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Indios tomam sede da Funai para forcar dialogo com Lula

A Critica, Tema do Dia, p.A3
12 de Mai de 2004

Tema do dia demarcação de terras
Expectativa de julgamento
A proximidade do dia da decisão da vida da população de Uiramutã (RR) provocou nova reação na capital. Em Boa Vista, centenas de índios ocuparam, desde segunda-feira, a sede da Funai como forma de pressão para que a demarcação de sua reserva atenda aos anseios de aproximadamente 80% da população. A decisão está marcada para amanhã, em Brasília.
Entidades representantes das lideranças indígena e a sociedade organizada se reunira ontem para declarar apoio aos índios.
Índios tomam sede da Funai para forrar diálogo com Lula
O grupo de mais de 200. nativos de várias etnias exige uma posição do Governo Federal sobre o assunto
BRASÍLIA (AF) - A sede da Fundação Nacional do índio (Funal) em Boa Vista permanece ocupada por um grupo de índios contrários à demarcação em área contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol, localizada no Norte do Estado. De acordo com o líder da ocupação, o cacique Anísio Macuxi, cerca de 230 índios estão no local desde anteontem, quando fizeram reféns dois funcionários da Funai. Segundo o cacique, um deles foi libertado à tarde, e o outro, ontem. As informações são da Agência Brasil.
Segundo a liderança indígena, os ocupantes do prédio pertencem às etnias macuxi, taurepang, uapichana e ingaricó. Eles afirmam que só deixarão o escritório da Funai depois de conseguir uma audiência com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo Anísio Macuxi, a situação no local é tranqüila, apesar de os índios estarem armados com bordunas, arcos e flechas. "0 clima aqui está pacífico, o funcionário está bem, trabalhando, agora há algumas lideranças que estão bastante revoltadas. 0 índios estão preparados para qualquer ação contra eles e, se precisar de mais índio, a gente manda buscar", disse Anísio.
O administrador da Funai em Boa Vista, Manuel Tavares, encontra-se em Brasília. Ele disse que está monitorando a ocupação dos índios e afirmou que, de acordo com as informações que recebeu por telefone, não há riscos de conflito no local.
Além dos povos macuxi, uapichana, ingaricó, taurepang, a reserva Raposa Serra do Sol também abriga índios da etnia patamona, numa área de 1,7 milhão de hectares. Ao todo, cerca de 15 mil índios das cinco etnias vivem no local. Há mais de 30 anos as comunidades indígenas reivindicam a homologação das terras. Segundo o Conselho Indígena de Roraima (CIR), do total que índios que vivem na reserva, em torno de 12,3 mil, ou mais de 80% deles defendem a homologação em terras contínuas.
Julgamento
Antes de tomar a decisão sobre a homologação da reserva, o presidente Lula aguarda o julgamento, no Tribunal Regional Federal da 1 Região, do pedido da Advocacia Geral da União (AGU) para suspender a liminar de um juiz federal de Roraima contrário à demarcação contínua.
Para os índios que ocuparam a sede da Funai, a homologação nestes termos vai impedir o desenvolvimento da região. "Também esperamos que seja homologada a Raposa Serra do Sol, mas que permaneçam dentro da área as terras produtivas e os comércios de não índios. Alguns municípios são centros de comercialização para as próprias comunidades indígenas, que têm a oportunidade de vender ali seu artesanato e seus produtos agra colas", observou o cacique Anísio Macuxi.
Rondônia
O presidente da Fundação Nacional do índio (Funai), Mércio Pereira Gomes, e índios cintas-largas estarão reunidos hoje na Comissão da Amazônia, Integração Nacional e de Desenvolvimento Regional. Eles vão discutir o conflito ocorrido entre índios e garimpeiros na reserva indígena Roosevelt, em Rondônia. A audiência pública foi pedida pelos deputados Júnior Betão (PPS-AC), Agnaldo Munia (PPS-RO), Nilson Mourão (PT-AC) e João Pizzolatti (PP-SC).

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O Município
Uiramutã foi criado em 1995, mas a Vila existe desde 1913.
E está situado a Nordeste de Roraima, a uma hora de vôo de Boa Vista, numa área de fronteira do Brasil com a Venezuela e a República Cooperativista da Guiana.
Sua extensão é de 804 mil hectares, sendo 90 mil hectares do Parque Nacional do Monte Roraima.
Memória
Em janeiro deste ano, a questão Indígena em Roraima desencadeou uma manifestação de grandes proporções tanto das etnias quanto dos produtores rurais e da população. Eles interditaram a BR 174 e prejudicaram o tráfego de cargas para Boa Vista e Manaus.

