul ao Amazonas. O problema é que o embarque está concentrado nos portos do sul: Paranaguá (PR), Rio Grande (RS) e Santos (SP).
"Mato Grosso, o principal produtor do Brasil, exporta principalmente pelo Rio Grande e tem de percorrer enormes distâncias em estradas destruídas, o que encarece ainda mais o frete. Não há estradas adequadas nem logística para levar a soja aos portos que estão mais próximos dos mercados consumidores, ou seja, o Norte", diz Mendes. Neste ano, a operação do porto de Rio Grande diminuiu por causa da seca no Rio Grande do Sul.
Na avaliação de Renaud Barbosa, professor de economia da FGV (Fundação Getúlio Vargas), o país precisa fazer investimentos pesados em transporte para levar a soja. Caso contrário, o produto não deverá se consolidar como um commodity de exportação tão importante para o Brasil como é o minério de ferro.
Segundo Barbosa, tanto a soja quanto o minério de ferro são produtos baratos e intensivos em importação de insumos. Por isso, para que a atividade seja lucrativa tanto para o produtor quanto para o exportador, é preciso vender grandes quantidades. E, ao contrário do minério de ferro, a soja enfrenta uma importante concorrência com os Estados Unidos e com a Argentina em terceiros mercados.
"A Vale do Rio Doce montou sua própria estrutura privada de transporte. Por isso o custo do transporte não é tão determinante como para a soja. Se os produtores de soja não fizeram o mesmo ou não tiverem apoio do governo, muita gente poderá deixar a atividade", afirma Barbosa.
A Companhia Vale do Rio Doce é o mais importante investidor privado do setor de logística no Brasil e opera redes de ferrovias, portos, terminais marítimos e navegação.
Juntos, a soja e o minério de ferro representam 50% das exportações brasileiras para a China. No ano passado, as vendas de soja ao exterior resultaram em uma receita de exportação de mais de US$ 6 bilhões. Neste ano, até maio, a soja foi o segundo produto da pauta de exportações brasileira. Em primeiro lugar ficou o minério de ferro.

Governo tem lista de obras para o setor, mas investimento está parado
O governo tem uma lista de obras estruturais para melhorar o escoamento de soja da região Centro-Oeste e das novas fronteiras de produção, no oeste da Bahia e no sul do Piauí e do Maranhão. Todos os investimentos, no entanto, precisam da participação da iniciativa privada, ainda não começaram e levam mais de três anos para ficarem prontos. Para a safra 2006, tudo o que o governo pode fazer é aproveitar o período sem chuvas para melhorar a condição das estradas já existentes.
Segundo o secretário-executivo do Ministério dos Transportes, Paulo Sérgio de Oliveira Passos, isso já está sendo feito. "A situação não é de colapso. O país não vai perder essa janela de oportunidade na exportação de soja."
Boa parte dos recursos está sendo aplicada em obras de trechos não-pavimentados de rodovias federais importantes para o escoamento de soja no Pará e em Mato Grosso (BR-230, BR-163 e BR-174). "Não dá tempo para pavimentar, mas dá para deixar em boas condições", afirma Passos. No fim de julho, o ministério conseguiu liberar aproximadamente R$ 360 milhões para obras em rodovias e na ferrovia Norte-Sul.
Obras estruturais
O principal objetivo das obras estruturais do governo é dar uma saída para a soja que não seja o porto de Santos (SP) ou de Paranaguá (PR). A idéia é permitir o escoamento por meios dos portos das regiões Norte e Nordeste: Santarém (PA), Suape (PE), Pecém (CE) e Itaqui (MA). Para atingir essa meta, porém, são necessários investimentos pesados em rodovias e ferrovias, que o governo não pode fazer sozinho.
Uma das obras importantes para melhorar a logística de exportação da soja é a pavimentação da BR-163, no trecho de aproximadamente 1.560 km entre Nova Mutum (MT) e Santarém (PA). Em maio, o governo incluiu esse trecho no Plano Nacional de Desestatização e pretende entregá-lo à iniciativa privada, que irá explorá-lo com cobrança de pedágio.
O concessionário privado que ganhar a licitação fará a pavimentação. Na BR-163, vence a licitação a empresa ou o consórcio que oferecer o menor valor da tarifa de pedágio. O governo espera contar com o interesse de grandes produtores de soja. O investimento é de aproximadamente R$ 1 bilhão, e a obra deve levar cerca de três anos.
Outra obra importante é a ampliação da ferrovia Norte-Sul, no trecho de 685 km entre Gurupi (TO) e Estreito (MA). Esse investimento teria de ser combinado com obras de recuperação e duplicação da rodovia Belém-Brasília, a BR-153. O objetivo é viabilizar o acesso das regiões produtoras do Centro-Oeste ao porto de Itaqui, usando tanto a ferrovia quanto a rodovia, com a construção de uma estação de transbordo (mudança da carga entre o caminhão e o trem).
A ampliação da ferrovia Norte-Sul é uma das prioridades do governo para inaugurar as PPPs (Parcerias Público-Privadas). A obra está orçada em R$ 1,4 bilhão.
Outra obra importante é a ampliação da ferrovia Transnordestina, que exigirá um investimento de R$ 4,5 bilhões em três anos. No total, serão construídos 880 km de trechos novos, 1.100 km de alargamento das vias atuais e 80 km de remodelação. O objetivo é ligar a cidade de Eliseu Martins, no sul do Piauí, aos portos de Pecém e Suape. A obra prevê investimentos do BNDES e da CSN, dona da ferrovia.

FSP, 08/08/2005, p. B6

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