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Industria de escravos

CB, Brasil, p.15
04 de Ago de 2004

Indústria de escravos

Existe uma indústria do trabalho escravo no Brasil. O tráfico e exploração de trabalhadores seguem características e condições iguais em diferentes regiões. As pessoas exploradas passam pelos mesmos ciclos, independente dos tipos de mão-de-obra e de serviço. Há uma cadeia complexa e inteligente na escravidão. É como se fosse uma indústria, explica a secretária de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ruth Vilela.

Em qualquer região do país, as condições subumanas são as mesmas. Os trabalhadores têm que construir suas próprias moradas com estacas e lona de plástico. A água para beber e tomar banho é captada no mesmo local. Os aliciados dormem em esteiras no chão, com exceção dos que levam a própria rede de casa.

A cadeia do trabalho escravo tem início com a ação de agentes do tráfico, conhecidos como gatos ou aliciadores. Eles vão a regiões específicas pegar mão-de-obra, de acordo com o trabalho exigido. Se a necessidade é colheita de algodão, os aliciados são trazidos do Nordeste. Do Maranhão, saem as equipes recrutadas para desmatar a Amazônia.

O mecanismo começa com a busca de vítimas do desemprego e de calamidades como seca ou enchentes. Muitos desses trabalhadores já se encontram em pequenos hotéis e pensões, endividados, à espera de um milagre, muitas vezes traduzido numa oportunidade de emprego rápido. Os gatos apresentam alternativas em outras localidades, pagam suas dívidas e enganam os trabalhadores com falsas promessas.

A dívida leva à servidão. Antes de deixar a região de origem, o gato adianta um dinheirinho à família do trabalhador. O transporte e despesas de viagem rumo ao novo Eldorado completam o primeiro ciclo. Ao chegar à terra prometida, o trabalhador torna-se refém dos empreiteiros. Ele tem que pagar por comida, moradia e ferramentas. O processo é idêntico em qualquer lugar do país, afirma Ruth Vilela.

Condomínios
Dados do MTE também mostram artimanhas dos produtores para escapar da condenação. Uma delas seria a formação de condomínios de empregadores para evitar a denúncia da exploração. Um mesmo escravo trabalharia para vários proprietários num pedaço de terra que reúne três ou quatro fazendas. Dessa forma, fica mais complicado comprovar quem é o responsável pela exploração.

O presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (Anpt), Sebastião Caixeta, afirma que até políticos pressionam para evitar o fim do trabalho escravo no país. Há resistência da bancada ruralista no Congresso em aprovar a PEC-438. Partidos da base do governo como PL e PTB também trabalham contra a PEC.

Caixeta faz referência ao projeto de emenda constitucional que prevê o confisco da propriedade rural onde for confirmado trabalho escravo. O texto da PEC está pronto para ser votado no plenário da Câmara e alguns deputados trabalham para que ele entre em pauta semana que vem. O confisco da terra poderia evitar a reincidência e contribuiria com a reforma agrária.

Migração
Dados do Ministério Público Federal mostram que a principal rota do trabalho escravo está migrando. Está saindo do meio do Pará rumo à divisa com o Amazonas, indica a procuradora Raquel Elias Ferreira Dodge, da Coordenadoria para a Erradicação de Formas Contemporâneas de Escravidão e para Questões Indígenas do Núcleo Criminal da Procuradoria Regional da República da 1ª Região. Segundo Raquel as confluências de rodovias federais, principalmente nas fronteiras dos estados, são os pontos mais críticos dessa indústria.

As atividades em que se encontram trabalhadores na condição de escravos são, principalmente, ligadas à formação de pastos e produção agrícola no processo de ocupação de matas nativas, especialmente da floresta amazônica.

A impunidade é a principal causa da exploração de trabalhadores. Não é a pobreza. Países ricos como os Estados Unidos também têm trabalho escravo, alerta o diretor do escritório da Organização Internacional do Trabalho no Brasil, Armand Pereira. Segundo ele, a diferença é que o Brasil tem uma série de iniciativas de combato que dão mais visibilidade ao problema.

TRABALHO ESCRAVO— privação da liberdade, caracteriza-se pelo aliciamento com falsas promessas de salário e condições de trabalho que não existem. Os documentos pessoais são retidos pelos gatos.
ENDIVIDAMENTO— também chamado de servidão por dívida. Os trabalhadores têm que pagar por ferramentas, moradia, comida etc. As pessoas humildes acreditam que devem e precisam honrar o pagamento da dívida que só aumenta.

CB, 04/08/2004, p.15

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