Comentário
Por Loredana Kotinski Da equipe de A Crítica
Decisão sai no dia 13
O destino dos 5.802 habitantes do Município de Uiramutã, em Roraima, será decidido amanhã, em Brasília. A desembargadora do Tribunal Regional Federal (TRF), Selene Maria de Almeida, vai definir se as 1,5 mil pessoas que não são índias, e vivem no lugar, sairão de lá. Está nas mãos dela o agravo de instrumento impetrado pela Advocacia Geral da União (AGU) contra a liminar concedida pelo juiz federal Helder Girão Barreto, que revogou temporariamente os efeitos da Portaria federal 820, que previa a saída de todos os moradores que não são índios da área do Uiramutã.
Este será mais um capitulo da conturbada questão da demarcação da Raposa Serra do Sol, última terra indígena a ser homologada em Roraima, que vem gerando discórdia e conflitos na região. Na área - que engloba todo o Município de Uiramutã, partes de Normandia e de Pacaraima e totaliza 1.678.800 hectares, vivem 15.237 índios, de acordo com o Censo de 2002 do IBGE, das etnias macuxi, uapixana, ingaricó e patamona. A região é estratégica por ser área de fronteira do Brasil com a Venezuela e a República Cooperativista da Guiana.
Coincidência ou não, Selene esteve visitando o Município na última sexta-feira, à tarde, com uma comitiva formada por outras autoridades do Judiciário. A desembargadora limitou-se a ouvir os índios e negou que a visita tivesse a intenção de esclarecer alguma coisa antes do julgamento.
Posições variam na região
Dividida em duas facções - as que defendem a homologação da área, Raposa Serra do Sol de forma contínua e os que são contra -, a população organizou recepção, discursos e documentos para defender, cada uma, seu ponto de vista. Na escola estadual Joaquim Nabuco - que levou oito meses para ser construída devido ao impasse sobre as terras da região —um publico de. aproximadamente 500 pessoas, a maioria indígena, se reuniu com faixas é Cartazes nas mãos pedindo paz e respeito. Uma delas dizia: "somos brasileiros e aqui é nossa terra." E assim foi o tom dos discursos de três tuxauas que falaram em nome de suas comunidades, além do vice-prefeito, José Novaes, que é macuxi.
"Nos não vivemos mais pelados, sabemos usar dinheiro e não queremos andar para trás. Nos não queremos viver isolados, queremos trabalhar, ser dono da venta dá gente e ser patrão. Todo mundo é brasileiro como vocês e como o presidente Lula", disse o presidente da Associação dos Indígenas do Uiramuta (Sodiur), Silvestre Leocádio, índio macuxi que defende a homologação da reserva Raposa Serra do Sol de forma não contínua.
Um outro tuxaua, o da comunidade Raposa, Caetano Raposo, confirmou o desejo do seu povo. Com sotaque carregado, ele resumiu o discurso: "Queremos a demarcação de nossa terra, mas como está aí. Não para tirar gente branca que nasceu aqui. Somos brasileiros, temos documento, votamos e o Hino Nacional também é nosso. Avisem Isso para o presidente Lula."
Do outro lado da cidade, num malocão de palha, "índios que querem a retirada imediata de não índios da região e a homologação urgente da área Raposa Serra do Sol vestiram-se de tangas de palha e cocás para dizer às autoridades do Judiciário que "existem".

Entidades
Sociedade organizada manifesta apoio
Cresce o número de aliados dos índios que lutam pela demarcação que não cause prejuízos
BOA VISTA - Dezessete entidades que representam lideranças indígenas e a sociedade civil organizada de Roraima se reuniram na tarde de ontem, na sede da Associação Comercial local, para declarar apoio aos índios que ocupam a sede da Fundação Nacional do índio (Funai) desde segunda-feira.
Os ocupantes pretendem chamar a atenção do Governo Federal para o clima de insatisfação quanto à possibilidade de homologação da reserva indígena Raposa Serra do Sol em área única, sem preservar o Município de Uiramutã, as vilas, estradas e áreas produtivas de arroz.
Ao final da reunião, líderes Indígenas, rizicultores, empresários, agropecuaristas, comerciantes, membros da maçonaria e representantes governamentais se dirigiram para a Funai com o objetivo de demonstrar, publicamente, que não estão satisfeitos com o anúncio de que o presidente Lula da Silva homologará a terra Indígena em área única.
Insatisfeitos com o que dizem ser"um ato entreguista do Governo Federal", os segmentos produtivos de Roraima acenam com a possibilidade de desencadear um movimento de grande repercussão, como o realizado no início de janeiro, quando as principais vias de acesso do Estado foram fechadas.
A proposta de desencadear uma reação desse tipo partiu do representante da Secretaria de Agricultura do Estado, Daniel Gianluppi. "Nossa proposta é fechar as portas do Estado por uma semana. Só assim vamos chamar novamente a atenção do Brasil para a situação que vivemos aqui. Agora nós só temos uma alternativa: fazer pressão", conclamou.
EM NÚMEROS
46,5%
é o porcentual que as áreas Indígenas ocupam no Estado de Roraima. Do que sobra, ainda há áreas de proteção, alagadas e rochosas, ficando 33,129E para a produção. Os dados são do estudo Perfil Territorial do Amazonas.

A CRÍTICA, 12/05/2004, p. A3

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