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Índios terão reserva do tamanho de Cuba

Folha de São Paulo
25 de Abr de 1998

Índios terão reserva do tamanho de Cuba
Governo demarca área de 10,6 milhões de hectares na Amazônia com dinheiro doado por países ricos

Abnor Gondim
da Sucursal de Brasília

Os índios brasileiros vão ganhar uma reserva do tamanho aproximado de Cuba, maior do que a reserva dos índios ianomâmis, que tem 9,4 milhões de hectares.
Será a maior área indígena situada em faixa de fronteira na Amazônia. A reserva foi demarcada com a ajuda do G-7, o grupo dos sete países mais ricos.
A nova área, com 10,6 milhões de hectares, foi homologada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso na semana passada. Cuba tem 11,086 milhões de hectares.
A demarcação, na área conhecida como Cabeça do Cachorro (noroeste do Amazonas), na região do rio Negro, derruba mais uma vez resistências militares contra a criação de extensas áreas indígenas na faixa de fronteira.
A demarcação revoga e engloba 14 "ilhas" indígenas descontínuas, criadas durante o governo Sarney (1985-90) sob a inspiração do projeto Calha Norte. O projeto defendia o aumento da presença militar na Amazônia.
Antes da nova demarcação, as 14 "ilhas" tinham apenas 2,6 milhões de hectares.
O G-7 (formado por EUA, Japão, Canadá, Alemanha, França, Grã-Bretanha e Itália) doou ao governo brasileiro R$ 600 mil para demarcar cinco áreas indígenas contíguas na região do Médio e Alto Rio Negro, fronteira com a Colômbia.
Nessas áreas vivem cerca de 30 mil índios, quase 10% da população indígena do Brasil, espalhados em 600 comunidades de 23 etnias, como baré, suriana, maku, baniwa e tucano, entre outras.
Sem as divisões internas, as cinco áreas do rio Negro superam o território dos ianomâmis (RR e AM), que é do tamanho de Portugal (9,4 milhões de hectares).
No início da década, a consolidação da área dos ianomâmis foi contestada por setores do Exército por estar localizada na fronteira com a Venezuela.
Nesta semana, a Funai (Fundação Nacional do Índio) irá concluir a identificação da última grande área indígena em faixa de fronteira na Amazônia: a do Vale do Javari (sudoeste do Amazonas), onde existem seis grupos indígenas ainda não contatados.
Terras da União
As ações da Funai estão baseadas em um parecer da Advocacia Geral da União, elaborado em 95, favorável à criação de áreas indígenas em faixa de fronteira (área de 150 km ao longo dos limites terrestres do país).
Com base no parecer, o ex-ministro da Justiça Nelson Jobim, atual ministro do Supremo Tribunal Federal, afirmou que não existe "incompatibilidade" entre áreas indígenas e a localização em faixa de fronteira. Ele assegurou aos militares livre trânsito.
"Frise-se que a União tem sempre o domínio, quer sobre a terra de posse indígena, quer sobre o território declarado indispensável à segurança nacional", escreveu Jobim. Segundo o despacho, a posse permanente atribuída aos índios não impede ações de defesa e segurança nacional.
Apoio do Sivam
Os defensores do projeto Calha Norte interpretavam como ameaça à soberania nacional o apoio externo à criação de áreas indígenas na fronteira. Temiam o surgimento de Estados independentes dentro do país.
"A demarcação recebeu apoio do G-7, mas a decisão foi do governo brasileiro", afirma Márcio Santilli, ex-presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio).
Ele dirigiu a fundação na gestão de Jobim (1995-97) e é coordenador do Instituto Socioambiental, entidade contratada para consolidar a demarcação das áreas do rio Negro.
Segundo Santilli, os índios do rio Negro conseguiram também o apoio da Aeronáutica em 96, quando decidiram abrir mão de 40 hectares para a construção de uma hidrelétrica.
Essa obra irá fornecer energia para um dos radares do Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia), programa de US$ 1,4 bilhão criado pelo governo para reforçar o controle do espaço aéreo na Amazônia.

FSP, 25/04/1998, Brasil, p. 1-10

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc25049818.htm

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